terça-feira, 5 de março de 2024

Crônica da vaidade ou Apólogo do amor-próprio (Mote por empréstimo do amigo: Wiliam Mendes)

 

Vou refletir muito sobre algumas coisas nos próximos tempos. Sobre a vaidade, e o sofrimento que esse sentimento nos traz, e sobre o amor-próprio também. Se estou percebendo que querem apagar o passado, e avalio que de fato o passado não é de meu domínio, por que sofrer com isso? O mundo humano está assim.” (Wiliam Mendes)


A vaidade e o amor-próprio discutiam fervorosamente na cabeça do homem, para ver quem era o mais importante na vida do pobre rapaz. De fato, não era uma discussão, ou diálogo, porque na verdade, a vaidade falava muito mais que o amor-próprio, que num determinado momento passou a só ouvi-la e respondia apenas o necessário:

- Acha que vou aceitar esse argumento de que você veio do inglês “self-love” e de que, portanto, é mais importante do que eu? Também quer que eu acredite nesta história de Narciso, e que me joguem na cara que não olho para mais nada além da minha própria beleza? Balela!!!

- Não foi isso que eu disse. Disse que você tenta me sobrepujar, todas às vezes que tento deixar ele um pouco mais seguro de si mesmo.

- Ahhhhhhh. Faz-me rir “self-love”. Então eu, a rainha da valorização pessoal, aquela que tem os maiores desejos fundamentados nas qualidades físicas e intelectuais do nosso Mestre, hahahahaha, euzinha, quero passar a perna em você? Somente quero que os outros avaliem, apreciem as capacidades e qualidades dele. E você? O que faz? Você o confunde. Todas às vezes que você exagera, é confundido comigo. Entendeu?

- Quero só que ele tenha segurança do que diz e faz.

- Segurança? Você é mesmo muito passional. Isso é um grande paradoxo. Então você está dizendo, que esse seu cuidado é amor? Ah! O amor-próprio, cuidadosamente dosado, aliás, em doses homeopáticas, traz a segurança de que nosso Mestre necessita? Bobagem. Você me vê como um mal? Imagino que sim. Hahahaha. Se me olha como um mal, que seja o Mal de Epicuro que o impede de ser “omnitudo”! Ora essa! Dessa forma, você, meu amor, é desnecessário. Eu, sim, a vaidade, sou absolutamente importante e vital, porque faço com que ele se valorize, se vanglorie de suas conquistas e que seja reconhecido pelos outros mortais.

- Talvez tenha razão. Mas... Poderíamos coexistir?

-Nunca! Chega de me confundirem com falha moral, com presunção, com egoísmo, e maldade, chega! Chega dessa história de me confundirem com você. Sou lúcida! Você não é. Sou consciente e necessária. Um pouco de mim basta.

Naquela noite o homem não conseguia dormir, seus pensamentos oscilavam e refletiam sobre a vaidade, e o sofrimento que esse sentimento lhe causava; pensava em suas conquistas e também avaliava se o seu passado deveria ainda estar sob o seu domínio ou não; para quê?

E... Não chegando em conclusão alguma, sorriu, percebeu o adiantado da noite e matutou que de nada adiantava pensar tanto e sofrer sobre tudo isso. O mundo humano já está assim, muito sofrido, calejado, cheio de preguiça e com muito sono.

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 4 de março de 2024

UM CONTO ESTRANHO

 

 

Bastos era um senhor de sessenta e poucos anos que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se poucas vezes durante o ano. Alguns parentes no interior, que a ausência de contato havia guardado na última gaveta da memória qualquer possibilidade de reencontros. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para nada fazer.

Bastos era homem comedido, falava pouco e durante toda a vida mediu bem aquilo que lhe saía da boca; entre falar e dar sua opinião preferia calar-se; o que fez com que escutasse a vida toda que era um pau mandado, um nada, um livro sem receitas, um homem vazio... Nunca se importou com isso, não falava porque não valia a pena dizer, somente o que era certo, era dito: “três pães, por favor,”, não importava dizer algo sobre a coloração dos pães, “nossa, como estão tostados”, já estavam tostados, de que valeria dizê-lo.

Mas...se olhou no espelho.

O homem olhava assustado para a imagem do espelho, não pelo corte feito, que era pequeno demais para alguém dar-lhe algum valor, mas seu estupefato olhar era da frase que sua boca havia proferido; não era homem de dizer vilezas, não era homem de falar mal por pouco, nem por muito havia perdido sua linha; nada disso era o que lhe tinha causado o pavor, a voz que lhe saíra da boca não parecia ser sua, aterrorizado não sabia o que fazer, baixou os olhos para tirá-los do espelho e sussurrou baixinho o seu nome, queria escutar-se.

Se a voz dominara o homem ou se ambos haviam se fundido em um só não é coisa para se pensar nesse momento da narrativa porque nada de filosófico há na mudança e o que se é relevante dizer são os fatos, os fios condutores das ações; o caso é que o senhor Bastos estava mudado e nem mesmo sabia onde tudo isso tinha começado, acostumara-se com a nova maneira que a vida lhe impusera com a mesma brandura que se habituara á barbas; agora era ser que cuspia fogo, deixava marca por onde passasse, rasgava todos os verbos, espantava os bichos, encantava e desencantava.

Bastos era um senhor que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se várias vezes durante o ano. Alguns parentes no interior visitavam sempre o homem, que recebia todos calorosamente em longos papos e risadas madrugada a fora, resgatando sempre o que havia guardado na primeira gaveta da memória: lembranças. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para conversar, cantar, aconselhar, jogar conversa fora, discutir...

domingo, 3 de março de 2024

TERQUEDAD

 

Mira la perseverancia y

 

com el passo del tiempo

 

firme em la constancia,

 

en la base de la obstinación.

 

Mira, para que tengas siempre

 

las delicadezas...

 

Cambia frenéticamente su

 

vida estampida y puesta

 

al principio del acaso

 

para que tengas siempre

 

las delicadezas...

 

que sin duda se traducirá

 

en palabras y acciones.

FOTOGRAFEI VOCÊ NA MINHA...

 


         O famoso lambe-lambe e sua potente "rolleiflex" entram num recinto...

         A luz não importa, nem sequer é necessário um refletor para que seus dedos ágeis e duros apertem o botão e um flash sorridente capture o instante.

         No seu transtorno-maníaco-compulsivo-obsessivo, obseda na imaginação o melhor ângulo da figura que se move em sua frente. Atenção! Um corpo que chega, um algo que se movimenta, um rosto que lamenta, uma boca que canta, um instrumento que toca, o rebolar dos quadris, a pose da moça, um "fotofóbico" que balança e o cão que ri. Não há objeto para a objetiva que retrata o indelével.

         Como se não bastasse, o impávido fotógrafo precisa também ser parte da sua sétima ou décima arte, e num revés desesperado, em toda a loucura, procura uma regra-três que com seu dedo substituto em riste, faça surgir num “click” a imagem congelada do exímio-louco que lhe sorri.

         E todos os instantes não revelados,  nem coloridos tampouco pretos e brancos se avolumam nas páginas solitárias virtuais, a espera de outro olhar que saudoso relembre o momento e gargalhe ou chore ou... odeio ser fotografado. Já diziam que rouba minha alma.

         Lá vai o famoso lambe-lambe produzir suas fotos-legenda.

         “E não é que você ficou bem na foto”.

 

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!