Ouvi
recentemente em um programa de culinária a expressão “é preciso tirar as mágoas
das carnes”, aplicando-se para a situação em que se deixa de molho qualquer
carne, de vaca, de porco ou galinha, em uma imersão de água com muita cachaça,
para que só depois desse banho, a carne possa ser preparada e consumida.
A
frase, segundo o que ouvi, é de origem escrava e achei tão linda e tão bela que
não podia deixar de pensar sobre ela durante toda a semana. Divaguei tanto e
pensei que muitas das vezes precisamos retirar a mágoas de nós mesmos. Nessa linha
de pensamentos insanos e despreocupados com a razão, conclui que é por isso que
nós bebemos.
Nada
como um bom copo de destilados ou fermentados para tirar as mágoas de nossas
carnes e almas. Percebi também, num fluxo de ideias sem fim e caótico, que
nesses últimos tempos estava tomando minha dosesinha de vinho do Porto quase
que diariamente, isto é, encaminhando-se para um vício prazeroso cotidiano.
Sem concluir
nada de certo, por enquanto, refleti que pudesse eu, estar repleta de mágoas,
já que a necessidade dos goles havia tornado-se um hábito rotineiro; estava na
terceira garrafa em menos de dois meses. Matutei, busquei os meus rancores mais
profundos, escarafunchei meus desgostos recolhidos, achei um ou outro, talvez
tantas outras amarguras, porém nada de assustador.
Assim,
depois de uma hora de molho, em pensamentos, regados por um cálice do meu
vinho, percebi que lavo muito bem minhas carnes e almas de todas as mágoas,
estou razoavelmente pronta e devidamente preparada para a vida; vida essa que
não cansará de nos magoar, mas para isso eu já tenho a solução: beba com
moderação!