sábado, 27 de janeiro de 2024

Crônica do abraço

            

As cinco senhoras sentadas perto da piscina discutiam fervorosamente sobre os aspectos da comida servida na pousada em que estavam. De férias da vida solitária, e ou, da vida monótona da cidade, aquelas mulheres com mais de sessenta anos estavam ali procurando o que viver.

Assim, na calorosa discussão sobre o café da manhã, almoço e jantar, argumentavam muito mais do que a própria filosofia possa dar conta. Entre teses e antíteses, chegaram na síntese de que, salvo exceções, a comida tinha caído de nível em relação às últimas temporadas.  Eu escutava tudo aquilo com muita atenção, das frases mais hilárias, desde a qualidade da linguiça que fora servida três vezes na semana, sem mudar nada em seu aspecto que pudesse modificá-la em essência, até o fato de colocarem coco ralado em todas as sobremesas para aumentar o volume, todas as frases eram seguidas de fortes argumentos. E de fato, concluíram na queda de qualidade em relação aos anos anteriores: “no passado tinha batata frita de verdade, duas ou três proteínas a sua escolha e mousse de chocolate”

Assim, seguia apreciando as discussões, as justificativas, quando senti algo em minhas costas. A pequena garotinha, com sua mão minúscula, cujas unhas estavam pintadas de rosa, acariciava minhas costas em gestos largos. Olhei para ela e sorri, ela também sorriu do seu jeito; um jeito diferente do que chamamos de normal, mas isso não importa agora. Tentei travar uma conversa, mas ela não falava, apenas sorria, sua condição neste mundo era simplesmente sorrir e caminhar. Recebi este carinho, e retribui abraçando a magreza de suas costas.

Ficamos assim, por um longo período, sem dizer palavra, abraçadas, ora os olhos cruzavam, ora os sorrisos vinham. Interrompida pela mãe, que desculpou-se, dizendo que ela estava atrapalhando, e puxando a garotinha pela mão, levando-a embora, e, enquanto eu dizia a tradicional frase, “imagina, não estava atrapalhando nada”, as duas já haviam sumido da minha visão constrangida.

Assim. Assim é o átimo do que é viver. Ninguém estava me atrapalhando. Da conversa apaixonante das senhoras que tornavam aquele meu viver, um instante divertidamente inesquecível, até o abraço da menina que escolheu me acarinhar, seguimos vivendo na esperança, seguimos olhando para os detalhes, percebendo os pequenos gestos largos que vão acariciando a nossa vida, e assim, sim, destes instantes...caminhamos.

4 comentários:

William Mendes disse...

Marili, que crônica mais linda! Emocionante!

Abração, minha amiga!

Obrigado pelo instante eternizado!

William

Valsa Literária disse...

Obrigada. Que bom ter você aqui!
Muito obrigada.

Anônimo disse...

Filha amei sua crônica.

Muito linda.
Fiz parte dela....amei.

Valsa disse...

Obrigada mamis, te amo.

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!