Faz
pouco mais de um ano que meu escritor preferido morreu. Lembro-me de que no dia
de sua morte, um amigo mandou por celular a seguinte mensagem: “Nosso Saramago
morreu!”. Li a mensagem e comecei a chorar. Nunca tinha chorado por alguém
assim tão distante de mim enquanto pessoa conhecida, mas chorava pela
proximidade que sua obra enquanto escritor havia produzido na minha alma.
Nessa
época, de sua partida, eu tinha acabado de ler um de seus últimos escritos A Viagem do Elefante mais do que nunca
minha certeza era imensa em reconhecer o senhor de Lanzarote como o meu eterno
escriba; suas singelezas, seu paroxismo, sua perplexidade diante das tamanhas
injustiças do homem, esse homem cruel e ruim que além de tudo produziu um Deus.
Sim,
José era ateu convicto, para ele “Deus é o silêncio do universo e o ser humano,
o grito que dá sentido a esse silêncio”. E prosseguia em mais críticas, adocicadas de
ironias ao proferir: “Há quem me negue o direito de falar de Deus, porque nele
não creio. E digo que tenho todo o direito do mundo. Quero falar de Deus porque
é um problema que afeta toda a humanidade. Não sou implacável com ele, mas com
a espécie humana, que inventou o Senhor”.
Mas,
não era esse Senhor Saramago, crítico e ranzinza pelo qual me apaixonei por
completo. Entreguei-me ao outro José, àquele das ilhas desconhecidas, das
intermitências, dos ensaios, dos homens duplicados, enfim das pequenas
memórias. Certa vez perguntaram-me, estupidamente, e claro nem me lembro de
quem era a pergunta infeliz, como que uma professora de Língua Portuguesa
gostava de um escritor que não usava corretamente as pontuações, respondi: Leia
Saramago e depois nós conversamos sobre isso, às favas com as pontuações!
A
minha profunda tristeza gira obviamente em torno de sua morte sim, porém muito
mais, refere-se a minha impossibilidade de nunca poder ler aquilo que José
Saramago não teve tempo de escrever. Vou ler novamente cada linha dos antigos,
como se fossem novos e inéditos para mim, quem sabe minha saudade por ele
diminui... “Não é ilusão do escritor que, ao concluir sua leitura, alguém alce
voo e continue a expandir a constelação que viu impressa.”