sábado, 31 de março de 2012

RÉQUIEM PARA O VÉIO CHICO


O velho Chico acordou hoje com uma vontade imensa de correr para o mar. Estava cansado, muito cansado... Com a falta dos homens jogando seus pequenos puçás e as moças novas lavando as toalhinhas sujas das regras mensais, sentia-se solitário a cada nascente manhã.

Em seu leito impregnado de uma vida agora torta e sem graça estava mesmo determinado a morrer. Da morte assim morrida, da morte pela velhice, abandono e pelo cansaço. Mal o dia terminava, Chico tratou de rumar para o mar. Ia tranquilo e sereno, devagar e pensativo.

Deu uma última olhada para o rastro de poeira seca que havia deixado para trás. Ninguém acenava para ele. Os moleques não tomavam mais banho por ali; nem mais um descarrego era solto nas suas encruzilhadas. Olhou mais uma vez para sua nascente lá longe e não enxergava mais nada.

 Acelerou num ritmo final dando o último suspiro das suas forças e desembocou toda a sua derradeira doçura no mar aberto e revolto. Sumiu espalhando-se em cada espuma salgada que se formava, foi assim dissipando ao vento, perdendo a cor e o jeito do véio Chico, para nunca mais voltar.


terça-feira, 27 de março de 2012

SEM DIREITO A RÉPLICA OU CADA UM COM SUA LISTA


Tem gente que faz, fez ou fará muito sucesso.  Minha humilde indignação aos que eu não tolero, afinal com sucesso ou não, são muito ruins:

Jorge

Eça

Paulo

José

Fernanda

Outra, Fernanda e não é a Montenegro, é claro!

Paula

Renato

Augusto

Bispo

..........

E tem mais alguns que poderiam entrar na lista, mas estou sem saco; ocultei os sobrenomes para evitar constrangimentos.


sábado, 24 de março de 2012

CORRENTE ALTERNADA


Corretivo

Corrosão

Corrupto

Corruptela

Corrimento

Corrompido

Correnteza

Correntio

Correia

Corre-corre



Só a corruíra e o corrupião escapam...

quarta-feira, 21 de março de 2012

CRÔNICA DA SOLIDÃO


A mulher encostada na janela olhava para o céu enegrecido pela noite, analisando as baforadas que deixavam a imagem turva pela fumaça expelida. Um mosquito pousou atrevidamente em sua mão. Observou o inseto e deixou que a picasse, queria algum tipo de contato, com algum ser.

Naquela solidão que se encontrava a coceira provocada pelo bicho já era um sinal de sensação, precisava das sensações para sentir-se viva. Coçou novamente o dorso da mão. Soltou mais alguns tragos e decidiu beber mais um gole do vinho ácido e ruim.

Pela madrugada que seguia tentou abafar todos os pensamentos que lhe vinham na cabeça. Queria poder dormir sem sonhar, sem produzir sequer pensamento algum. Apenas dormitar. Pegou o livro e leu mais um capítulo lentamente para ganhar umas horas daquele dia que custava a acabar.

Deitou o livro na cabeceira e trocou-os pelas palavras cruzadas. Efeito danoso; estrago com sete letras. Pensou, elucubrou, tinha tempo, veio-lhe injúria. Conferiu. Acertou. Guardou para o outro dia o término do restante. A madrugada era lancinante e aterrorizadora.

O sono chegou-lhe às cinco. Os sonhos chegaram às seis. Neles estavam tudo de mais agonizantes e pungentes, eram unha e carne com a realidade, nada tinham de oníricos. Acordou e resolveu passar uma pomada na coceira, era melhor assim.


sábado, 17 de março de 2012

CRÔNICA DOS SEIS MESES


– Será que ele irá lembrar?

– Sei lá.

– Isso é resposta, amiga.

– Ah, é.

– Você não abre essa boca.

– Nem uma dica?

– Namorado que é namorado lembraria.

– E se ele não lembrar?

– Termino.

– Será que ele irá lembrar?

– Sei lá.

– Isso é resposta, amiga.

– Você não quer dar só uma dica para ele?

– Nem uma dica, você que disse!

– Termino.

– E se ele lembrar?

– Ah...

– Ah? Coitado.

– Obrigação de amor.

– Então, tá.

– Ah...faz uma metáfora e dá a dica, hein? Mais seguro, por via das dúvidas, vai que ele esquece.

– Seis meses, seis amores, seis...

– Essa é a metáfora?

– Sei lá.

– Isso é resposta, amiga.


quinta-feira, 15 de março de 2012

A LENDA DOS FÍSICOS: A saga final


(PARA Herick, Kevork e EnriK)

Reza a lenda que depois da sensacional apresentação dos Físicos, em que dois raios caíram no mesmo lugar, para tristeza de todos, os célebres cientistas separaram-se e cada um seguiu seu rumo. O Mágico passou a investigar o paradeiro dos homens em uma busca incansável. Como as runas e bolas de cristal não surtiram efeito tentou o tarô egípcio e posteriormente os búzios que era uma prática recente vinda do novo continente descoberto; porém, tudo em vão.

Soube-se depois de uns anos, que o primeiro, Herick, dedicou-se a publicação exaustiva de diversos periódicos científicos. Ficara famoso e conhecido mundialmente com a venda de livros de porta em porta dedicados as suas pesquisas quânticas. Hoje sabemos pela análise de sua árvore genealógica, que seu tatatatatatatataraneto é nada menos que Eisberg Resnick.

Descobriu-se também que Kevork, havia partido para outro lugar, próximo de Florença, na bela Itália onde iniciou seu trabalho de alta engenhosidade e periculosidade, explodindo coisas, desenhando pistolas de elásticos com madeira nobre e montando protótipos com seu ilustre amigo Leonardo. Ambos projetaram diversos aeromodelos, utilizavam cola com base de água e farinha e revolucionaram a arte dos brinquedos da época.

O terceiro, Enrick, veio parar nos trópicos, lá pela linha do Equador. Contam as más e boas línguas que se dedicara a criação de inventos e experimentos. Montou painéis com barro e areia que aproveitavam o Sol arrasador, hortas cultivadas com água salgada e obtendo folhas já temperadas e há quem diga que a famosa bomba de vácuo manual e a experiência do ovo cozido na garrafa foram ideias suas. Dizem que acabou perdido de amor por uma morena qualquer, fincando raízes na nova terra chamada Pindorama.

Quanto ao Mágico, depois de desistir da sua árdua busca sem fim, pois Os Físicos desapareceram do mapa, pensou que seria a hora de publicar uma autobiografia, que contasse toda a sua triste trajetória como Mágico e todas as mazelas sofridas naquela pequena aldeia. No dia que resolveram partir, os cientistas combinaram que não importaria o destino que suas vidas tomassem, iriam sempre ser amigos porque o tempo para eles era um velho conhecido...




terça-feira, 13 de março de 2012

FUGIDIA


É cada dia mais difícil escrever

A poesia escapa todas as manhãs

E foge desgarrada para os braços

De outro qualquer, inútil poeta.



Fico eu então, aqui pensando

Naquilo que poderia ter dito

Tudo em mim é arrosto e tendo

A arvorar, sem medo, sem medo.



Mas, ao outro poeta ela dá

Todo o verso, toda prosa assim

Despida e entregue ao tempo

Do escrever; e os dois compõem

Inversos ao luar...



Fico eu aqui com a rima engastada

Engasgo da prosaica sem um rumo

Olho para ela ali, demanhãzinha,

Caladas; emudecemos de medo

E eu já não mais escrevo.

sábado, 10 de março de 2012

A lenda da poetisa cega


Numa pequena aldeia, nasceu uma menina cega. Ninguém sabia da cegueira até que a criança completou seus três anos e passou a esbarrar em tudo. Para tristeza dos pais a pequena criatura recebeu todos os cuidados que alguém que não pode ver o mundo receberia.

Apesar do fato a garota, agora mais velha, havia aprendido a enxergar o mundo com as mãos. Tocava nas coisas todas e sempre passava no rosto para senti-las. Dos bichos ás plantas, as sensações do universo eram absorvidas assim pelo contato, tato, olfato e paladar, eram absorvidos pelos sentimentos do olhar escurecido por Deus.

Mais adolescente e esperta, a mocinha cega passou a percorrer a aldeia sozinha. Era ágil e caminhava ouvindo seu andar pelos campos. Sentia o Sol durante o dia e a banhava-se com o Luar. Nunca aprendera a escrever, mas declamava versos o dia todo que eram compostos na sua mente criativa e poética. Declamava-os ao vento, aos bichos, aos homens, às crianças, aos mendigos, aos ricos. Eram versos de encantamento e calmaria.

Naquela manhã, a moça decidiu que era hora de sentir as águas do rio que corriam pela aldeia. O rio verde e profundo engoliu a garota cega para seu fundo em redemoinhos contínuos, não houve como gritar, apenas entregou-se à morte. A família nunca mais soube da moça, muito menos do que tinha acontecido com ela.

Porém, passados alguns meses, um velho pescador jurou ter lido nas águas do rio da sua aldeia, versos e poemas refletidos nas superfícies do rio. Ninguém acreditou nele. Novas pessoas também juravam ter lido pequenos poemas e toda a aldeia percebeu o que havia ocorrido. Muitos vinham de lugares distantes para ler as poesias do rio da poetisa cega. E a menina cega pode descansar em paz.

sexta-feira, 2 de março de 2012

OLHO VIVO

Não sei se essa pequena crônica irá amenizar seu dia, mas se for, melhor. Pela tarde, depois de aguentar o calor insuportável e todo o desassossego que o caos dessa capital paulista nos causa, estava eu no trânsito esperando o caótico muro de carros prosseguirem. Minha irritação era muita, por vários motivos que nem valem a pena elencar.
O fato é que pequenas fotografias da vida cotidiana saltaram-me aos olhos, que por uma fração de segundo pode perceber as cenas que ali se desenrolavam, deixando-me tão mais leve que cheguei a sorrir sozinha.
Na faixa de pedestres uma mãe aguardava que seu minúsculo filho saltitasse as listras brancas paralelas. A cena não seria bela se aquela pequena criatura apenas pulasse; mas não, o garoto ria muito, jogava a cabecinha pra trás a cada listra conquistada, pois era um enorme desafio, alcançado e feliz.
Mal esse pequeno e risonho instante ia se concluindo, avistei uma graciosa garça, atravessando a gigantesca avenida, sim uma garça branca, era pesada e até meio desengonçada, rumando quiçá para o Jardim Botânico, ignorando a massa de veículos; livre, solta e alegre.
Percebi que já estava mais leve e concomitantemente nos segundos seguintes ouvi baixinho Chico Buarque cantando Valsa brasileira; aumentei o som ao máximo, e cantei, cantei, cantei até rasgar, com o molequinho saltitando e a garça voando brejeiramente.
Nem percebi que logo estava perto do destino, o trânsito, que trânsito que nada, nem calor nenhum; meu olho vivo, ainda bem alerta (Graças a Deus!) havia aberto as portas daquilo que temos perdido diariamente, o prazer do olhar, do ouvir e do olhar...

quinta-feira, 1 de março de 2012

JUVELÍNEAS


Saudade da época

Que o lirismo era

Solto e ora febril

Que os versos eram

Melódicos e saltitantes

Que a poesia era

Toda lambuzada de

Rimas pobres e frescas

Rimas que atendiam a

          Docilidade da infância e

A fragilidade da juventude.

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!