Maria Amélia, 52 anos, solteira, sem filhos, habita um apartamento de dois quartos no centro de São Paulo. Dona Amélia levava uma vida tão comum e inóspita, que não conseguia encaixá-la em nenhuma história.
Como em sua vida nada acontecia, nem acontece, ela não podia transformar-se em matéria para a escritora. Não havia um sequer enredo que conectasse sua corriqueira estada no mundo, em tema literário.
Não era de nenhuma prosápia conhecida, o leitor não encontraria nada, nem uma identificação qualquer, não havia amor, amigos, feitos, nem um ato inescusável, não tinha tentado suicídio, enfim... Pedi que Amélia esperasse mais um pouco. Talvez surgisse uma ponta em um romance, ou ainda, uma participação especial em uma crônica como a amiga ou vizinha da personagem principal.
Foi então que Dona Maria Amélia Canto e Melo irritou-se. Disse que eu era escritora de quinta categoria, prosaica, “boi com abóbora”, que exibia certo preciosismo travestido de falsa erudição, prosa caótica e...
Ia continuar se eu não tivesse lhe avisado que já era suficiente tudo aquilo! Sua espera havia acabado:
“Maria Amélia
Canto e Melo
Língua afiada
como um martelo”.