sábado, 3 de dezembro de 2016

URDIDURAS- Um conto inacabado

Capítulo 6
O homem acordou com a mulher dizendo seu nome e gritando que tinha gente lá fora e que os cachorros estavam latindo. O homem que não prestava para nada foi ver o que era. Era o filho. A mulher veio assustada e sorridente abraçar o moço, que passou pelo pai sem sequer olhar para seu rosto. Aprendeu com a mãe que o pai era um vagabundo e também achava isso, pois o que uma mãe ensina vale para a vida toda, mesmo que o ensinar seja torto.
Saiu da sala, porém ficou na cozinha para ver se escutava a voz do filho que não via há tempos. Os dois conversavam baixo, mesmo que de propósito, para não serem ouvidos. Escutou algumas interjeições, “nossa”, “jura”, “ah”; ouviu também incredulidades, “verdade”, “mentira”, “sério”, “não acredito”, que eram pronunciadas pela mãe em um tom mais alto, talvez para causar-lhe curiosidade, que o homem decerto ficou, mas não fez nada para saná-la.
Antônio pensou que era bom de ir trabalhar. Sentia vontade de abraçar o moço, mas não sentia vontade de não ser abraçado. Decidiu ir para o hotel e deixar que os dois matassem a saudade. Enquanto caminhava pela estrada de terra, lembrou-se, não se sabe ao certo do motivo, de uma frase de uma de suas avós, a do lado materno, a frase dita quase como um sopro em seu ouvido “case-se com alguém que você goste de conversar”.
O cão bege veio ao seu encontro abanando o rabo longo para lá e para cá. Lambeu de leve a mão do homem e ganhou um toque sutil na cabeça. Os dois vinham lado a lado caminhando pela estradinha seca. No que o cão bege pensava não se sabia, mas o homem matutava palavra de palavra, que o saudosismo do passado havia plantado em sua mente. O cão preto estava parado em frente à cancela do hotel, sentado nas patas traseiras e latiu para o cão bege, que assim como o homem, nem deram sentido.
Não costumava pensar em grandes coisas, porque a mesmice de sua vida o transformara em um ser unilateral, tinha olhos apenas para o básico e o cotidiano, tinha sentidos e sentimentos para o que era casual, não ficava contemplando o pensamento, embora sem se aperceber passava o dia pensando nas coisas, nos jardins e no óbvio. “Case-se com alguém que você goste de conversar”. Essa frase faria o homem meditar por todo o dia sem saber ao certo o que ela significava. No fundo, enquanto achava que não pensava, o homem Antônio ia se modificando.


REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!