sábado, 30 de abril de 2011

sexta-feira, 29 de abril de 2011

MELANCOLIA

Com os pés descalços
Subi a colina inteira
Arregaçava a calça
E caminhava sem parar
Olhava o fim do céu
Queria tocá-lo e acelerei
O passo, no desejo sempre
Há cansaço e cada angústia
Que disfarço, se acomoda
Feito um pássaro que no
Ninho, em descompasso
Esconde a cria num chumaço
Para ninguém poder ver
...
No fim da colina
Há sempre um pássaro.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

PÁGINA DA WEB

NOTÍCIAS
                *Em vídeo-caseiro e mal feito, português afirma que matou ex-modelo brasileira que não tinha o buço grosso.
                *Ao vivo: Homem-bala morre ao vivo e plateia aplaude o desempenho tão real. (Assista ao vídeo)
                *Crédito para casa própria de seu cão cresce 50% em um ano no Brasil.
ESPORTES
                Pindaíba-MG contrata dois zagueiros dos Açougueiros-SC, o valor da negociação não foi divulgado.
                Londres 2012: 70 milhões de ingressos são guardados para os cambistas oficiais. Dirigente garante que é pra não haver confusão!
ESTILO
                # Qual é a hora certa para usar unhas de porcelana?
                #Use cinta-liga neste verão e arrase!
COMPORTAMENTO
                @E mais: saiu da linha? Saiba como desculpar-se em dez dicas quentes e práticas.
ENTRETENIMENTO
                 Ex- BBB decide posar seminua.
HORÓSCOPO
                Touro: A lua em júpiter provoca um mar de tensões nessa semana. Cuidado com o que diz taurino, pois pode ser bem interpretado.

ENQUETE
VOCÊ ACREDITA EM PAPAI NOEL?
(   )   Não, pois eu acredito só no coelhinho.
                                            (   )   Sim, porque  já vi um no shopping.
                                                (  )   Ainda bem que não existe Papai Noel no Brasil.
                                                                                       ( Ver resultado )

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM -Capítulo final.

E foram felizes, muito felizes!
Fim

         Senti-me muito estranha quando escrevi a última palavra da história de Amélia. A sensação de algo tão impossível de classificação incomodava-me. Não era um conto, nem novela, jamais romance. O que era aquilo? Resolvi chamá-lo de opúsculo. Sim, o opúsculo de Maria Amélia.
         Estava, portanto, acabada a narrativa mais simplória de minha vida literária, a pedido de minha personagem, havia feito seu romance, traduzido em palavras seu enredo banal e comum. Ali sentada eu pensava quando ouvi:
– Quero uma história para mim.
– Quem é você?
– Ah! Nem se lembra de mim, não é sua vadia?
– Como é que é? Vadia!
– Sou tão insignificante assim?
– Não minha senhora, é mal-educada mesmo.
– Quero ser protagonista; cansei de ser coadjuvante em seus romances subliterários.
– Eu não acredito nisso... Mas, quem é a senhora?
– Não reconhece sua própria criação? Bem que disseram que era escritora chinfrim.
– Agora está apelando. Por favor, retire-se.
– É que eu gostaria... De entregar o meu enredo.
– Quem é a senhora?
– Sou Dona Zulmira Pontes, amiga número um de Dona Maria Amélia. E se ela ganhou uma história só para ela eu também tenho direito!

FIM

terça-feira, 26 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXVII

         Ainda eram silenciosamente calados pela manhã. Abraçados e entregues, Maria Amélia e Gomes perceberam que o amor havia sido feito para eles. A intimidade agora conhecida e descoberta apareceu assim, sem nenhuma trava, sem medos, livre de quaisquer preconceitos. O amor aconteceu como se sempre acontecera.
         Gomes quebrou o silêncio dizendo que não só queria ficar, casar, morar com ela como também gostaria de viajar, conhecer outros lugares. Maria concordou tão leve e submissa que aceitaria qualquer coisa naquele momento. Reiterou ainda que havia guardado um bom dinheiro nesses anos de reclusão e que juntos iriam gastá-lo todo fazendo o melhor: vivendo!
         Ficaram planejando coisas, torneando as ideias, esclarecendo as vontades. Nessas, decidiram quando casariam, quem moraria com quem, como seria a cerimônia, simples e discreta, e acertaram que passariam a lua- de-mel em Portugal e que obviamente conheceriam o Rio-ás-avessas em Santa Maria da Feira.
         Do mutismo ao falatório sem fim. A manhã passou desapercebida pelos dois que se assustaram com o horário. Não tinham dormido nada e nem precisavam disso. Gomes pediu um café forte e Amélia pediu as xícaras azuis.
         Naquela tarde saíram juntos para providenciar o máximo que conseguissem datas, acertos e afins. Convidaram o Portuga (com cuidado, é claro, não sabiam como contar, e Dona Rosa garantiu que o homem era de ferro e que podiam fazer o convite que ele adoraria, mesmo acamado) como padrinhos dos dois.
Passaram também na padaria Fiães, Gomes fez questão de contar para a mocinha que resgata os pães da novidade, afinal ela tinha sido sua cúmplice. Disse para ela e para o garoto que os dois seriam convidados também. Os dois ficaram tão felizes que marcaram um cinema naquela noite, iam matar aula.
Tudo aconteceu muito rápido. Não podiam perder tempo para serem felizes.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXV

           Eu estava muito contente por ter escrito ou manuscrito a história mais banal de minha carreira como escritora. Havia me afeiçoado por demais em Maria Amélia e claro, em Gomes. Sabia que os últimos capítulos estavam por vir e minhas sensações eram plurais e contraditórias. Lembrei-me da história em que Macunaíma, que recebe a pedra muiraquitã quando seu filho morre e Ci vira a estrela Beta de Centauro, começando aí uma sequência de personagens que não morrem, meramente transformam-se em astros.
         Pensei que assim como Ci, Maria seria em minha vida uma personagem que não morreria e nem a mataria como a escritora o fez a Macabéa. O estilo era mais para Mário, a ideia de transformá-la cosmologicamente em estrela era perfeita. Sabia já agora como acabaria a novelinha da espera da personagem e tristemente sentia um desejo de esticá-la em só mais alguns capítulos, somente o necessário.
         Tratei naquela madrugada de reescrever o fim dessa história, dar os arremates finais e decidir um desfecho para cada uma das personagens envolvidas. Quando escrevi o último, achei que Maria Amélia viria conversar comigo, pedir mais qualquer coisa, agradecer pela sua história completa e feliz. Ou ainda, usar aquele tom arrogante e mandão da exigência, peculiares a sua pessoa, e implorar por outros episódios, novas aventuras.
         Não. Ela não apareceu. Escrevi um sonoro fim, no rodapé da derradeira narrativa e nada. Não veio, não agradeceu. Distanciou-se, virou personagem, enfim, absorta em si mesma, em sua nova vida, em sua recente condição.
         Para essa fragmentada e confusa escritora, resta somente a obrigação de publicar, então, os últimos e derradeiros e redundantes capítulos da história de Dona Maria Amélia Canto e Melo, de pessoa á personagem, de personagem á pessoa, de verdade á mentira, do dia á noite, do pão á manteiga.
         Ei-los!


sábado, 23 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXV

           Maria Amélia olhou algumas fotos de quando era mais jovem e quis recuperar o rosto que tinha anteriormente. Radiografou seu semblante na tentativa de transformar-se naquela pessoa de antigamente, queria estar bela e não sabia se conseguiria. Pensou no jantar de algumas horas e só imaginava em como seria. Decidiu não gerar expectativas e tratou de se arrumar.
         Gomes era um nervo só. Ligou para a filha e contou de seus propósitos. Recebeu incentivo e garantia de que viria para o casório caso esse se confirmasse. Depois ficou duvidoso quanto ao terno marrom ou azul-marinho e optou pelo azul. Olhou para o anel e sentiu-se inseguro por um segundo, não sabia como iria pedir, dizer, falar.
         Ás nove e meia, em ponto, estava estacionado na porta do prédio e logo em seguida avistou Maria, linda, num clássico vestido preto, o colar de pérolas emoldurava a face bem maquiada. Beijaram-se muito rapidamente já que estavam por demais nervosos e tímidos. O trajeto foi marcado pelo silêncio da fala, nem a melodia baixinha do rádio preenchia o ambiente carregado de insegurança e medo.
         Gomes pediu um vinho e Amélia foi ao toalete. Na volta achou a caixinha sobre seu prato. Abriu e viu um anel dourado com pequeninos brilhantezinhos cravejados num semicírculo. Era maravilhoso. Pediu que Gomes o colocasse em seu dedo. Não diziam nada. Apenas se comunicavam com o garçom. Jantaram, pediram a sobremesa e nenhuma palavra foi proferida.
         Na volta para casa, a melodia do rádio continuava emudecendo o momento. Com o carro parado e ainda ligado, Maria Amélia afirmou em uma exigência natural e consciente que era para ele colocar o carro na garagem e subir com ela.
         Amélia abriu a porta, segurou firmemente na mão de Gomes e o levou para o seu quarto. Não disseram palavra alguma porque não podiam. O amor era carente e urgente, e esse não requer palavras, apenas intenções e tenções, e isso tudo eles tinham de sobra. Tantas e tamanhas, que se amaram ao longo de toda a madrugada, desesperados e mudos.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXIV

              No final daquela semana, Portuga teve alta do hospital, e como bem disse o médico foi apenas um susto. Um daqueles que a vida muitas vezes nos dá, para que lembremos que é hora de aproveitar, cada coisinha, de jogar fora a mágoa, a angústia, o pessimismo e trilhar no riso, na diversão, alegria e amor. Tudo isso passou num flash na cabeça de Maria Amélia, enquanto acompanhava de braços dados, com Dona Maria Rosa, pelo corredor do hospital.
         Não conseguiu ouvir a prosa arrastada de Dona Rosa, os detalhes das enfermeiras grosseiras, a comida mais horrível do mundo, e do sono mal dormido. Olhou apenas para frente, com olhares muitíssimos afeiçoados para Gomes que empurrava a cadeira de rodas com o Portuga, que parecia ter saído de uma festa. Os dois iam rindo.
         Portuga quis passar na padaria, Dona Rosa ralhou, mas não teve jeito, tiveram que parar na porta. A mocinha que resgata os pães veio feliz, de verdade, pegou na mão do patrão agradecida pela sua volta e nem se lembrou dos gritos que ele dava para voltar ao trabalho ou de sua rabugice matinal. O garoto garantiu que tudo havia ficado nos trinques e que ele tinha tomado conta de tudo nos mínimos detalhes; até tinha ariado a chapa, que estava tinindo.
         Depois que o carro saiu Gomes verificou um olho cheio d’água em Portuga. Maria Amélia virou o rosto e viu os dois garotos abanando efusivos em adeuses. Pensou em como a felicidade é mesmo um pão com manteiga. Novamente não escutava um verbo de Dona Maria Rosa que desatou a falar tanto, tanto; talvez fosse tudo aquilo que não havia dito, sentada no banquinho da padaria presa ao tricô.
         Na volta, Gomes foi enfático ao dizer para Amélia que se aprontasse, bem elegante, pois, iriam jantar em um lugar muito chique, mas que era surpresa. Foi tão veemente que obteve um sim de chofre. Só decidiram que ás nove e meia seria melhor, para que ambos pudessem caprichar. Gomes tinha claro suas intenções e não deixou transparecer um triz sequer. Quanto a Maria, essa estava começando a achar que viver valia mesmo a pena.

domingo, 17 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXIII

          Naquela semana Gomes e Maria Amélia ficaram muito próximos. Saiam todas as tardes para visitar Portuga no hospital, que depois de três dias na UTI finalmente encontrava-se fora de perigo e no quarto. Eles ajudaram Dona Rosa o tempo todo, trazendo roupas e frutas. Os filhos de Portuga decidiram reabrir a padaria e revezavam-se nos períodos.
         Numa das tardes atreveram-se a caminhar de mãos dadas e depois desse dia só andavam assim, feito namorados mesmo, com direito a braços dados, beijos rápidos de despedida, olhares de afeição, almoços juntos e muita conversa. Para Maria, uma rotina desconhecida e maravilhosa, de sensações ainda confusas, porém agora sem a possibilidade de fuga.
         Gomes era alegre, agradecido e tudo aquilo para ele era imensamente natural. Como se a conhecesse há décadas, como se a espera de alguém especial estivesse finalmente acabado. De a sua certeza ser tamanha, é que ele resolveu que pediria Maria Amélia em casamento logo que Portuga deixasse o hospital. Faria conforme manda a tradição e saiu para comprar um anel.
         Naquela madrugada, depois que Gomes a deixou em casa, Amélia não conseguia dormir. Resolveu fazer algo que nunca tinha feito antes como escrever. 

Que confusão
imensa você
causou em
meu coração.
A espera foi
tanta, tamanha.
Qual sentido há
na mentira?
É a causa da
ilusão.
Se o amor foi,
o fim da confusão.
O sentimento
não é barato
É só mais...
Um ato,
um capítulo
mal acabado.
Mas a espera foi
tanta, tamanha.
Que a confusão
imensa, que você
causou, arranjou
meu coração.


sábado, 16 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXII

  – O que aconteceu?
– O Portuga teve um infarto.
– Entre. Sente-se.
– Estou péssimo.
– Não fique assim, por favor.
         Maria Amélia abraçou Gomes e ele começou a chorar baixinho; não diziam nada, apenas ficaram ali por um bom tempo, unidos na tristeza. Maria mantinha o abraço, enquanto pensava na efemeridade da vida, de como as coisas passavam rapidamente agora, que tinha o Gomes consigo.
– Posso ficar aqui?
– Sim, é claro. Você já comeu? Vou fazer algo para nós.
– Você vai comigo até o hospital de tarde? Ele está na UTI, mas quero vê-lo, sei lá, quero estar lá com Dona Rosa.
– Iremos. Deite aí no sofá, vou fazer um lanche.
– Quero ajudá-la.
– Então venha. Agora me conte o que houve?
– Estávamos conversando e de repente ele foi caindo e desmaiou.
– Meu Deus!
– Abri sua camisa e iniciei uma massagem no peito, nem sei como consegui fazer isso. O resgate chegou bem rápido. Eu achei que ele tinha morrido.
– Salvou ele. Isso ajuda sabia? Fique tranquilo ele vai ficar bem.
– Tomara. Obrigado, obrigado por estar aqui, por estar comigo.
– Pare com isso. Não agradeça, eu é que sou grata por você ter me trazido vida, vida nova, eu que esperei tanto por isso.
         “Se os olhos não fossem solares; Jamais o Sol nós veríamos;” lembrei-me desses versos de Goethe e continuei a escrever a história de Dona Maria Amélia, agora definitivamente entregue ao esquecimento.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXXI

A moça que resgata os pães chorava copiosamente enquanto Gomes tentava reanimar Portuga caído no chão.
– Corre garoto, liga para o resgate. Vai!
         Gomes fazia massagens no peito descamisado do Portuga que parecia um pão branco e sem vida. Pensou no pior, mas não quis dizer nada a ninguém. Os clientes da padaria fizeram um círculo em volta.
– Abram espaço, abram espaço! Reage, homem, reage...
         Dona Maria Rosa abraçada a mocinha que resgata os pães não olhava para eles, o tricô deixou cair no chão, e nem se lamentou de ter perdido o ponto. Em menos de dez minutos os paramédicos chegaram e começaram os procedimentos.
– Ele vive?
– Sim, vai ficar bom.
         Gomes tranquilizou Dona Maria Rosa e disse que ficava na padaria até que um dos filhos deles chegasse para fechá-la. A ambulância levou os dois, acompanhada pelos olhares curiosos daqueles que veem prazer na tragédia.
         O garoto aproveitou o momento para abraçar a mocinha que resgata os pães, mas não chorou. Ficou firme ao lado dela. Gomes pediu aos dois que voltassem ao trabalho, pois certamente seria isso que Portuga diria.
– Garoto, traz um café.
– Sim senhor.
         Gomes sentou no balcão e teve uma vontade absurda de chorar. Não conhecia o Portuga há tanto tempo assim, mas esse tipo de laço estreito que mantinham, essa amizade descompromissada, leve, sem nada, absolutamente sem nada a cobrar ou declarar, simples como dever ser o “querer-bem”, o gostar gratuito, faziam deles grandes amigos. Não podia perdê-lo agora, não agora.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXX

De fato não conseguia escrever uma letra da narrativa que incluía Maria Amélia. Seu medo dos próximos capítulos, da sua proximidade com Gomes e das sensações vividas, fizeram com que ela se fechasse num casulo absurdo, e da minha parte, não permitia que produzisse nada enquanto não falasse comigo e isso eu não concederia.
Refleti a tarde toda sobre a maldita da natureza humana. Da vocação que algumas pessoas têm de carregar consigo a melancolia e a tristeza infinitas, de não permitirem a felicidade, não calcarem no otimismo, na certeza e no agrado da vida. Maria era assim. Sua essência amarga e rude abafava qualquer sentimentozinho de alegria.
Quando criei Gomes, pensei justamente em proporcionar para Amélia a sensatez do ver e conviver com o restolho, que eu julgava haver dentro dela, e que possivelmente germinasse em pequenas gramíneas que brotassem verdes e frescas, trazendo alguém levemente transformado pelo amor.
Enganei-me. Não sei. Preciso conseguir, ou melhor, necessito retornar para o enredo. Para o enredo que nós planejamos. Tão simples e medíocre, uma reles história de amor...
O leitor já deve imaginar que quando Maria entrou em meu apartamento com o enredo nas mãos, não era propriamente um roteiro. Ela pediu-me meramente uma paixão, alguém que protagonizasse junto dela essa narrativa boi-com-abóbora. Um grande amor, isso, amor!
         Da minha parte só posso esperar, a espera da escritora. Desejosa por terminar esse romance, já que nada, nenhum escrito meu ficou sem alinhavo. Fico na esperança que Maria Amélia permita-me o desenlace final, as páginas derradeiras. Vou fazer um café, um pão na chapa com manteiga Aviação e aguardar que consiga esboçar mais alguns episódios.
         Pensando melhor, acho que farei as torradinhas do Gomes e abrirei um Lambrusco, tinto, certamente o tinto!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXIX

– Levou um fora, não é? Olha alegria dele.
– Mas hoje de manhã ele estava diferente.
– Você é que não percebe nada!
– Mas nosso cineminha está de pé?
– Sei não.
– Ah! Vá.
– Não gosto de gente que não percebe, além disso, é muito pirralho.
– Olha isso, tenho dezesseis,  você quinze, que está falando!
– Não é idade que conta.
– É só um cinema, vamos?
– Sei não, vou...
– Quer saber, agora quem não quer sou eu!
– Ei! Volta aqui.
         De lá do fundo, Portuga gritou perguntando o que estava acontecendo com esses dois, disse para pararem de fuxicos e voltarem ao trabalho. Garoto fechou a cara espinhenta num bico armado, carregado de mau humor. A moça que resgata os pães tratou de colocar e arrumar os pães de queijo na cesta, sentiu-se estranha, queria ir ao cinema e pensou no excesso de charme que havia feito.
– Caro Gomes tem outras feições.
– Portuga, tudo está se ajeitando.
– Estava certo que ajeitariam.
– Você será meu padrinho!
         Os dois continuaram a conversa, e os ouvidos de todos estavam atentos, Gomes não revelou detalhes, pois não é de sua natureza, mas deixou claro o amor, o seu amor por Maria Amélia.
         Por aqui, adiantava alguns capítulos banais com medo da invasão de Maria, iria tentar mais uma vez e eu não permitiria!

domingo, 10 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXVIII


         Gomes caminhava sorridente pela rua e não via nada ao seu redor. Maria Amélia angustiada pensava em ter uma boneca-de-plástico-pelada para segredar o que havia acontecido naquela manhã. Gomes lembrava-se da cena e adorava o fato de ainda ter conseguido beijar uma mulher daquela maneira; depois da viuvez, alguns encontros fúteis e nada mais; o que tinha acontecido hoje era diferente, muito diferente.
         Amélia estava sentada na banqueta da cozinha e seu olhar era parado, nas xícaras, na toalha e no papel-bilhete sobre a mesa. Planejou guardá-lo em local mais seguro e especial. Não sabia descrever o que sentia talvez um frio estranho, um medo particular, a danada da confusão de ideias.
         Percebi que Maria Amélia ia tentar ter comigo nova conversa, (imagino o tema da prosa) e comecei a escrever freneticamente alguma coisa...
         Gomes não queria ir para casa e rumou para a Padaria...
         Não estava conseguindo mais delinear a narrativa, a insistência de Maria em querer falar comigo era imensa, sentia que ela estava cada vez mais próxima e concentrei-me no distanciamento...
         Gomes não queria ir para casa e rumou para a Padaria Fiães- “onde se produzem os melhores pães”- cantarolava baixinho pela rua e ria. Estava feliz, como já estivera antes, claro, mas apaixonar-se nesse final da vida, tendo vivido tantas coisas, perdido uma esposa, amado, a filha morando em outra cidade, sem netos, sozinho. Nada agora pareceria tão mais solitário e vazio, sem propósito. “Na vida não se pode perder o propósito”, ele pensou.
         Escrevia rapidamente a fim de afastar-me de uma possível intromissão de Amélia, e notei que só conseguia escrever sobre Gomes, não podia parar; Amélia era turrona e tentaria vir ao meu encontro se eu deixasse, diante desse contrassenso-não queria tornar-me sua escriba-alucinadamente voltei a escrever...
         Gomes entrou tão alegre e sorridente que a menina que resgata os pães percebeu, até Dona Maria Rosa inerte em seu tricô notou também as novas faces do homem.

sábado, 9 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXVII

              Na padaria Fiães, o garoto investia na menina que resgatava os pães.
  – O seu Gomes esteve aqui logo cedo. Estava com uma cara.
– Cara de quê?
– De que tinha levado um fora.
– Será? Eu queria que desse certo, afinal eu ajudei, né?
– Comprou pão e manteiga e se foi.
– Será que foi para casa dela?
– Sei lá, mas a gente podia pegar um cinema, quer ir?
– Vou pensar.
– Oba! Já é um começo...
Maria Amélia tentou recuperar o fôlego colocando quatro colheres de pó de café, puro e forte, e derramando a água esturricada por cima. Resolveu esquentar o pão e seus movimentos eram desconexos e meio sem sentido. Gomes também atordoado, sem graça, arrumava as xícaras já postadas de lá para cá. Eram silenciosos e pensativos.
Maria colocou o café na mesa e retirou o pão quente do forno. Gomes ao seu lado, a puxou novamente e decidiram que o beijo era mais urgente que o café. Que o abraço colado era mais necessário que o pão com manteiga. Ficaram assim, por um longo período. Entre os beijos mais suaves e os toques de descoberta,incomutáveis, nos cabelos, na orelha, na querença desesperada do conhecer, cada ruga, cada marca. Olhavam-se profundamente, como se já se reconhecessem.
– Isso é real!
– O que disse?
– Nada.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXVI

  – Posso entrar?
– Não deveria ter dito.
– Não, não diga mais nada. Só quero vê-la, tomar café da manhã com você.
– Por quê? Depois do que fiz e falei.
– Por favor!
– Entre.
– Obrigado. Os pães e a manteiga.
– Venha para cozinha, vou fazer um café.
– Seu apartamento tem seu cheiro.
– Sente-se.
– Quero ajudá-la. Onde tem toalha e xícaras?
– Aqui.
– Quer que eu vá embora?
– Não, claro que não. Desculpe meu jeito, sem jeito.
– Não quero que se sinta acuada.
– Estou só confusa.
– Posso pegar as azuis? E a toalha?
– Na gaveta. Sim pegue as azuis.
– Você guardou o saco. Com meu bilhete, não acredito!
         Gomes abraçou Maria Amélia num gesto largo e espontâneo; Gomes beijou Maria, num gesto largo e espontâneo. A água do café fervia e assistia ao beijo longo e demorado, sem fugas, sem esquivos; abafado e urgente, não era um beijo defeso, mas sim uma entrega de uma longa espera.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXV

Parte XXV

Resignado por completo, porque essa era a natureza pacífica e branda de Gomes, deixou-se levar até a porta da padaria Fiães. Viu que a porta sanfona havia acabado de ser aberta, Portuga estranhou sua chegada tão cedo e foi logo avisando que não tinha passado o café ainda. Como estavam somente os dois, Gomes arriscou uma conversa.
– Você entende as mulheres?
  – Demorei 25 anos para compreender razoavelmente minha Maria Rosa.
– Pois, então. Por que é tão difícil? Achei que estava no caminho certo.
– O que não se deve é desistir. Como nenhuma é explicável, é melhor apostar em uma só do que trocar, trocar e nada de entender. Desvendes sua Maria.
– É que a coisa está ficando complicada, ás vezes acho que ela quer outras que não quer.
– Charminho. Não desistas, rapaz!
– Não sei, não. Não tenho mais saúde para tentativas e erros.
– Pois, é moço e jovem.
– Aviação; separe uma latinha que a minha acabou.
– Seu café, rapaz.
– Obrigado, Portuga.
         As pessoas foram chegando e misturado ao cheiro de pães, os cheiros variados de gente. Gente que trabalha, que vem e vai, sonha, que não quer acordar. Gomes sentado no balcão remoía as ideias em busca da compreensão dos últimos acontecimentos e percebeu que não seria capaz de entender. A moça que resgata os pães sorriu e ele resolveu que ainda era cedo para desistir.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXIV

Pensei em ter uma conversa com Maria Amélia naquela manhã. Ela não podia ter contado para Gomes que ele era uma personagem. Gomes não traz em si a mesma natureza intempestiva de Amélia, ele é doce e subserviente. Achei melhor não, era preciso garantir um distanciamento. Sim, eu não podia mais interferir em nada. Deveria apenas escrever a história.
Certamente a melhor maneira de fazer com que Maria entrasse de vez nessa narrativa, era fazer com que ela acreditasse na sua loucura momentânea, abraçasse a verossimilhança dos fatos e do enredo e definitivamente se esquecesse de mim, do que me pediu e do acordo que fizemos quando invadiu minha vida literária.
Ao mesmo tempo sentia uma saudade imensa dela, da sua rabugice condenatória, exigindo de mim, cobrando; do misto de medo e entrega que confundiam sua cabeça fictícia. Gostava dela, sim, havia uma dedicação especial minha para essa protagonista, para esse texto que construíamos juntas; simples, precário, boi-com-abóbora e chinfrim.
Inclusive e mesmo porque existiam agora outras figuras fictícias envolvidas, que ganharam massa dramática, peso gramatical. Coadjuvantes com seus momentos de glória - garoto, a menina que resgata os pães, Portuga e Maria Rosa- que haviam ganhado de mim pequenas historietas que tinham muito ainda de serem entrelaçadas no caminho de Gomes e Maria Amélia.
Não vou procurá-la. Chega. Vou escrever essa narrativa até o fim. Voltarei a escrever essa história, pois há uma personagem a minha espera!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXIII

Já estava claro quando Gomes tentou beijar Maria Amélia pela terceira vez e ela esquivou-se novamente. Não estava pronta para nada ainda. Embora o desejo daquilo tudo fosse evidente, Maria lembrou-se da ideia fixa de que nada daquilo era real.
– Estou gostando muito de você. Não quero forçar seu desejo, mas não temos mais tanto tempo para cortejos, quero tocá-la.
  – Eu sei. Também gostaria...
– Então, por que foge?
– Você não acreditaria seu contasse.
– Contasse o quê?
– Nada disso é real, é tudo mentira, nem existimos.
– O que está dizendo?
– Somos apenas personagens. Nada que dizemos ou fazemos é verdade.
– Gostei da metáfora da vida. Mas devo dizer que nunca me senti tão vivo e não sei aonde quer chegar com toda essa conversa. O que posso afirmar é que se você não quiser seguir em frente com a nossa história, apenas diga. Tudo que sinto é real, seus olhos são infinitamente brilhantes, desejo sua boca e isso é verdade.
– Eu não posso, não consigo. Sabia que não acreditaria em mim e isso não é desculpa para nada, é fato!  Você não entende?
– Não! E nem quero. Acho melhor levá-la para casa.
Depois de deixar Maria em casa, Gomes pensou em voltar ao seu apartamento, mas ficou com vontade de ver gente estranha, porém, gente amiga. Pensou em ter com o Portuga, e decidiu ir até a Fiães tomar um café forte, preto e puro. Talvez o ambiente incomum e caótico da padaria, paradoxalmente o traria de volta a luz do entendimento humano, das ações confusas e estranhas de Amélia.

domingo, 3 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXII

Em frente ao retrato da viúva, Amélia segurou-o mais perto e não soube explicar o que sentiu ao ver o rosto da mulher, só sabia avaliar que era bonita; muito bonita. Não sentiu seu cheiro no lugar, nem seu toque na casa; não presenciava sua existência, isso devia ser bom sinal, seria um sinal que apenas o retrato havia ficado na estante. Achou seus pensamentos egoístas, ciumentos e estranhos, e tentou disfarçar quando Gomes entrou.
– Queimei as torradas, você acredita. Mas salvei algumas, quer arriscar?
  – Claro, são do quê?
– Gorgonzola. Gosta?
– Muito.
– Lambrusco? Tinto ou branco?
– Nossa, há quanto tempo não bebo nada. Tinto.
– Concordo.
– Estão muito boas. Aprovado. Mas tem algo especial...
– Aviação; misturei um pouco no gorgonzola e amassei bem antes de passar nos pães.
– Adorei.
– Fiz porque é nossa marca registrada, nossa história começou assim, achei essencial ter pão com manteiga, com um toque mais sofisticado é claro!
         “Nossa história”. Pensou Maria sem responder um a naquele instante perturbador. Preferiu enfiar mais uma torrada goela abaixo e mastigar tão lentamente até que seus pensamentos voltassem ao normal. Gomes era solto, engraçado, leve. Ela era tensa, confusa e amedrontada. Dois opostos tais qual o pão, na sua simplicidade mágica e fermentativa, e a manteiga, na complexidade gordurenta e indissolúvel.
E parecia que ambos haviam sido feitos um para o outro. Naquela noite a madrugada foi curta para tantas descobertas...

sábado, 2 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XXI

           Na padaria, o romance de Maria Amélia parecia ter causado uma comoção em todos. O velho português olhou para sua Maria Rosa e tentou lembrar-se de como era aquela face mais nova e linda. As mãos da mulher nos movimentos rápidos ao tricô não permitiram que ela percebesse o olhar, do marido de tantos anos. Portuga pensou ainda se sua Rosa era feliz, e teve receio de perguntar.
– Vamos ao Mercado Municipal hoje á tarde, comer aquele pastel de bacalhau que sempre comíamos quando namorados.
– Que é que te deu, homem?
– Saudades.
– Não sei. Faz tantos anos.
– Vamos minha Rosinha.
– Está tão estranho, não me chama assim há tempos.
– Saudades Maria, saudades.
         A mocinha que resgatava os pães sussurrava no ouvido do garoto...
– Fui eu que coloquei o bilhete no saco de pão.
– Como é que é?
– O seu Gomes me deu dez reais para colocar os pães daquela senhora no saco que ele tinha escrito que gostava dela, entendeu?
– Você, hein! Nem para me contar.
– Eu não. E quase deu zebra, quase coloquei no saco errado, quer dizer, na velha errada. Sabe aquela do cabelo vermelho, se não fosse o seu Gomes abanar sem parar lá do balcão o negócio tinha ido para o espaço.
– Garota esperta. Quer dar uns ‘roles’ comigo?
– Se enxerga garoto!
         De lá do caixa, dessa vez o Portuga não gritou com os dois funcionários, estava embebido demais nas suas lembranças junto de sua Maria Rosa.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE XX

Parte XX

         Em casa na mesma posição imóvel, sentada no sofá, Maria Amélia percebeu que havia amassado o papel com o endereço de Gomes. Desamassou devagarzinho e colocou na mesa de centro. O medo invadiu o pensamento que navegava em mares conturbados. Gostava dele ou a sensação de ser querida por alguém trazia o interesse? Ele gostava dela ou queria uma companhia para sua viuvez? Poderia suportar um romance na sua idade? Poderia viver com alguém tão estranho, ainda?
         Em casa Gomes estava aflito e perturbado com a bagunça do apartamento, ao mesmo tempo uma sensação feliz e agradável tomava conta da alma solitária. Gostava dela. O que faria para o jantar. Queijo e vinho era uma boa opção, mas ela beberia? “Isso não é um jantar”, resmungou. Compraria massas frescas no empório? Essas preocupações não tiravam a ação da faxina e arrumação. Olhou para a foto da viúva e pensou tirá-la dali. Decidiu deixar.
         Maria dormiu a tarde toda e acordou quase noite, assustada. Colocou uma música qualquer no rádio para sentir a presença de qualquer coisa. Queria ficar bonita e não sabia se já podia. Tentou não enlouquecer com as ideias desatinadas, ouviu Dois para lá e dois para cá e sentiu o frio na alma.
         Gomes olhou para o que tinha feito e sentiu certo orgulho. A arrumação parecia adequada e as flores traziam aquele ar de uma casa habitada e viva. Sentiu o cheiro de queimado das torradinhas ao forno e correu praguejando para a cozinha. Salvou as que davam para serem salvas, avaliou se valiam a pena serem comidas e ficou com medo de colocar as massas para gratinar. Resolveu tomar banho.
         Antes de tocar a campainha a porta já havia sido aberta, numa cadência sem explicação lógica. Na feição mais maravilhada e carismática que se pode conter num rosto, Gomes a olhou. Tocou de leve em sua mão e levou-as num beijo longo e intenso. Maria não tirou a mão dessa vez. Apenas sentiu o que há muito não sentia.


REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!