Bastos
era um senhor de sessenta e poucos anos que vivia sozinho em um pequeno
apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro
país e falavam-se poucas vezes durante o ano. Alguns parentes no interior, que
a ausência de contato havia guardado na última gaveta da memória qualquer
possibilidade de reencontros. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres
de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba,
alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para nada fazer.
Bastos
era homem comedido, falava pouco e durante toda a vida mediu bem aquilo que lhe
saía da boca; entre falar e dar sua opinião preferia calar-se; o que fez com
que escutasse a vida toda que era um pau mandado, um nada, um livro sem
receitas, um homem vazio... Nunca se importou com isso, não falava porque não
valia a pena dizer, somente o que era certo, era dito: “três pães, por favor,”,
não importava dizer algo sobre a coloração dos pães, “nossa, como estão tostados”,
já estavam tostados, de que valeria dizê-lo.
Mas...se olhou no espelho.
O
homem olhava assustado para a imagem do espelho, não pelo corte feito, que era
pequeno demais para alguém dar-lhe algum valor, mas seu estupefato olhar era da
frase que sua boca havia proferido; não era homem de dizer vilezas, não era
homem de falar mal por pouco, nem por muito havia perdido sua linha; nada disso
era o que lhe tinha causado o pavor, a voz que lhe saíra da boca não parecia
ser sua, aterrorizado não sabia o que fazer, baixou os olhos para tirá-los do
espelho e sussurrou baixinho o seu nome, queria escutar-se.
Se a voz dominara o homem ou se ambos haviam se fundido em um só não é coisa para se pensar nesse momento da narrativa porque nada de filosófico há na mudança e o que se é relevante dizer são os fatos, os fios condutores das ações; o caso é que o senhor Bastos estava mudado e nem mesmo sabia onde tudo isso tinha começado, acostumara-se com a nova maneira que a vida lhe impusera com a mesma brandura que se habituara á barbas; agora era ser que cuspia fogo, deixava marca por onde passasse, rasgava todos os verbos, espantava os bichos, encantava e desencantava.
Bastos
era um senhor que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade
de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se várias vezes
durante o ano. Alguns parentes no interior visitavam sempre o homem, que recebia
todos calorosamente em longos papos e risadas madrugada a fora, resgatando
sempre o que havia guardado na primeira gaveta da memória: lembranças. Da sua
rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua
sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros,
sobrava-lhe uma enorme parte do dia para conversar, cantar, aconselhar, jogar
conversa fora, discutir...
2 comentários:
A volta dos contos!!!!
Que maravilha e sempre tão bom ver você escrevendo novamente!
Obaaaa, obrigada. Estou realmente tentando voltar a escrever mais.
Abração para você que não sei quem é.
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