domingo, 16 de outubro de 2011

O AMOR NÃO TEM ROSTO (Cap.1)


            Clarisse descia as escadas rolantes desajeitadamente, tentou em vão, entrar em um dos vagões cuja porta se fechara a sua frente, como acontecia na maioria das vezes. Esperou por mais um tempo o outro metrô e pensava no atraso que aqueles três minutos causariam. A moça era assim, azarada, desastrada e tímida. Cabe esclarecer ao leitor de imediato quem era essa pessoa, fazer detalhadamente um retrato falado de suas características físicas e psicológicas.

            Com vinte dois anos, Clarisse, morena, pouco mais de um metro e sessenta, olhos castanhos pálidos e profundamente tristonhos, sobrancelhas falhadas, boca miúda e sem forma definida, nariz estranhamente inacabado, corpo de flauta, nem de violão ou violoncelo, flauta doce, mas nem por isso tinha a doçura estampada em si mesma. Carregava o peso do feio e do sem-graça. Mantinha certa vocação em esconder-se de tudo e de todos. Há que me desculpar o leitor, se aqui traço um perfil cruel da nossa protagonista, tenho razões para retratar a verdade, por mais insatisfatória que ela possa parecer aos nossos ouvidos.

            Cursando a noite a faculdade de Comunicação Social, pretendia salvar os mais desajustados de qualquer mal; trabalhava em uma lanchonete durante o dia servindo mesas e dividia a casa com a avó e a mãe. Exageradamente tímida, era constantemente questionada sobre a escolha paradoxal do curso de Comunicação.

Comunicação? Mas por quê?

Sei lá.

– Isso é resposta, Clarisse.

– Ah, mãe, é.

– Você não abre essa boca.

– E daí?

– Como é que vai se comunicar com os outros?

– Deixa a menina em paz!

– Obrigada, vovó. Mãe vai dar certo.

          Cabe aqui dizer que era otimista. Na sua comum aparência, na vida monótona e diária, na feiura, na mesmice do seu ser, Clarisse de fato via um fiapo de certeza, uma nesga de esperança, uma fatia do acaso. Ninguém apostaria nisso, nem mesmo eu, nem você leitor. Porém, há que se acreditar, há que se acreditar...

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