domingo, 23 de fevereiro de 2014

PASTAGEM

                Há quem diga que como o vento porque nele respiro e tenho tamanha certeza de estar vivo que contemplo o amanhecer; e as pastagens que ali aparecem como num quadro, pintado, com tinta que dissolve em água, para um dia desmanchar e agora se mostram por um instante vivas também. E assim é o contemplar dos meus olhos nas coisas, que mudam tão rapidamente que não há fôlego.
            E tem o vento, ora brisa, e respiro, e estou novamente vivo. Bebo os alísios que sopram regularmente vindos sabe lá de onde, e pouco me importa de onde vem, porque não há necessidade da origem e da compreensão, há sim carência de senti-los, nas caras, no peito e nos cabelos. Buscar significado nas coisas é uma perda de tempo tamanha, e não tenho tempo para isso; não se pode perder hora com análises das birutas e que rumo elas indicarão, de que me serve isso?
            Hoje as pastagens amanheceram mais amareladas e esse é o meu tempo.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

LIMBO

ninguém gosta do nublado
preferem os sóis
há quem exija a chuva
de modo melancólico
hoje amanheceu nublado e fiquei tal como o hoje
indefinida
cinza
em rabiscos
apenas os meus contornos na sombra que não há

domingo, 16 de fevereiro de 2014

HUMOR AQUOSO

Olho vivo
é claro
observo
soslaio
é incessante
o acaso
descaso
pisca
lágrima
pisca
vês?
Está claro!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

...

...é na tentativa, que contemplo o mesmo Sol com outros olhares, porque acredito que hoje ele tenha amanhecido diferente; e eu sei que tudo é tão frágil quando olhei para o vaso e achei o restolho da cola que antes juntara os cacos, e bem sei, não é mais perfeito, mas é vaso ainda, e serve bem para descanso das rosas ainda vivas e rosas; é na espera que imito os outros dias que foram tão bons e felizes, porque creio nos outros que viverão nas minhas fuças felizes e risonhas; choveu pela manhã e tinha cara de bolo o dia, e fiz o bolo para brindar a chuva, porque é preciso acalentar o espírito nos dias chuvosos; e tento mais que nunca, mais que quase, porque entendo as adversativas e as perdoo por isso, ser muito feliz...

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

COMÍCIO INTERNO

odeio gente babaca
gente que baba sempre por qualquer merda
e não vê nada a não ser
a baba e o babaca que produz a merda
odeio o novo acordo ortográfico
odeio as regras todas, incluindo as minhas
odeio dirigir, mas odeio mesmo
odeio laços em sapatos
odeio mentira e desculpas
e mais, odeio ser enganada
odeio diminutivos, esses eu odeio muito
odeio legião urbana e funk
odeio gente egoísta e altruísta
odeio ovo com sal
odeio o cara largado na rua
odeio muito toda a sacanagem que fazem com o nosso dinheiro
odeio calça apertando os bagos dos homens
odeio não saber tocar um instrumento...

e muitas vezes odeio ter que odiar.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

VOLUME ÚNICO

escrevo o instante
se sinto passa
tempo e resmungo
já senti o atrasado
e a linha é muda
rogo ao futuro
que o momento pulse
como dantes, vivo
pululante


escrevo o passado
passou e o sinto
resmungo ao tempo
não volta o momento
peço o antes
revivo


imagino o futuro
num único



domingo, 9 de fevereiro de 2014

A MENINA DA ERA AQUÁRIO


Antes mesmo de nascer já estava escrito, porque Urano e Saturno definiram isso, que a menina seria do signo de aquário. Ao nascer seu mapa astral traçava um destino certo e suas características já eram bem definidas, seria ela excêntrica muito introspectiva, e estaria anos-luz de qualquer outro ser de signos inferiores, diria sua avó paterna. Ganhou patuá da tia, terço da bisa e santinho de batizado dos avós que faziam muita questão.

E a garotinha cresceu sob a influência dos astros, das cartas e cercada por todo misticismo que eram marcas, quase um brasão, da sua família. Do lado materno, as rezas constantes e seu anjo da guarda eram sempre evocados; foi levada na melhor benzedeira da região para curar sua asma crônica, e teve seu corpo esfregado por folhas de louro e arruda.

E assim com tanta proteção, a menina chegou aos dez anos, com sua asma quase curada, saudável, boa e seriamente muito introspectiva, como boa aquariana que era. Não era criança, porque os aquarianos são muito sérios para isso, era uma pensadora nata. Lia seu horóscopo todo dia, rezava pelas tardes porque era hábito e para garantir repetia com sua avó os pedidos ao anjo da guarda, na hora certa que era para não dar muito trabalho ao moço.

Contudo, ela pensava muito em tudo isso. E com o tempo veio a dúvida. 


Assim, aos doze anos a outrora menina, agora adolescente, nas bases de suas características de eloquência, de pensadora do mundo, pensou que talvez tudo aquilo já não lhe bastava, e que, seguindo seus raciocínios lógicos e previsíveis, toda aquela falação era uma grande bobagem. Quando soube que Newton estabeleceu, através dos estudos da mecânica celeste a regularidade e previsão dos movimentos dos planetas no céu, pensou que a astrologia era inaceitável.

No Natal daquele ano, para choque geral da família, a tia-avó quase desmaiou, ainda bem que a bisa já havia morrido para não escutar isso, a avó pensou em deserdá-la (o colar da Nossa Senhora iria para outra neta) a garota declarou que não acreditava em Deus, que astrologia era a maior babaquice, sem método científico algum, que anjos eram bonitinhos assim como duendes, fruto da nossa imaginação, e que agradecia toda a suposta proteção e orações desferidas a ela durante esse tempo todo, que bem ela sabia eram de coração, bem intencionadas pela fé, mas que a partir de agora ela dispensava tudo isso.

 No canto da sala, o tio quieto, bem quieto, ria baixinho...

 

 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!