sábado, 29 de março de 2014

SEM ESTILO


A cada dia que transita meu escrever diário fico com mais raiva da linguagem; não sei por que tive que estudá-la antes de descobrir a poesia e a literatura. Demorei a perceber que se não soubesse parte da sintaxe, ou da morfologia seria bem mais feliz. Não tenho estilo literário, não quero ter um estilo literário, nem sei se o que escrevo tem algo de literatura. E o meu conflito parte justamente pelo fato de que como professora de Língua Portuguesa eu analiso o que a escritora escreve, e essa simbiose doentia enlouquece.

Em uma das leituras dessa semana, por mero acaso, ou talvez porque nossos olhos busquem sempre solução para aquietar a alma em angústia, li trecho de Jorge Luis Borges que me fez não digo pensar, mas repensar algumas coisas. O capítulo intitulado: La supersticiosa ética del lector, dizia em seu início “ La condición indigente de nuestras letras, su incapacidade de atraer, han producido uma superstición del estilo, uma distraída lectura de atenciones parciales. Los que adolecen de esa superstición entienden por estilo no la eficácia o la ineficácia de uma página, sino las habilidades aparentes del escritor: sus comparaciones, su acústica, los episódios de su puntuación y de su sintaxis.”

            Fiquei a pensar na minha exigência em relação ao que escrevo, sou leitora de mim, e dessa forma busco o tempo todo o cuidado excessivo nas regras, na pontuação e na linguagem que uso. Tenho imenso cuidado para não produzir neologismos exagerados e mais ainda, pavor da licença poética, como justificativa para a bobagem, para o sei que lá poético. Diante disso há espaço para a escritora em mim? Não sei. Bem sei que há penúria e sofrimento, as escrituras saem sempre tortas e fracas. Ainda citando Borges: “Son indiferentes a la propia convicción o propia emoción, buscan tecniquerias que les informarán si lo escrito tiene el derecho o no de agradarles.

            Nessa singular relação entre os meus dois “eus” fica a tentativa do entendimento daquilo que escrevo livremente, quando consigo soltar as amarras e não faço alterações de estilo ou de ordem fonética, e as palavras saem saltitantes como música, porque têm nelas a necessidade de plantar-se nas linhas e existirem por si mesmas, sem o jugo da carroça atrelada e presa.

            Bom foi ter lido isso, e talvez todas essas reflexões amenizem a minha questão e faça com que eu consiga escrever o que for para eu escrever, o que minhas histórias quiserem contar e o que as minhas poesias quiserem sentir. Não poderia terminar sem citar Borges novamente, já que metade desse texto é com sua parceria; para se pensar sobre tudo: “...la literatura es uma arte que sabe profetizar aquel tiempo en que habrá enmudecido, y encarnizarse com la propia virtude y enamorarse de la propia disolución y cortejar su fin.”

sexta-feira, 28 de março de 2014

INDISCIPLINA

Não querer fazer, não arrumar, nem pensar em ajeitar
faço da minha rotina uma
indisciplina diária
e sou mais feliz
por isso!

domingo, 23 de março de 2014

TEMPORÃO

eu antigamente era
bem mais velha
tinha tantos mais
cabelos amarelados pelo tempo
e tantas ideias turvas
e meus olhos cataratas
tenho tamanha urgência no viver que dói
a tal artrose da vida
tenho


tinha não antes
por isso era tão velha
quando jovem
era tão secular e frágil e quebradiça nos atos
entendo tanto o eu de ontem
que pena,
tivesse eu entendido dantes
não teria tanto peso
na alma

terça-feira, 18 de março de 2014

MENTIRA DE DEUS (Por empréstimo o título: de Suassuna)



Desde criança
quem sabia que era apologia
para a poesia, fantasia de mim?

Ganhava relho e grito
nas glosas que intentava e
nas histórias que inventava.

Só Deus ouvia a prosa
e dava baita risada
demorei para ouvir o riso!

sexta-feira, 14 de março de 2014

SOLITAS SERÁ?

Li artigo recente dizendo que a palavra saudade, existente apenas em Língua Portuguesa, é a sétima mais difícil do mundo de ser traduzida. Ora, pensando nisso, observei o porquê de tantos poetas, escritores, músicos, afins e loucos adorarem tanto seu uso. Eu adoro. E tentei pensar no que o vocábulo para mim significava, em contextos denotativos e claro, conotativos. Segundo Aulete (meu dicionário preferido) é um sentimento provocado pela lembrança de algo bom vivido ou ainda, pela ausência de pessoas ou coisas.
Veja então que imenso paradoxo: lembrança boa versus ausência ruim. Eu sabia que algo me incomodava tanto, quando pensava em sentir saudades e não sabia que era a tal da linguagem, o tal do significado das coisas. Esse sentimento sem nexo na minha cabeça, agora se aquieta em pequeno entendimento, eu acho! Pura nostalgia é feliz; outrora vazio, um buracão enorme no peito sem explicação a ser preenchido pela memória, por uma fotografia, pela pessoa que chega, era triste, de repente fica alegre. Ai.
É isso? Sei não. Confusa.
Porque se as definições e traduções não dão conta de suprir a palavra, quem sou eu para tentar abalizá-la. Eu sinto e pronto; aliás, sou cheia de saudades, de cheiros, de lugares, de pessoas, de tudo. O licor de figos da minha avó sei que jamais beberei o dela novamente, e fico tristonha à beça, e vem a “saudadela”, e a reminiscência e toda a carga sentimental do mundo.
Ai, ai, ai.
Uma coisa é unânime, talvez para mim e para você que está lendo agora. Sentimos, não é mesmo? E a palavra em si é uma belezura, SAUDADES, seus derivados também, saudoso, saudosismos. Os escritores, poetas e apaixonados agradecem, ainda bem que nasceu por aqui, em solos brasileiros, seria maçada tê-la em traduções, apenas.


domingo, 9 de março de 2014

DIEDRO

entendo pouco
da vida
quase nada
das gentes todas
essa dialética
da despedida me entristece
tanto
tanto
cansei de quase todas as metáforas
foras
desforras
arrumo quase sempre os quadros tortos nas paredes
e sempre vejo ironia nisso
preciso desarranjar
é meu sorriso
ele sim
anda medonho


quinta-feira, 6 de março de 2014

PELADA de REPENTE

que faço eu com essa pendenga
arrasando meu pensamento
gosto tantão de futebol
chegando a passar bem-mal,
dependendo da ocasião,
sempre com sofreguidão
sonhava com a copa
bem aqui na minha mão
guardei dinheiro no banco
para devida ocasião
mas...
de nada serve a paixão
no país da corrupção, meu vintém
compra ingresso não
nem apazigua meu coração
só me resta protestar
bem alto e com razão
essa copa não é minha,
tão pouco de nossa nação
e lá no fundo, de repente
bem baixinho, torço calada
diante de um telão!

quarta-feira, 5 de março de 2014

SORRISO CAPIXABA


Senhor Domingos ia de um canto para outro da barraca, com o facão em punho, pronto para abrir vários cocos. De imediato o rosto era sisudo, mas quando dissemos que a banana da terra frita estava espetacular, seu sorriso capixaba abriu-se em flor e daí por diante ficamos velhos conhecidos. Isso tudo, o homem, sua família, a sua barraca de sobreviver, montada ali, diante da praia linda, me fizeram pensar no Brasil, na sua gente, na boa gente que ainda resta, que devolve um sorriso diante de um elogio banal, do esforço que se faz para ainda ter prazer em viver.

Se eu fiquei melancólica? Muito. Demais.

Fizemos tudo de mais simples, construímos castelos de areia, caminhamos, tomamos picolés por um real, queijo de coalho assado por outros trabalhadores que iam de lá para cá na areia quente, água- de- coco, pegamos ondas, ralamos os joelhos e engolimos água salgada, muito Sol, quase insolação;  íamos na barraca do Senhor Domingos e aproveitamos tudo que era possível fazer de bom e de simples. E foi tão maravilhoso.

Se eu fiquei pensativa? Muito. Bastante.

 Agradecida? Por demais.

Eu estava por ali, de férias, pequenas férias, um privilégio, para poucos, hotel de primeira, com vista escandalosa de uma praia brasileira; dinheiro bem juntado e muito bem gasto, claro, mas o bom mesmo foi comer mandioca, banana da terra e ganhar o sorriso generoso do Senhor Domingos.

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!