“Vou refletir muito sobre algumas coisas nos próximos tempos. Sobre a
vaidade, e o sofrimento que esse sentimento nos traz, e sobre o amor-próprio
também. Se estou percebendo que querem apagar o passado, e avalio que de fato o
passado não é de meu domínio, por que sofrer com isso? O mundo humano está
assim.” (Wiliam Mendes)
A vaidade e o amor-próprio discutiam fervorosamente
na cabeça do homem, para ver quem era o mais importante na vida do pobre rapaz.
De fato, não era uma discussão, ou diálogo, porque na verdade, a vaidade falava
muito mais que o amor-próprio, que num determinado momento passou a só ouvi-la
e respondia apenas o necessário:
-
Acha que vou aceitar esse argumento de que você veio do inglês “self-love” e de
que, portanto, é mais importante do que eu? Também quer que eu acredite nesta
história de Narciso, e que me joguem na cara que não olho para mais nada além
da minha própria beleza? Balela!!!
- Não
foi isso que eu disse. Disse que você tenta me sobrepujar, todas às
vezes que tento deixar ele um pouco mais seguro de si mesmo.
-
Ahhhhhhh. Faz-me rir “self-love”. Então eu, a rainha da valorização pessoal,
aquela que tem os maiores desejos fundamentados nas qualidades físicas e
intelectuais do nosso Mestre, hahahahaha, euzinha, quero passar a perna em
você? Somente quero que os outros avaliem, apreciem as capacidades e qualidades
dele. E você? O que faz? Você o confunde. Todas às vezes que você exagera, é
confundido comigo. Entendeu?
- Quero
só que ele tenha segurança do que diz e faz.
-
Segurança? Você é mesmo muito passional. Isso é um grande paradoxo. Então você
está dizendo, que esse seu cuidado é amor? Ah! O amor-próprio, cuidadosamente
dosado, aliás, em doses homeopáticas, traz a segurança de que nosso Mestre
necessita? Bobagem. Você me vê como um mal? Imagino que sim. Hahahaha. Se me
olha como um mal, que seja o Mal de Epicuro que o impede de ser “omnitudo”! Ora
essa! Dessa forma, você, meu amor, é desnecessário. Eu, sim, a vaidade, sou absolutamente
importante e vital, porque faço com que ele se valorize, se vanglorie de suas
conquistas e que seja reconhecido pelos outros mortais.
-
Talvez tenha razão. Mas... Poderíamos coexistir?
-Nunca!
Chega de me confundirem com falha moral, com presunção, com egoísmo, e maldade,
chega! Chega dessa história de me confundirem com você. Sou lúcida! Você não é.
Sou consciente e necessária. Um pouco de mim basta.
Naquela noite o homem não conseguia dormir, seus
pensamentos oscilavam e refletiam sobre a vaidade, e o sofrimento que esse
sentimento lhe causava; pensava em suas conquistas e também avaliava se o seu
passado deveria ainda estar sob o seu domínio ou não; para quê?
E... Não chegando em conclusão alguma, sorriu, percebeu
o adiantado da noite e matutou que de nada adiantava pensar tanto e sofrer
sobre tudo isso. O mundo humano já está assim, muito sofrido, calejado, cheio
de preguiça e com muito sono.
3 comentários:
Simplesmente incrível, com certeza um dos meus textos favoritos.
Olá, querida amiga Marili!
Adorei o texto! Coloca a gente a pensar!
E pensando a respeito dessa peleja entre a vaidade e o amor-próprio, me vem tanta coisa à cabeça, coisa velha, coisa antiga, coisas como a própria vaidade, da idade do ser humano.
Durante muito tempo eu era o prisioneiro do ódio, talvez fui cativo do ódio por décadas, o personagem Riobaldo Tatarana nos fala sobre isso, e diz que a lição de um compadre dele é nunca deixar o ódio tomar conta da gente para a gente não ser prisioneiro da pessoa ou da coisa que se odeia. O ódio toma conta da cabeça da gente e não deixa a gente ser livre para pensar em mais nada.
Pensando sobre essa questão da vaidade, é parecida com a questão do ódio. Achei interessante como você trabalhou a superioridade impositiva dela sobre o amor-próprio, imagino que seja muito comum a gente se perder por vaidade porque ela acaba prevalecendo sobre o amor-próprio, sobre a razão, sobre o coração (o amor).
Eu comecei a pensar sobre essas coisas nos últimos tempos. Estou mais atento ao que leio, ouço, percebo por aí. Outro dia, ouvi um sábio dizer que não temos nem o passado nem o futuro, só o presente. E vi que ele tinha razão. Eu não tenho os 54 anos que se passaram... percebe que não tenho domínio sobre o passado, nem sequer o meu?
E o amanhã? Menos domínio ainda. E se tenho um infarto enquanto escrevo aqui, como aconteceu com amigos meus recentemente? Um conhecido de longa data estava ao vivo com as pessoas e enfartou e morreu. O amanhã é de incerteza absurda.
Tenho que conseguir diminuir sentimentos que me incomodam por causa da vaidade.
Abração e valeu pelo texto! Adorei!
William
Que bom que gostaram do texto, ficou girando, girando até sair. Agradeço a ajuda preciosa do Guilherme Santos que me deu uma aula sobre Epicuro, e agradeço ao Wiliam pelo mote providencial. Abraços, Marili
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