segunda-feira, 31 de outubro de 2011

NEGATIVO

O PROBLEMA DA IMAGEM
É QUE NÃO ME RECONHEÇO NELA
AQUELE INSTANTE FEIO NÃO É O MEU, OU SERÁ?
INSTANTE QUE NÃO RECONHEÇO, NEM QUERO
NÃO OUSO ME VER NUM RETRATO MORTO
CUJO TEMPO EMPLACA MINHAS FALHAS
MINHAS RUGAS, DESGASTES E IMPERFEIÇÕES
PREFIRO O OLHAR BONDOSO DOS SUJEITOS
QUE SIMPLESMENTE GOSTAM DO VENTO
QUE VEEM DENTRO, ALI DENTRO DO...
NEGATIVO DO MEU SER!

domingo, 30 de outubro de 2011

PARA TODA TURMA MAXI BRABA

POEMA DEDICADO AOS MEUS MENINOS E MENINAS, GUARDIÃES DA CRIATIVIDADE, DA POESIA, DA DOÇURA E DO ENCANTAMENTO... QUE ME TORNAM CADA DIA UMA PESSOA MELHOR E MAIS FELIZ, OBRIGADA POR FAZEREM PARTE DE MINHA VIDA!




        
                                                          
                  
ENTARDECER


          < O
                              coli   bri
                         coli       gar
                                                        C  O  M
                                  cóli ca
                                     coli      na
                                colí            rio





C         N                   B                   C        L        C 
   E         A                   U                   Ó        I         A

sábado, 29 de outubro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Recôncavo


           Hoje pela manhã senti o cheiro da Bahia, de tudo e de todos. O cheiro das baianas fritando o acarajé no dendê, o odor dos negros suados em seus corpos esculpidos pela areia e pelo vento de lá, lindos e desejosos do meu tocar; as fitinhas coloridas abanando os meus pedidos. Nunca fui para a Bahia, mas seu perfume me embriagou; a água de cheiro das escadarias lavadas e a brisa vinda do Atlântico, regada pelo olor dos coqueiros que dançam o Olodum me permitiram uma viagem inebriante até onde jamais estive. Não em presença física, mas em alma, espírito de minhas raízes, certamente eu estive por lá, nos genes de meus negros antepassados, pois sinto a cor preta em minhas veias brancas pálidas e fracas. E o meu cabelo arrepia, arrepia! Sinto o gosto do fumo e do cacau, pisei nas terras encardidas de Jequié, Juazeiro e Camaçari, meu pé descalço vislumbra o pó das estradinhas que beiram o São Francisco, sou toda filha de Iansã e fui para as Festas de Santa Bárbara. O cheiro é forte, sinto o gosto das coisas, vejo as gentes, ouço os ventos e toco tudo que há... Na Bahia de Nosso Senhor...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ÁLGIDO


O olhar era distante...

O corpo inerte não mexia

Era apenas um sapo mudo

No dia gelado, sobre a folha

Na pele, a camada de água

Orvalhada em gotas gélidas.

Nem coaxa o coitado, respira

E aguarda o sol do meio-dia.

domingo, 23 de outubro de 2011

Bobó de ilusão


        A receita para se ter uma vida feliz é não ter nenhuma ilusão. De nenhum tipo ou espécie; elas só servem mesmo para angariar fundos de mágoas, tristezas e melancolias. Há também àquelas que destroem as expectativas e são normalmente as piores.

Requer uma pitada de destreza não alimentá-las na sua vida cotidiana, já que a tendência é ser atraído pelo cheiro de certeza que as ilusões proporcionam em nós. Nem as de óptica são confiáveis, você enxerga, tenta pegar e não consegue. O melhor a fazer é burlar as ilusões com os sonhos.

Sonhar vale.  É o tempero da vida. Não é uma impressão ou sensação que não correspondem à realidade; não é um engano. Sonhar é ter o prazer das ideias impossíveis, a simulação dos desejos reprimidos e como é bom quando acontecem todos eles; enquanto a soneca sossega o corpo, a mente age e nos prepara para acordar repletos de coragem para o novo dia.

Mas...

Não se iluda com tudo isso!

sábado, 22 de outubro de 2011

Diacrítico


A “bóia” era e ficou boiando

Na bôia que nem gelêia...

Será que ficou na claraboia?

Não, também saiu, nem sequer

Despediu-se e lá permaneceu

Olhando para o céu que ficou

Com o véu; ditongados de raiva

Uns com dores agudas, outros

Sem a ortoépia ou ortoepia

Tanto faz tamanha prosódia

O dia... é crítico!


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ibope

                    Por falta de Ibope, o mini-romance O Amor não tem rosto não será finalizado por esta escritora. Segue o capítulo derradeiro para "des-apreciação" dos leitores mais fiéis. Para àqueles que quiserem saber qual seria o rumo da história favor enviar e-mail para valsabrasileira@gmail.com...


O garoto estava escondido atrás de umas madeiras. O policial na sua rotina, como sempre fazia, levava os meninos para o abrigo mais próximo ou para o Conselho Tutelar. O moleque magrinho se enfiou dentro de uma das caixas de papelão e ficou imóvel. Capitão Mendonça comandava a busca dos meninos que tinham fugido do Orfanato Luz e Cruz, ouviu um barulhinho e retirou a caixa.

Sai daí garoto. Ah! É você, fugiu de novo do Orfanato?

Quero arranjar uma mãe, que me tire de lá.

– Não pode ficar fugindo, vamos vou te levar.

– Por favor, achei uma candidata, ela vai me adotar...

– Tá bom; enquanto isso espera lá no Orfanato.

– Mas ela não sabe que eu vou para lá.

– Eu aviso.

– Jura.

– Juro.

O menino foi levado junto com os outros, alguns para casas de abrigo, outros para suas casas mesmo, e três para o Orfanato. Lá apanharam de outros colegas porque não avisaram da fuga anterior. Carente ficou lá todo dolorido e pensando na sua burrice; como o policial ia avisar sua candidata à mãe para vir buscá-lo, nem sabia quem era. Dormiu de raiva.

Sonhou. 

Os olhos suaves de Clarisse, suas mãos faziam cafuné enquanto ela contava uma história engraçada, era de cavaleiros e serpentes, porém, seu jeitinho era de fazer rir; no chão havia muitos brinquedos, carrinhos e um grande videogame.  As roupas eram suas, a cama era fofa e tinha uma colcha do “Bem-10” iguais as que ele vê nas lojas. Na porta do quarto a plaquinha tinha um nome, de garoto, porque era pintado de azul, ele não enxergava, não lia se esforçava para ver e nada, quando chegou bem perto da placa...

Acordou.

Decidiu planejar a próxima fuga, só que dessa vez em silêncio, em profundo silêncio.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O AMOR NÃO TEM ROSTO (Cap.4)


Olha garoto, eu não posso ser sua mãe.

Que pena, vou ter que achar uma, né.

– Quantos anos você tem?

– Nove.

– Parece menos, é tão magrinho.

– Deve ser a cola, agora parei, quero ir para escola.

– Você fugiu da sua casa?

– Não sei. Valeu pelo lanche.

– Ei! Espera...



            O menino já tinha corrido rua afora e Clarisse acompanhou da entrada que ele corria rápido, em curvas e deu três saltinhos. Parecia mais feliz alimentado, e a moça sentiu uma sensação muito estranha, alimentar alguém com fome... Depois ao contar em casa foi seriamente repreendida pela sua mãe, que mencionou o golpe perfeito na “trouxa”. A avó achou certa a atitude e aprovou, mesmo que tenha sido pura armação do guri com fome.

            Demorou muito para dormir naquela noite. O rosto do menino aparecia em sua memória como se já fosse conhecido; a sensação era confusa, nunca havia sentido algo assim, mesmo que tivesse sido levianamente enganada, o motivo era bom e real, a fome é sempre real, pagaria quanto lanches pudesse pagar.

            Sonhou que estava de mão dadas com o garoto e levavam uma cesta enorme, sentaram-se num gramado verde e grosso, arrumavam uma mesa no chão repleta de coisas boas. Queijos, frutas, um bolo cheio de confetes, eles comiam e riam, depois o garoto saia correndo e ziguezague, saltitante e feliz. Enquanto ela recolhia a cesta de vime um homem feio aproximava-se dela e chutava com violência as coisas, ela gritava com ele, o homem batia em sua cara com força... Acordou suada e foi tomar um pouco de água na cozinha. Encontrou a avó comendo escondida deliciosas bolachas doces recheadas:           

– Vovó!!! Não acredito.

– Ai quase me mata! “Shiii” fique quieta.

– Você não pode, tem diabetes, sabe que não pode...

– Não quero nem saber, estou muito velha para não fazer o que tenho vontade... Jura que não conta para sua mãe?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O AMOR NÃO TEM ROSTO (Cap.3) Leia Cap.1 e 2


             O trabalho na lanchonete era árduo e braçal. Clarisse servia as mesas, limpava e lavava louças, só não fazia os lanches porque seria demais abusar da sorte. O patrão era um homem bom e justo, mas estava um pouco cansado de alguns prejuízos causados pelas distrações da moça, tinha avisado que agora descontaria de seu salário cada coisa quebrada; ela concordou; era justo.

            Naquela manhã, com quase nenhum cliente, Clarisse assustou-se com um garoto de pouco mais de sete anos, sujo e magrinho demais parado atrás dela. Cena mais que comum nas cidades grandes, se não fosse à pergunta do garoto:

Quer ser minha mãe?

Como?

– Preciso de uma mãe para cuidar de mim, quer ser?

– Não posso. Você já deve ter uma, não é?

– Não.

– Tem sim, com quem você mora?

– Na rua. Não tenho ninguém.

– Por que quer que seja eu?

– Sei lá.

– Tem fome?

– Tenho.

– Sente aqui, eu já venho.

Clarisse pediu um sanduíche e um copo de leite com chocolate. Tirou o dinheiro da bolsa e pagou o lanche. O garotinho comeu tão rápido que ela segurou sua mão duas ou três vezes dizendo “calma”. Depois de comer, o menino perguntou o seu nome.

– E o seu?

– Os garotos me chamam de Carente, porque quero sair da rua... Não quero mais dormir lá. Tenho que ficar acordado para não me pegarem de novo.

– Mas e o seu nome mesmo?

– Sei lá.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O AMOR NÃO TEM ROSTO (Cap.2)


                Chegou atrasada na aula de Sociologia, entrou, silenciosamente, seria se não tivesse prendido o bolso do casaco na maçaneta, que lhe custaram um rasgo, quase uma queda, livros no chão e muita gargalhada aos coros. Nenhuma ajuda; ajeitou-se. Envergonhada sim, humilhada não, pois o costume às ofensas, ironias eram para ela já velhos conhecidos. A professora aproveitara o gancho para construir noções de cidadania e caráter, mas a maldade é inerente aos homens, e é um exercício diário combatê-la.

Por que Clarisse com dois esses?

Sei lá.

– Quando eu respondo isso você reclama.

– Foi seu pai que registrou assim; eu queria Joana.

– A vida da menina não anda por conta disso. Eu avisei que aquele sacripantas só fazia besteira.

– Viu? Agora sua avó vai me torturar.

– Hoje quase caí na Faculdade. Derrubei café na lanchonete, e cheguei atrasada. Acho que o problema são os “esses”! Será que como Joana eu daria mais certo?

– Ai, Clarisse, chega! Vai lavar a louça e me deixa em paz.

– Viu vovó, ninguém me ouve nessa casa só a senhora.

            Clarisse abraçou e beijou a avó ternamente, a velha ainda praguejava sobre o falecido, desejando pouco mais que o inferno para ele. Clarisse ria porque não tinha nenhuma afetividade sentida por aquele pai que a gerou, nem o conheceu afinal, e todos os comentários eram ruins, devia ser ruim mesmo; muitas vezes chegava a pensar que havia herdado toda essa carga genética negativa, outras vezes...

            O leitor deve estar se perguntando por que afinal das contas, alguém escreveria sobre ser tão chinfrim e insignificante. Essa personagem não possui nenhuma complexidade e de protagonista ou heroína nada tem. Talvez o que segure essa narrativa capenga seja o conflito. Sim, a problemática que salva tantas histórias, a expectativa atrás da expectativa e talvez um desfecho satisfatório. Se me permitir contar-lhe essa pequena historieta, caro ouvinte prometo algo no limite razoável, como essa nossa moça, a tal da Clarisse.

            Chega de enrolação, comecemos com esse pequeno romance...

           

domingo, 16 de outubro de 2011

O AMOR NÃO TEM ROSTO (Cap.1)


            Clarisse descia as escadas rolantes desajeitadamente, tentou em vão, entrar em um dos vagões cuja porta se fechara a sua frente, como acontecia na maioria das vezes. Esperou por mais um tempo o outro metrô e pensava no atraso que aqueles três minutos causariam. A moça era assim, azarada, desastrada e tímida. Cabe esclarecer ao leitor de imediato quem era essa pessoa, fazer detalhadamente um retrato falado de suas características físicas e psicológicas.

            Com vinte dois anos, Clarisse, morena, pouco mais de um metro e sessenta, olhos castanhos pálidos e profundamente tristonhos, sobrancelhas falhadas, boca miúda e sem forma definida, nariz estranhamente inacabado, corpo de flauta, nem de violão ou violoncelo, flauta doce, mas nem por isso tinha a doçura estampada em si mesma. Carregava o peso do feio e do sem-graça. Mantinha certa vocação em esconder-se de tudo e de todos. Há que me desculpar o leitor, se aqui traço um perfil cruel da nossa protagonista, tenho razões para retratar a verdade, por mais insatisfatória que ela possa parecer aos nossos ouvidos.

            Cursando a noite a faculdade de Comunicação Social, pretendia salvar os mais desajustados de qualquer mal; trabalhava em uma lanchonete durante o dia servindo mesas e dividia a casa com a avó e a mãe. Exageradamente tímida, era constantemente questionada sobre a escolha paradoxal do curso de Comunicação.

Comunicação? Mas por quê?

Sei lá.

– Isso é resposta, Clarisse.

– Ah, mãe, é.

– Você não abre essa boca.

– E daí?

– Como é que vai se comunicar com os outros?

– Deixa a menina em paz!

– Obrigada, vovó. Mãe vai dar certo.

          Cabe aqui dizer que era otimista. Na sua comum aparência, na vida monótona e diária, na feiura, na mesmice do seu ser, Clarisse de fato via um fiapo de certeza, uma nesga de esperança, uma fatia do acaso. Ninguém apostaria nisso, nem mesmo eu, nem você leitor. Porém, há que se acreditar, há que se acreditar...

sábado, 15 de outubro de 2011

Dia de quem?

    Para que esse dia???
Chuvoso e triste,
  tal qual a realidade
do professor...
Torta
Sobram os alunos,
   hoje é dia do aluno,
  hoje é dia da Educação,
dia da Revolução!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

SORRELFA


Sorria demasiadamente, tinha elogiado duas ou três vezes meu sorriso, minha pessoa e tudo mais meu. Acreditando dei corda para esse falatório todo e cada vez mais entregava ao destino, minhas fraquezas todas. Sumia e voltava cada dia mais cheirosamente encantador.

 Eu carregava toda a ingenuidade do mundo; ia aos solavancos depositando tudo que havia dentro e fora de mim. Aos poucos me despia daquilo que eu era, e destinava agora a essência de mim mesma, para aquele sorridente ser.

As trocas eram parcas e sutis, pouco percebia que a doação era uníssona, unilateral e sorria tal qual a garotinha para o sorvete derretido. Á socapa, metia os pés pelas mãos, e amanheci sozinha, completamente sozinha.

Gente havia para todo lado, mas a solidão é egoísta, não enxerga pessoa ao lado, é sorrateiramente inimiga e faz companhia para as almas desoladas. Quando percebi, ri e ironicamente eu sorria...

terça-feira, 11 de outubro de 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

DEBÊNTURE


HOJE ACORDEI SEM VONTADE ALGUMA DE ESCREVER. ACONTECE, COM TODOS EU ACREDITO. EM RESPEITO AOS LEITORES DESSE HUMILDE BLOG, SÓ CONSEGUI COMPOR UMA QUADRINHA SEM GRAÇA, EI-LA:



SE O TAL VERSO NÃO QUIS SALTAR

PEÇO AO LEITOR ME DESCULPAR

GUARDO A PENA SOBRE PROTESTO

PARA UM DIA CONSEGUIR USAR!

domingo, 9 de outubro de 2011

UM APÓLOGO MADRIGAL


A Madrugada convidou-me hoje para ser sua companheira, aceitei mediante a obrigação de refletir sobre os pequenos prazeres da vida. Passei então a pensar sobre tudo àquilo que me era prazeroso e me deixava feliz. Conforme íamos nos consumindo, perante a Lua que acendida nos olhava, quieta e muda, eu enumerava meus amores, os bons e fiéis amigos, lembrei de cada um deles, os livros e poetas, as músicas e seus intérpretes, as delicadezas dos desconhecidos, as crianças nas suas entregas e desejos de aprenderem comigo e mais de uma centena de pequenas coisinhas, variadas e doces que me transformavam num ser feliz, sinceramente feliz.

Lá pelas tantas, quando o silêncio que minha companheira ainda me proporcionava, achei que esse pensamento era torto e vulgar, carregava consigo parte dos chavões sociais; que tudo era pura armação minha, aquelas tentativas que vez em quando fazemos de reanimar o espírito e a alma; mentirinhas inofensivas de estancar as angústias e tristezas, abafar os problemas, as carências e frustrações. A Lua caminhou mais um tanto para o horizonte, ainda permanecia calada, não sorria, nem balbuciava palpite sobre tudo aquilo que meu pensamento refletia nela.

A Madrugada me avisou que tinha que ir embora, e que era necessário que eu resolvesse logo meus raciocínios. O cheiro do rocio já anunciava a alvorada, clara e objetiva, imperatriz de um novo dia, cotidianamente igual aos outros tantos que já vivi, mas em mim algo era tenazmente diferente, caminharia agora em passos mais lentos e largos, capazes de absorverem o que era belo, bom e necessário; tinha agora a obrigação de enxergar apenas a Lua, inteirinha e todas as Madrugadas que inda estavam por vir, sorrindo, sempre sorrindo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

TERCEIRO ATO (Para o Enrique)


As campainhas tocaram para o amor...

O espetáculo já dura quase duas décadas e temos nossas falas bem decoradas, mas claro, sujeitas aos improvisos. O que importa é que estamos caminhando para o terceiro ato da nossa peça, juntos, de almas coladas e certamente para o final feliz; porque sua personagem é continuação da minha, porque sua atuação é parte da minha, nosso cenário é o mesmo.

Nosso amor jamais deixará caírem às cortinas.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

ACESSÓRIOS


Hoje guardei meu sorriso de lado, tirei o resto da gentileza que havia sobrado no meu rosto. Limpei todos os gestos de bondade e me vi assim, tal qual o animal se vê diante da presa. Não quero agradecer a ninguém por mais esse dia, não quero dizer obrigada e nem bom-dia; quero apenas trancar em mim o desprezo e despir de mim qualquer sutileza que me tornem mais humana. Quero não precisar olhar com olhos de súplica ou desejo; quero não mencionar as palavras de gentilezas ou desculpas. Não vou assumir mais nada. Olho para o descamisado sem dentes, para o faminto, para a meretriz doente, para a criança abusada da mesma maneira que olho para o resto dos seres, que agora deitados contemplam o Sol, as belezuras e alegrias. Não eu! O meu lado humano se descarta dos acessórios da ética, da poesia, da delicadeza, da humildade, bom-senso e convertem para o verdadeiro ser fabricado e produzido, no íntimo de todos nós.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

MIRANTE


Daqui vejo o seu

Olho no meu

Vista cansada

Essa nossa.



O tempo passou

E nosso olhar

Não é mais o

Do farol.



Há milfolhas nos

Fundos dos olhos

A nos prender e

Guardar.



Meu olho no seu

É eterno e pisca

De amor sempre a

Mirar.

domingo, 2 de outubro de 2011

CHEIRO DE RESEDÁ


Ela vestiu as roupas íntimas e logo depois socou o vestido florido por cima. Não queria olhar no espelho, mas foi. Viu-se, virou e olhou para os pés ainda descalços. Lá fora o som da cidade que se movia era quase perturbador. O mundo não olhou para o espelho. Olhou agora para seu olho esquerdo e já não era mais a mesma de antes. Aquela mulher passada já não estava mais no vestido das florezinhas. Nunca somos quem somos depois de uma roupa, quem dirá agora depois de calçar as sandálias. Enfim, calçou-as, as tiras largas envolveram o calcanhar avermelhado. Olhou para os pés. Esticou novamente o olho de soslaio ao espelho emoldurado de madeira fininha e imperfeita, empurrou o cabelo para trás e não mais reconheceu aquele rosto. O espelho torto e mal acabado era traiçoeiro na imagem que refletia. Guardava sua alma e seu desejo, aquele espelho, refletia, aquele espelho. Nas mãos branquelas que puxavam os cabelos estava o elástico que dolorosamente apertou o maço cabeludo num feixe negro. Pegou o perfume de resedá, colocou duas gotas de cada lado do pescoço. Não sentia o olor, não via o cheiro no espelho. Não olhou mais nada. Caminhou em círculos até achar a bolsa quase cheia demais e tão desproporcional ao corpo ridiculamente florido ao exagero. Respirou o ar quente do quarto abafado, guardado dos odores da noite mal dormida. Fechou o barulho do mundo lá de fora que a janela insistia em tocar. Saiu.

Quem sai agora para esse mundo é outra pessoa.

sábado, 1 de outubro de 2011

O BOLO DA VIRGILINA


            Minha tia-avó contava essa história toda ás vezes que íamos a sua casa na ocasião de seu aniversário.  Certa manhã, uma de suas vizinhas, Dona Virgilina, comentou que faria uma pequena festinha em sua casa e gostaria que minha tia fosse com o marido. Feitos os devidos agradecimentos, combinaram datas e horário.

            No dia do aniversário, o casal rumou com os presentinhos singelos, flores e uma compota maravilhosa de geleia de rosas, especialidade da casa, e foram caminhando para o final da rua onde se encontrava a casa de Virgilina. Por estar muito silenciosa para um dia de festa, Tio Jota pensou ser a casa errada. Mas era ali mesmo. Foram recebidos com uma alegria imensurável e constrangedora.

            Já na mesa da cozinha, a festa era ali, foram servidos de quitutes deliciosos, e com o passar do tempo, perceberam que não havia mais ninguém, além dos três. Sim, o aniversário era composto somente por eles. Ao perceberem isso, nada disseram, conversaram, riram, contaram histórias e no final cantaram parabéns diante do bolo. Dona Virgilina ofereceu o primeiro pedaço para minha tia que ficou encantada, pois o bolo possuía cinco camadas coloridas, era alto, lindo e delicioso.

            Trocaram receitas, a vida seguiu, e Virgilina morreu solitária; os filhos vieram apenas vender a casa. Tia Val, então, jurou que a partir daquele dia, até o final de sua vida faria em seus aniversários o Bolo da Virgilina. E a promessa foi cumprida. Em todos os anos que me recordo de criança, quando eu comparecia nas festinhas dela, o bolo colorido estava por lá, altivo, personificado na amizade, na solidariedade e no carinho.

            Eu amava essa história, e em um dos meus aniversários, acredito que tenha sido dos treze anos, eu ganhei da Tia Val um bolo da Virgilina, igualmente lúdico e encantador. Não vou nunca mais comer esse Bolo, nem tentar fazê-lo, mesmo porque, não seria mais o mesmo; há certas coisas que pertencem ao seu próprio tempo e não nos cabe arrastá-las porque perderiam o encanto. Prefiro o gosto que ainda tenho registrados em minha memória das cores, do creme...

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!