sexta-feira, 29 de julho de 2011

BLÁBLÁBLÁ


A língua, essa nossa língua, a tal portuguesa, ao mesmo tempo em que me fascina, confunde e assusta. Digo isso por conta do entendimento das palavras e construções, as conotações diante das denotações, o dito pelo não dito, o objetivo pelo subjetivo. A velha história do que foi falado e mal interpretado. Isso é cotidianamente revelado em todas as conversas e cada vez tem se tornado pior. “Não foi isso que eu quis dizer.”

Não faz nenhuma diferença se a pessoa que fala, sabe bem ou muito bem, usar nosso dialeto; a questão não é essa; mesmo nas linguagens mais simples, há sempre confusão, e sinto também um crescente abuso dos monólogos. Observo as conversas e vejo duas pessoas isoladamente, num diálogo inócuo, que não avança, palavras soltas, blábláblá, diz aí que eu digo daqui, e fim.

Para uma amante da boa prosa, o que estou querendo dizer, e deixar claro, claríssimo, é que nada substitui o bom “papo”, bem construído, a partir de um diálogo, que pressupõe o ouvir-falar-ouvir, emoldurado numa progressão, em que ambos, ou todos os falantes, costurem ideias, opiniões, gargalhadas, agregando informações, acrescentando alma á fala e compondo uma crônica verbal do instante.

Constatar isso em parte do meu universo é triste, porém, ainda sou salva por um grupo de amigos, variadíssimos, em que só entra na turma que não tem medo de dialogar, cuspir, falar das besteiras às profundezas, porque a questão não está na conversa em si, mas na troca que produz, na eterna cumplicidade de ouvir e dizer.


quarta-feira, 27 de julho de 2011

Descontexto ( Com o perdão do neologismo)


Olhe pra mim

Sei que escorrego

Na minha timidez

É que procuro ver

Se você está por perto.

Olho pro lado, vejo um jardim

Quando anoitece me escondo

Desapareço pra você

Reparar em mim

Sem sentido, minha vida

Tudo acontece assim

Descontexto é

A sua história pra mim.

(Letra para a canção feita por Gabriela)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

UM MINUTO EM LAGAMAR


Queria não ter que resolver nada hoje. Não ter que pensar em algo para dizer, não lavar louça, não dar telefonema, nem mesmo emitir um sinal. Queria poder ser livre. Estar livre. Sensação que não consigo mais ter, nem ao menos sentir. Livre de tudo, dos amigos, das plantas, da formiguinha, das pessoas, abandono total, de tudo e de todos. Gostaria de não amar, não desejar, não ter que ousar, disfarçar, me entregar. Queria não precisar, nem de um batom, nem de comer, ouvir, falar. Queria sonhar, isso, dormir e sonhar. Queria não ter que dar satisfação, responder, emitir um som qualquer. Queria o silêncio, o necessário silêncio, mudo, mudo. Não gostaria de ter que cumprir meus papéis sociais, sorrir sem vontade, responder recurso, usar salto alto. Preciso respirar. Queria não ter que andar e sair, comprar e pegar, acumular coisas inúteis. Queria ser desprendida, solta, desapegada da vida. Queria estar morta sem precisar morrer...

 Só um minutinho, não ser ninguém, não ter um nome, nem ser eu, sem sobrenome, nua e sem alma, deitar e respirar em lagamar.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

DESEJO

Se disser vem: eu vou.

Mas tem que ter garantia

que isso vai ser possível,

tirar mais que a casquinha.



Se der um sinal: eu topo.

Garanto que mais um copo

para imaginar o impossível,

naquele lugar escurinho.



Se você piscar: eu grito.

Mas tem que ter certeza

que seu olhar é um pedido,

para ganhar uma guarita.



Se me desejar: eu quero.

Sem dizer mais nem, mas

que o meu desejo é sincero,

e precisa de nos acalmar.






terça-feira, 19 de julho de 2011

AMIGA É PRA ESSAS COISAS (Para Márcia Salomon)

OLHO NO OLHO SEMPRE

A RECEITA É FÁCIL

A BASE É UMA SÓ

IOGURTE E ALHO PORÓ.



OLHO NO OLHO CLARO

A CONVERSA É CERTEIRA

À QUEIMA-ROUPA, CATITA

USA VERSOS PRA FALAR.



OLHO NO OLHO FECHADO

NOSSA MUSA É FAGUEIRA

TEM A ALMA ENCANTADA

NUM CORPO DE MULHER.



MINHA DOCE AMIGA

QUE ENCANTA ALUCINA

SOBERBA E FACEIRA

ENTREGO-ME A VOCÊ.

É O PECADO DA GULA

              DE TAMANHA FORMOSURA

QUE TODOS TÊM SEMPRE

             MUITA FOME DE TE AMAR.




segunda-feira, 18 de julho de 2011

ENDOSSADO

Eles eram escritores infelizes,

todos eles não tinham família e

restava apenas, 

a palavra torta

que saía.

sábado, 16 de julho de 2011

Crônica do agradecimento

Naquela manhã a senhora caminhava com seus netos rumo á padaria. Comprar os óbvios pães era o destino certo e fácil. No caminho, porém, a menina parou diante da guia, olhou para baixo e viu dois filhotinhos de cachorro, meio grudadinhos, ou melhor, abraçados nos seus abandonos, e úmidos, molhados e tremendo.

Puxou a avó para voltar, essa relutante, chiava, “vamos”, e, diante da teimosia da garota, ficaram ali olhando, junto com outras pessoas. Uma senhora do bar disse que alguém tinha largado os filhotes ali, “que coisa, né?”, o moço da lotérica sem fino trato garantiu que os cães não sobreviveriam. A menina começou a chorar, e pediu para avó que os levassem,  no que resultou num sonoro “nunca”.

Em meio a essa profusão de sentimentos e pessoas- cada uma com seu enfoque, uns mais sensibilizados, outros menos, e não há que se julgar o sentir, pois, ele cabe exatamente dentro de cada um, de acordo e conforme o que a vida plantou em nós- outra menina, em uma bicicleta, parou diante da cena. Tinha roupas modestas, algumas baixas dentárias, o que não lhe impedia o sorriso honesto, e uma caixinha de papelão.

Pegou um dos irmãos caninos e guardou na caixinha. “Não posso ficar com os dois”. As duas garotas trocaram olhares. Uma chorava, a outra sorria. As outras pessoas olhavam e aguardavam o desfecho de uma história aparentemente tão banal. A que sorria pegou então o outro irmão e disse que ficaria com os dois, depois se entenderia com a mãe. Arrumou delicadamente os dois juntinhos. A que chorava só teve tempo de agradecer, pois a bicicleta já partia, bem devagar, que era para não balançar demais os cachorrinhos...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

São José do Rio Preto, 20 de janeiro de 2009

 Ricardo,

Hoje resolvi escrever para você. Não sei muito bem o que dizer depois de tanto tempo sem nos vermos. O que sei é que senti uma vontade, como a de comer um doce, e pensei que talvez recebesse bem essa carta com notícias minhas.

Separei-me no ano passado, foi um tanto traumático, dividimos até as escovas de cabelos, um para cá, um para lá, três panos de prato para mim e três para ele; a sorte é que não tivemos que dividir os filhos, não consegui engravidar, ainda bem, não é mesmo?

Soube pela Laura, que você está bem, produzindo, se revelou, não é verdade? Gostei de saber das novidades, do seu novo trabalho, da exposição de fotos em Sampa, infelizmente não pude ir e espero seu perdão, estava em meio ao caos da separação.

Enfim, ia postar no seu e-mail, mas senti outra vontade daquelas, de preservar a espera, a demora que só a carta traz; a angústia da incerteza da sua resposta e assim será muito mais fácil e compreensível caso sua carta não chegue. Poderei pensar no extravio dos correios, na morosidade dos serviços...

Eu estou sozinha e caso você queira aparecer, conversar, sair, quero dizer que adoraria, muito, mesmo. Aproveito para falar também que sinto saudades, do amigo, que deveria ter sido muito mais que meu amigo, e que talvez a escolha, minha, tenha sido errada.



Um beijo

Maria Cristina

quarta-feira, 13 de julho de 2011

BOSQUEJOS

A ideia que se tem da vida nunca é real, ela vem vestida dos imprevistos.

A haplologia aniquilou o bondadoso em bondoso e não consegue assassinar o pleonasmo vicioso.

O descuido é a falta de cuidado e a desculpa é evasiva.

O script de uma grande amizade está sempre inacabado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

PEQUENAS CONSIDERAÇÕES PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR

Abre alas que a porta-estandarte da alma

girou a bandeira do pensamento

e sambou.
                                      *

Recesso de carnaval

para rasgar a fantasia.
                                      *

Esperei a resposta-repente

carnavalesca e nada.
                                       *


O samba-enredo desfilou

 com a bateria na ponta da língua.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

19,20,21... (Somente para o Enrique)

       Como não poderia falar hoje do amor, hoje, ontem, amanhã, depois e depois de amanhãs. O amor assim sem qualquer motivo especial que o justifique, a não ser por sê-lo, infinitamente, inexplicável como o vento, a pedra, o Sol e qualquer coisa mais bonita que há.

        Como não dizer desse amor, tão nosso, tão ajeitado nos conformes, tão encontrado nas afinidades, regado de vontades e desejos diários, a nota certa, a medida exata, a prosa verdadeira, em um encaixe tão hermético destinado à eternidade.

Não cabe outro amor em mim, a não ser esse seu!


sábado, 9 de julho de 2011

HEURÍSTICA

A palavra, qual é

uma descoberta e vem

nua, vazia, sem calça.

Se junta, recria, inventa

        reza, na pressa, em

forma, precisa, balança

na cabeça erudita e

solta, reinventa, nos miolos

cria um problema

e desaparece muda

na hora certa.



A cria, modela, ginga, estúpida, acha, decide e grita:

Heureca!!!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

PEDRA CRISTALINA ( PARA MEU AVÔ UMBERTO)

Sentado com um copo de pinga em uma baiúca próxima do seu barraco, o homem não pensava em nada. Depois do terceiro copinho teve uma vontade imensa de chorar, pois no rádio, a modinha de viola trouxe o cheiro da roça, das laranjas, das partes das meninas que passavam correndo.

No quarto copinho começou a rir, nada exagerado, ria e parava, ria e parava, lembrou-se da canção de um velho amigo, “a bosta endureceu, passou um carro e furou o pneu”, ria e parava, cantava, pedaço faltava, lembrava, recomeçava, ria, continuava, “o carro da prefeitura verificou que a bosta estava dura”, ria, bebia, resmungava.

No quinto, deitou-se com o cão, abraçados, um lambeu a cara toda do outro, e o homem, agradecia, “meu amigo, amigão”, acarinhava, rolava, gesticulava, “meu garoto”, falava, pensava, sorria, babava.

No último, decidiu falar, xingar, estorvar, escrachar, ofender, cagar, “filha da puta”, “seus desgraçados”... Foi daí que sentiu o sopro de vento no cangote, xéxéu no ar dos infernos, pensou que ia apanhar, e não tinha ninguém, só o bafo continuava no ouvido baixinho a declamar: Minha pedra cristalina, que no mar fostes achada, entre o cálice e a hóstia consagrada... Meus inimigos tem vontade de me atirarem, porém não atiram, se atirarem água cairá pelo cano da espingarda.... Salvo fui, salvo sou, salvo serei, com a chave do sacrário eu me fecharei!

O homem calado saiu do bar e entrou no barraco. Anotou palavra por palavra do que haviam cantado e dormiu em paz.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

TEXTO-PREGUIÇA, MAS NECESSÁRIO

              Todo escritor, poeta, compositor, tem, teve ou terá frases, sintagmas, trechos, pedaços, fragmentos que gostaria imensamente de ter escrito e não o fez, porque outro já o fizera e também porque não conseguiria fazê-lo. E dessa forma apropria-se “meliantemente” disso que passa a fazer parte inconteste de seu universo poético. Segue abaixo minha breve coletânea, para deleite nosso:

“Beber a vida num trago;

Êta vida besta, meu Deus;

Chegando assim mil dias antes de te conhecer;

Quando ibirapuéramos felizes;

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades;

Musicando palavras, poetizando sons;

Queriam-me casado, fútil, cotidiano e tributável;

 O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia;

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias Póstumas;

Quando se puserem na balança as minhas boas e más ações, será o peso daquela maçaroca que me precipitará no inferno...;

A imaginação é a memória que enlouqueceu;

terça-feira, 5 de julho de 2011

ENCONTRO DAS ALMAS


– Você não entende nada.

– Eu? Não mesmo, para algo que não tem explicação.

– Como não? Citei várias razões, você é que não percebe nada, não enxerga o óbvio.

– Como é que é?

– É isso mesmo, argumentação é piada para você.

– Meu Deus! Não acredito.

– Agora diz que não acredita. Qual é?

– Qual é o quê?

– Vamos diga, qual é o problema?

– Seus impropérios, ora bolas!

– Ah... Você quis dizer imprecisão vocabular.

– Certamente chamamos isso de imprecisão. Eu mereço!

– Olha está bem, então, me desculpe. Melhor?

– Não é essa questão.

– Já disse: desculpe-me. Perdão.

– Também não exagera. Acho que também exagerei. Quero também me desculpar.

– Está bem, eu entendo.

– Entendo agora o que quis dizer.

– Então vem cá...

– Só se você me beijar!

–...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

POEMA DAS RIMAS POBRES, MAS DAS ALMAS LAVADAS (Para Fábio Roberto)


Todo sarau é especial!

Não importa o acontecido,

é fenomenal.

Qualquer explosão,

é magistral.

Se há uma composição,

é sensacional.

Se tem uma gargalhada,

é descomunal.

Se rola uma bebida,

é original.

Se cantam uma canção,

é celestial.

Se declamam uma poesia

é labial.

Se surge uma boa história,

é vicinal.

Inexplicável, inesgotável, inescusável,

inestimável ,inexaurível,  inexcedível,

gozo angelical.

domingo, 3 de julho de 2011

CRÔNICA DO ENTENDIMENTO


Nas minhas tantas tentativas de acabar com o sedentarismo, passei a caminhar pelas ruas do bairro onde moro. A caminhada serviria para espairecer, desanuviar, não pensar em nada, além de eliminar meus quilos teimosos. As casas passavam por mim e em apenas dois dias havia a predileta, a que jamais moraria, as reformadas, as descascadas. Já sabia dizer quais os cachorros que latiam exageradamente quando eu passava e os que nem ligavam permanecendo ali deitados para o mundo.

Nessas idas e vindas diárias passei a reparar também em um senhor negro, vestido com um terno cinza escuro, as calças seguradas por um cordão, sapatos sujos, que varria a calçada com uma vassoura estranhamente improvisada de grandes folhas, amarradas pelo mesmo cordão das suas calças. Na ida, juntava as folhas e flores num montinho, na volta, estava agachado na guia fumando seu cigarro. Olhei bem para seu rosto escravo, diminui o passo, ganhei uma boa tarde que grosseiramente não respondi.

As casas e os cachorros já não mais faziam parte do meu cenário, caminhava pensando naquele senhor que todos os dias varria as calçadas, juntando folhas, que era, ou não, o possível a ser juntado. Passava por ele e sempre eram movimentos tranquilos, os montes formados quase que desenhados naquelas calçadas. O cheiro de um cigarro de palha, o terno, o rosto escravo, as folhas...

Num outro dia urinava escondidinho perto de um terreno baldio. Naquela semana passei por ele com o propósito de dizer bom dia e pude ver sua velhice, sua boca sem dentes, sua entrega á inalienabilidade, sim porque seu olhar estava parado no tempo, no seu tempo, era um olhar que nunca mais esquecerei, pois dimensionava o eterno e o intermúndio.

         No dia seguinte não mais caminhei.

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!