Chegou atrasada na aula de Sociologia, entrou, silenciosamente, seria se não tivesse prendido o bolso do casaco na maçaneta, que lhe custaram um rasgo, quase uma queda, livros no chão e muita gargalhada aos coros. Nenhuma ajuda; ajeitou-se. Envergonhada sim, humilhada não, pois o costume às ofensas, ironias eram para ela já velhos conhecidos. A professora aproveitara o gancho para construir noções de cidadania e caráter, mas a maldade é inerente aos homens, e é um exercício diário combatê-la.
– Por que Clarisse com dois esses?
– Sei lá.
– Quando eu respondo isso você reclama.
– Foi seu pai que registrou assim; eu queria Joana.
– A vida da menina não anda por conta disso. Eu avisei que aquele sacripantas só fazia besteira.
– Viu? Agora sua avó vai me torturar.
– Hoje quase caí na Faculdade. Derrubei café na lanchonete, e cheguei atrasada. Acho que o problema são os “esses”! Será que como Joana eu daria mais certo?
– Ai, Clarisse, chega! Vai lavar a louça e me deixa em paz.
– Viu vovó, ninguém me ouve nessa casa só a senhora.
Clarisse abraçou e beijou a avó ternamente, a velha ainda praguejava sobre o falecido, desejando pouco mais que o inferno para ele. Clarisse ria porque não tinha nenhuma afetividade sentida por aquele pai que a gerou, nem o conheceu afinal, e todos os comentários eram ruins, devia ser ruim mesmo; muitas vezes chegava a pensar que havia herdado toda essa carga genética negativa, outras vezes...
O leitor deve estar se perguntando por que afinal das contas, alguém escreveria sobre ser tão chinfrim e insignificante. Essa personagem não possui nenhuma complexidade e de protagonista ou heroína nada tem. Talvez o que segure essa narrativa capenga seja o conflito. Sim, a problemática que salva tantas histórias, a expectativa atrás da expectativa e talvez um desfecho satisfatório. Se me permitir contar-lhe essa pequena historieta, caro ouvinte prometo algo no limite razoável, como essa nossa moça, a tal da Clarisse.
Chega de enrolação, comecemos com esse pequeno romance...