segunda-feira, 20 de agosto de 2018

ENTROPIA

Minha existência me incomoda
o que eu penso sobre tudo
o que não posso pensar, o que não devo pensar
tenho medo de existir, tenho medo de morrer
e tenho certeza de que sou inseguro

Ah! Como incomoda minha existência
o que posso pensar e não posso dizer
para quê dizê-lo? por quê? não digo
tenho muito medo de viver, tenho mais medo ainda das coisas
e tenho tantas incertezas quanto mais anos ganho

Que cansada é minha existência
o que o tempo traz agora é tão tarde
tivesse vindo antes a esperteza do velho com a doçura da criança
tenho muito medo de ficar velho, tenho mais medo da criança
e tenho tantas omissões guardadas que não livro

Por que me incomoda a minha existência?
tenho medo de pensar em responder
soubesse dela como a seria teria pensado e dito mais
tenho bastante medo das pessoas, tenho mais ainda de mim
e tenho uma alma de velho na mente de uma criança... todo resto é desordem.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

LACUSTRE

não beba
não beije
não avance

viva à margem
flutue
saia da caixa

sorria
peça licença
seja feliz

ouça
não diga
insista e assista

sorria
exija alforria
calmaria





sábado, 21 de julho de 2018

LAPSO

...nesses tempos de medo, sombrios e incertos, nesses tempos sem um conforto de pensamento, sem um alívio para alma, em todos esses tempos de tremenda angústia e solidão, nesse tempo de desesperanças e descontínuos, num tempo de ignorância e abundância de sentidos e de saberes, esses tempos curtos e átimos, tempos de uma passada larga e longa, tempo esse que corre solto, esses tempos de longa brevidade e eternidade, tempo de conflito e de felicidade, nesse tempo, nesse nosso tempo, esse é o nosso tempo...

terça-feira, 17 de julho de 2018

TAXIDERMIA

Engole toda a serragem
do mundo
o homem-palha 
migalha o ganha-pão
sacoleja no trem
põem a cara no sol
com a forja na mão 
fornalha vento
imensidão
desnutrição
solidão
come toda a poeira do chão
empalha essa vida
para que lembrem mais tarde
do homem-cão

segunda-feira, 18 de junho de 2018

SEMPRE SARAMAGO


RÉQUIEM PARA JOSÉ SARAMAGO

Faz pouco mais de um ano que meu escritor preferido morreu. Lembro-me de que no dia de sua morte, um amigo mandou por celular a seguinte mensagem: “Nosso Saramago morreu!”. Li a mensagem e comecei a chorar. Nunca tinha chorado por alguém assim tão distante de mim enquanto pessoa conhecida, mas chorava pela proximidade que sua obra enquanto escritor havia produzido na minha alma.

Nessa época, de sua partida, eu tinha acabado de ler um de seus últimos escritos A Viagem do Elefante mais do que nunca minha certeza era imensa em reconhecer o senhor de Lanzarote como o meu eterno escriba; suas singelezas, seu paroxismo, sua perplexidade diante das tamanhas injustiças do homem, esse homem cruel e ruim que além de tudo produziu um Deus.

Sim, José era ateu convicto, para ele “Deus é o silêncio do universo e o ser humano, o grito que dá sentido a esse silêncio”.  E prosseguia em mais críticas, adocicadas de ironias ao proferir: “Há quem me negue o direito de falar de Deus, porque nele não creio. E digo que tenho todo o direito do mundo. Quero falar de Deus porque é um problema que afeta toda a humanidade. Não sou implacável com ele, mas com a espécie humana, que inventou o Senhor”.

Mas, não era esse Senhor Saramago, crítico e ranzinza pelo qual me apaixonei por completo. Entreguei-me ao outro José, àquele das ilhas desconhecidas, das intermitências, dos ensaios, dos homens duplicados, enfim das pequenas memórias. Certa vez perguntaram-me, estupidamente, e claro nem me lembro de quem era a pergunta infeliz, como que uma professora de Língua Portuguesa gostava de um escritor que não usava corretamente as pontuações, respondi: Leia Saramago e depois nós conversamos sobre isso, às favas com as pontuações!

A minha profunda tristeza gira obviamente em torno de sua morte sim, porém muito mais, refere-se a minha impossibilidade de nunca poder ler aquilo que José Saramago não teve tempo de escrever. Vou ler novamente cada linha dos antigos, como se fossem novos e inéditos para mim, quem sabe minha saudade por ele diminui... “Não é ilusão do escritor que, ao concluir sua leitura, alguém alce voo e continue a expandir a constelação que viu impressa.”

sexta-feira, 15 de junho de 2018

QUINHÃO




Visita ao Centro de São Paulo. Hoje. Catedral da Sé, linda, exuberante, mas não serve para nada.
Ao redor, os desgraçados, mutilados, os sem-chance-de-merda-alguma, os famintos, os descamisados.
Olhei.
Olhamos.
Acendi um cigarro.
Acendeu o cachimbo.
A policía pass(e)ava por todos os lados, os caras olhavam o vazio, naquele passo a passo peculiar da lei. Qual?
Baforei, baforamos.
E ali deitado, junto ao pé de uma árvore, ali mesmo, perto do marco zero da nossa cidade, defronte a catedral da fé, o homem fedido, dividia a coberta com seu cão, enrolados em um só. Amor. Tem.
Senti. Sentimos.
Na volta, o molequinho sem-porra-nenhuma-de-sorte, enfrentava o destino, desprevinido, coitado, sem nehuma, mas nenhuma chance de ser feliz!
Restava-me escrever.
Escrevi.

terça-feira, 12 de junho de 2018

HOJE É DIA DOS NAMORADOS!

   Sentada em um banco a espera do ônibus que a levaria para a escola, a garota analisava a cena que via do outro lado da calçada. Girava a cabeça de um lado a outro para não perder nem um dos movimentos do casal, que se encontrava protagonizando uma conversa, cujo desfecho a menina estava ansiosa por saber. Tentava, vez em sempre fazer a leitura labial do que era dito baixo, porém conseguia ouvir quando um ou outro elevava a voz. O enredo inteiro não sabia dizer, mas ao certo sabia, que os dois discutiam um possível término de namoro. 
 Curiosamente a garota pensava no porquê os possíveis namorados estariam terminando a relação, e lembrou que era dia dos namorados. Pensou também que ela era ainda uma menina e meninas de onze anos não namoram...lembrou de sua mãe dizendo isso. Lembrou também que com essa divagação toda de pensamentos tinha perdido parte da novela de rua e continuou a observar o par que ainda discutia e gesticulava nervosamente, ele indo de lá para cá e ela abaixando a cabeça e enxugando as lágrimas. 
 Certo foi que o ônibus chegou e a menina não sabia se entrava, ou se esperava para saber o final dessa história. Entrou no coletivo, passou a catraca e correu para a janela. Abriu o vidro e gritou: Hoje é dia dos namorados! 
 O casal do outro lado da rua procurava de onde havia vindo o grito. A garotinha acenou para os dois de dentro do veículo que já havia partido. O casal sorriu. O casal acenou para a menina. O casal se abraçou. A garota sorriu.

terça-feira, 5 de junho de 2018

SILÊNCIO

Existem momentos, e não são poucos, que não se há nada a declarar, nada mesmo. Bom então, é dar um aceno para vida e pedir-lhe gentilmente que se aquiete sozinha...

quinta-feira, 31 de maio de 2018

POEMA GUARDADO

para fazer um bom poema
é também preciso um bocado
de tristeza

há que se traduzir em palavra...

não há poema sem melancolia
sem a beleza entristecida

não há poema simples
não há receita para boa poesia

não existe poema bom
existe o que se quer dizer
para fazer um bom poema
tem que ter um pedaço de incerteza
que se acumule no poeta
que quer dizer qualquer palavra
mesmo que seja a palavra
velha!

quinta-feira, 10 de maio de 2018

POEMA DO eu

pequeno tecido
de ser inexato
farrapo de pedaço
um corte de pano
desfiado, descosturado, desengomado
sem pregas
sem barra
sem botão
abre o molde
e modela seu coração

PARA VOCÊ DE MIM

não é possível iniciar alguma coisa, da qual nem sei ao certo como dizer, com letras maiúsculas; a escrita nesse momento é sem amarras, porque ela traduz a minha e a sua angústia, e sei que assim como estou cá aqui, você também está, e agora neste instante escrevo por nós, por mim e por você, porque sei que estamos sozinhos a pensar nas nossas incertezas e também sabemos que a falta disso tudo, dessa compreensão do que está havendo é escura e paradoxal, então eu digo para você que é preciso ter uma certa calma e ao te dizer, digo a mim mesmo, assim nos escutamos e partilhamos dessas mesmas dolorosas aflições e agonias que passam em nossa cabeça, na minha e na sua, sei bem como é, sentir-se sozinho e achar que não há um fragmento sequer de amor, de carinho, de compaixão, de troca, de qualquer coisa de que precisamos para nos sentirmos humanizados, porque pensamos, e pensar é doloroso, só sei bem, também, que há que se ter calma, não a calma da estagnação, mas a calma do tempo, que é tão inconstante, porque corre veloz ou tarda, e essa calma eu não tenho, e sei que você não a tem, e também não sei como terminar tudo isso, e sei que você não sabe, sabemos apenas que não há um ponto, há somente um tempo e estamos juntos nele...

EXCERTO


             Todos esses pensamentos nos fazem refletir sobre a nossa prática diária. Como professora e futura psicopedagoga a sensação de impotência e de mudança se confundem num plano paradoxal e angustiante.  O conflito obviamente se traduz num questionamento pessoal do quanto estou fazendo em relação ao que posso fazer. Essa profusão de sentimentos me encaminha a pensar se realmente consigo mudar de forma militante tudo que se aflorou depois de assistir, ler, estudar e pensar. Sei bem que já se passaram por mim muitas pessoas das quais eu consegui de alguma maneira ajudar, dividindo o que sei, o que eu acho que sei e o que gostaria de saber. Porém, não sei se tenho fôlego, a essa altura, de mudar um sistema todo, embora acredite na mudança e tenha práticas diárias que fomentem isso no meu pequeno universo.
            Encerro a análise pensando que se eu escolhi a educação como parte de mim e que ainda acredito em algumas possibilidades de mudança e que sinto que agora já sei alguma coisa, quem sabe não consigo propagar essas ideias em uma nova fase, fazendo o que gosto tanto que é escrever. Quem sabe não escrevo mais sobre tudo isso...quem sabe...

sexta-feira, 13 de abril de 2018

DOÇURA

Aquele pai que sempre quisera ser pai, segurava a filha, que sempre soube que seria sua filha, balançando-a num ritmo suave. Segurava a menina em um dos braços de barriga para baixo, que era para evitar dores de barriga, e enquanto balançava, a menina cantava para si mesma uma melodia sem palavra, apenas o som acalmava a ambos, na doçura da eternidade.

terça-feira, 3 de abril de 2018

DIALÉTICA

Se tenho dúvidas?
todas
sempre.

Há em mim a maior indecisão
não sei quem sou
não sei quem você é
muito menos eles, muito menos eles
refuto todos os seres
mais ainda os ininteligíveis
refuto a mim mesma
oscilo feito pêndulo
entre querer e não querer
sentir ou não sentir
tenho todas as dúvidas possíveis
e há um certo conforto em ter dúvidas
já que a vida é provável
os sentidos são possíveis
e os sentires confusos

Se tenho verdades?
todas
nem sempre.

Há na verdade uma indecisão de mentira
uma aparência de certeza
um gosto que não se firma 
e ainda, meu deus
uma opinião mal formada
que teimosa, que teimosa
que oscila para lá e para cá
entre dizer e não dizer
ferir ou não ferir
refuto a verdade e mais que tudo refuto a mentira
deles, de mim e principalmente deles, deles
e há um certo conforto em mentir
já que a vida é um passatempo
e começa a nos tirar a graça
desde logo cedo



terça-feira, 27 de março de 2018

CATACLISMO


MAIOR DEVASTAÇÃO
NÃO HÁ
DO QUE VIVER

SE O JULGO DE SENTIR
ESTÁ EM EXTINÇÃO
HÁ QUE  SE VER,
COM RESPEITO À ORTOÉPIA
CATACLISMAS D' ALMAS

NA MAIS REPLETA
E PROFUNDA
SOLIDÃO

sexta-feira, 23 de março de 2018

POEMA DA MÃE

ME DÁ TUA MÃO
SEGUE POR AQUI
EU TENHO CERTEZA
DESSE CAMINHO
SEI QUE É MAIS BONITO
NÃO CHORA NÃO
ME DÁ TUA MÃO
FILHO
VEM POR AQUI
EU QUASE TENHO CERTEZA DE QUE É O CAMINHO CERTO
VEM MEU AMOR
ME DÁ TEU PERDÃO
NÃO CHORA MAIS TANTO NÃO
EU NÃO SEI SE ESSE É O CAMINHO
PERDÃO
PERDÃO
SOLTA DA MINHA MÃO
SEGUE TEU CAMINHO
VÃO

MEIA CRÔNICA DA TRISTEZA

Em passos saltadinhos o pequeno ser atravessa o tapete e tenta acalçar o brinquedo desejado, brinca na sua solidão e na cabeça pequena nada pensa. O mesmo pequeno ser engatinha e chora de fome, faz coisa errada e apanha na mão errada que pegou o que não devia. O ser pequeno cresce e tem tanta coisa agora para pensar que ele esqueceu que foi um ser que só brincava na sua solidão de mente vazia. Crescer é tão triste!

sábado, 27 de janeiro de 2018

CRÔNICA DO ACONCHEGO

Chegou em casa e o cansaço era tamanho que não teve tempo de olhar para nada, entrou no banho para que toda água levasse embora a tristeza, a raiva e a angústia que sentia, tudo era tão desolador, o caminhar em passos lerdos e pesados, a vida sem sentido, sem dinheiro, sem esperança, como se vive sem esperança, como se vive sem poder ter algo de certo, uma coisinha sequer de certeza, de comer, de pagar, de gastar, certeza de que vai ser melhor, nada é tão certo como o banho, o esfregar de um lado ao outro, o banho há de ser rápido, assim como tudo nessa vida que passa rápido quando deveria ser devagar e os sorrisos nem se veem de tão ligeiros, secou, escovou, comeu o que tinha e sentou na minúscula sacada e viu o céu da noite cinza da cidade cinza, e só pensava que era tão ruim, e pensou por um instante do porquê disso tudo, e a borboleta feia pousou na grade da sacada, e a borboleta marrom de asas enormes e feias tinham olhos para ele, batiam algumas vezes e paravam, ele enxotou o bicho feio, que saiu e voltou, e pousou na sua mão, e com nojo empurrou para longe, e bateu, e o inseto grande, bateu asa e parou no chão, compassada as asas batiam em cadência leve, e a borboleta feia olhava para ele e agora ele olhava para ela, desistiram um do outro...ela se foi pela noite, ele deitou e se foi pelo sonho.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

MELHOR NÃO

Reflexões sobre a incapacidade humana:


é melhor não ir;
mias fácil não argumentar;
não enfrentar coisa alguma;
não ter que decidir;
deixar que te digam o que fazer;
que te levem;
que te lavem;
bem melhor não opinar;
não escolher;
o que diriam de mim?
o que pensam de nós?
faça por mim;
eu vou com todos;
eu vou com você;
vai com as outras;
não diga nada;
para que pensar?

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

CRONIQUINHA PARA MARIA

Maria que fez Amanda que fez lentilha que fez amigos no Iguaçu e fez da lembrança em mim sinônimo da bondade.

APONTAMENTOS ou primeiro texto de 2018

a passagem de Ano Novo pode trazer surpresas interessantes:

conhecer gente que parece antiga e conhecida
molhar os pés na esperança da água salgada
comer abusadamente na certeza de depois passar fome
abraçar fazendo promessas
beber o último gole e fumar o derradeiro cigarro
resolver que vai ser tudo diferente
jurar que nunca mais
jogar fora suas pequenas angústias ao vento que as levará
prontamente ceder a passagem
olhar os fogos coloridos e ensurdecer-se
falar baixo a si mesmo
rezar
enterrar dinheiro pouco
acender uma vela
trocar as calcinhas velhas por novas
beijar um estranho
brindar com o desconhecido e contar sua vida para ele
contar sete bagos de uvas
cantar aquela canção do Roberto
dizer que ama
fazer a contagem regressiva e saudar o amanhã
chorar
falar da vida dos outros e reparar naquela roupa
estar feliz
ser feliz
resolver
relutar
permitir
ir
Vai ser bom, não vai?



REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!