Capítulo 6
O
homem acordou com a mulher dizendo seu nome e gritando que tinha gente lá fora
e que os cachorros estavam latindo. O homem que não prestava para nada foi ver
o que era. Era o filho. A mulher veio assustada e sorridente abraçar o moço,
que passou pelo pai sem sequer olhar para seu rosto. Aprendeu com a mãe que o
pai era um vagabundo e também achava isso, pois o que uma mãe ensina vale para
a vida toda, mesmo que o ensinar seja torto.
Saiu
da sala, porém ficou na cozinha para ver se escutava a voz do filho que não via
há tempos. Os dois conversavam baixo, mesmo que de propósito, para não serem
ouvidos. Escutou algumas interjeições, “nossa”, “jura”, “ah”; ouviu também
incredulidades, “verdade”, “mentira”, “sério”, “não acredito”, que eram
pronunciadas pela mãe em um tom mais alto, talvez para causar-lhe curiosidade,
que o homem decerto ficou, mas não fez nada para saná-la.
Antônio
pensou que era bom de ir trabalhar. Sentia vontade de abraçar o moço, mas não
sentia vontade de não ser abraçado. Decidiu ir para o hotel e deixar que os
dois matassem a saudade. Enquanto caminhava pela estrada de terra, lembrou-se,
não se sabe ao certo do motivo, de uma frase de uma de suas avós, a do lado
materno, a frase dita quase como um sopro em seu ouvido “case-se com alguém que
você goste de conversar”.
O
cão bege veio ao seu encontro abanando o rabo longo para lá e para cá. Lambeu
de leve a mão do homem e ganhou um toque sutil na cabeça. Os dois vinham lado a
lado caminhando pela estradinha seca. No que o cão bege pensava não se sabia,
mas o homem matutava palavra de palavra, que o saudosismo do passado havia
plantado em sua mente. O cão preto estava parado em frente à cancela do hotel,
sentado nas patas traseiras e latiu para o cão bege, que assim como o homem,
nem deram sentido.
Não
costumava pensar em grandes coisas, porque a mesmice de sua vida o transformara
em um ser unilateral, tinha olhos apenas para o básico e o cotidiano, tinha
sentidos e sentimentos para o que era casual, não ficava contemplando o
pensamento, embora sem se aperceber passava o dia pensando nas coisas, nos
jardins e no óbvio. “Case-se com alguém que você goste de conversar”. Essa
frase faria o homem meditar por todo o dia sem saber ao certo o que ela
significava. No fundo, enquanto achava que não pensava, o homem Antônio ia se
modificando.