quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

QUEBRA-MAR-DE-SONHO


O garoto estava sentado no quebra-mar do Porto de Barra dos Coqueiros. Os pés balançavam ao vento que soprava agora do mar para a terra. Atirava o olhar para as embarcações que reluziam seus contornos nas águas salgadas ora onduladas. Uma sensação de tranquilidade lhe vinha ao corpo toda a vez que ali sentava; quando tinha pensamentos ruins, quando eram bons e esperançosos, quando queriam escapar-lhes da mente, enfim, esse era o seu lugar no mundo.

Poucas vezes ganhava uns trocados por ali, dos marujos e fiscais da receita. Mas seu sonho mesmo era entrar num daqueles cargueiros e com olhar de pedinte ficava ali postado quando algum atracava. Sem coragem de pedir, apenas insinuava, mas na vida as pessoas fingem que não entendem as indiretas, porque para elas é mais cômodo assim o fazerem.

Naquela tarde de fim do dia, um imenso navio espanhol havia atracado por ali, o menino correu para ver a lindeza que era. Observava atento para os guindastes que iam e vinham, descendo os contêineres carregados de sei lá o quê. Muitas vezes era enxotado dali, porém dava um jeito de se esconder, sempre queria ver o capitão que trazia barbas, sim, quase todos tinham barbas espessas e uma cara de felicidade estampada.

Estava nessa espera quando o homem desceu; em seu olhar carregava o peso da responsabilidade e conferia se a carga estava sendo retirada corretamente. O moleque fixou o olhar no altivo sujeito que imediatamente virou e sorriu por estar sendo também vigiado. O guri arregalou os dentes e sorriu. O capitão acenou para que ele viesse.

O homem de barbas grisalhas não disse palavra. Pegou na mão do menino que a estendeu sem saber motivo e caminhando, calados, subiram as escadas do navio, percorreram convés, ponte e chegaram à torre, desceram ao porão, passaram pela casa das máquinas e culminaram na cabine.
Lá o menino recebeu o quepe na cabeça e ficou rindo com barbas imaginárias; depois foi devidamente autorizado a tocar o apito da embarcação que soou aos sete mares e aos ventos de Sergipe.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bela crônica!

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