quinta-feira, 27 de setembro de 2012

AVULSO

Que faz o poeta com um enorme punhado de palavras rasurando sua alma?
Arrancaram dele o versinho rimado, elegantemente alinhado em quatro, quatro, três e três...
Era para ser um soneto, era...
Virou seresta para a senhora viúva que o rejeitou.
E o pobre poeta uivou, desolado, criou trovinhas pulhas e escorregadias,
para realmente deixar todos bem irritados.
Em seus versos púnicos, o tal poeta apunhalou seu próprio destino
e morreu com a pena na mão.

domingo, 23 de setembro de 2012

ALGARAVIA


Todavia só via

Fútil algazarra

Confusa visão

Céu sensação

Dia enluarado

Mulher ria vadia

Açucarada pela

Melodia mal viva

Do seu coração

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

LOJA DE PENHORES


             A moça chegou até a loja de penhores um tanto assustada. Titubeou se iria mesmo fazer aquilo.  Olhou, respirou e entrou. O dono veio recebê-la com um olhar irônico e assustador. A mocinha pensou, estremeceu, pensou e disse que queria penhorar sua alma. O homem riu e perguntou-lhe se não era melhor vendê-la de uma vez, porque na penhora o prazo para o resgate era bem menor, isto é, a moça ficaria sem sua alma por um determinado tempo e depois deveria resgatar o penhor. Ficou apreensiva, duvidou, queria tanto penhorar sua alma em troca da tranquilidade eterna, pelo menos por um instante. Decidiu que não venderia. Saiu de lá então, murcha, vazia, sem umazinha sequer sensação, sem vontades, desejos, tristezas, lembranças, nada, nada! O homem riu e pensou: “Apreensão do bem penhorado... Essa não volta mais.”

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ATENDENDO AOS PEDIDOS

PUBLICO AQUI CAPÍTULO DÉCIMO E CAPÍTULO FINAL DO CONTO UM SONHO APENAS, AGRADEÇO A TODOS QUE ACOMPANHARAM COM EXPECTATIVA AS PUBLICAÇÕES DIÁRIAS.


CAPÍTULO DÉCIMO

O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se estende para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.”

            Para o velho, bom e honesto Jonas sua ideia fixa de cumprir a risca o sonho não lhe parecia imoral, tampouco necessária de novos julgamentos. Não deixou que Freitas os fizesse e também lhe pediu o juramento do segredo. Na realidade, todos os julgamentos que fizera nesses dias todos o abonavam para tais atitudes. Iria sim.

            Freitas ficou de investigar o local e o remedinho. Senhor Jonas tratou de jogar a bengala fora e foi caminhar. O que é o estímulo senão a fruta mais no alto, bela e doce, pronta para ser colhida não importe sua altura? Assim com bengalas aposentadas o homem caminhou, jogou dominó pela tarde toda e sentia suas pernas doloridas e desemperradas.

            Durante a semana, os amigos iam acertando os detalhes da trama, Freitas havia achado o local em outra cidade. Precisou de algumas mentiras para enganar sua mulher e disse que levaria Jonas em um novo médico de outra cidade, pedido feito pelo João. O mais difícil foi comprar o remédio, mas o que não se faz por um amigo.

            Combinaram por telefone com a dona do bordel o preço e as condições de um cliente muito especial. Muito mesmo! Jonas descreveu duas das moças do sonho e disse que a terceira não tinha conseguido ver o rosto. Afirmou que confiava no gosto da senhora, mas a terceira havia de ser uma perfumada, muito perfumada. A mulher ria do outro lado da linha.

            Naquele final de tarde, o velho e bom Jonas arrumou-se num terno preto e bem alinhado. Usou a melhor colônia. Olhou-se no espelho, riu para si mesmo. Viu na imagem o moço, o homem de antes. Sentiu-se tão jovem, tão rebelado da alma como o mar em dia de arrebentação. Remorsos? Nenhum. Dúvidas? Nenhuma. Sensações: todas!

– Seja bem vindo!

– Amigo venho buscá-lo amanhã cedo! A senhora, por favor, me telefone se...

– Obrigado Freitas, pode ir, vá amigo, estou em ótimas mãos, não é mesmo!

– Fique tranquilo senhor Freitas, cuidaremos dele como a um bebê.

– Imagino...

CAPÍTULO FINAL

 

– Sr. Jonas acorde, acorde. Está na hora de ir...

– Nossa! Eu não morri...

            Senhor Jonas não só não morreu naquela noite deliciosamente vivida entre ele e suas amantes como viveu muitos anos ainda, precisamente mais nove. Não precisou repetir a façanha porque agora ele saberia que perderia todo o sentido. Preferiu ficar com lirismo e romantismos conseguidos naquela madrugada, inclusive porque agora a mulher do sonho tinha um rosto e um belo rosto. E sua vida um arremate incrível!

            Naquele final de ano, sua família veio para as festas de Natal. Ninguém notou nada, exceto Pedro seu neto que o achou diferente. As afinidades são únicas entre algumas pessoas, pode-se até amar de maneira igualitária a todos, porém a afinidade é o tempero mais sublime do amor. Decidiu que talvez um dia contasse o feito ao neto, mas receava algum julgamento. Não contou.

            Seu Jonas foi encontrado morto na sua cadeira de leitura. Tristemente quem o achou foi outro garoto (o anterior havia crescido) que o chamou sem resposta. O menino chorava feito louco, pelo velho, é claro, pelo corpo inerte e talvez pelos trocados agora perdidos. Nicinha aos prantos chamou Freitas.

            Morte linda! Ali recostado, com o livro aberto deitado no colo. Morreu de velhinho mesmo que estava. Freitas chegou e ficou ali parado por um tempo longo, segurando a mão do amigo. Seu semblante era doce e tranquilo. Sua amizade eterna. Não chorava, mas acariciava os dedos gélidos numa tentativa última de despedida.

O livro recolhido eram as Obras Completas de Machado de Assis. Freitas guardou consigo o livro e o segredo.

            Muita gente foi ao enterro. Na lápide os filhos e o amigo Freitas mandaram colocar um belo epitáfio, longo e digno do pai: “Saudades, amor e descanso em paz para Jonas Matos Silva, amado pai, bom homem, trabalhador digno, respeitável cidadão boraense, deixa saudosos filhos, netos e bisnetos, parentes e amigos”.

            Lá do céu o Senhor Jonas riu, riu muito!

 

 

 

 

 

 

 

NOTA

Os trechos em itálico foram retirados do livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis; Obras Completas; editora Nova Aguilar, 1962.

 

DEDICATÓRIA

 Dedico esse pequeno e modesto conto ao meu grande Mestre Machado de Assis, grande inspiração em todos os momentos de minha vida.

Marili de Carvalho Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

terça-feira, 18 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO NONO

“Veio o desejo de agitar-me em alguma cousa, com alguma cousa e por alguma cousa.”

           

            A ideia agora parecia fresca, clara e fixa na mente de Jonas. O velho arrematava os detalhes. Tal qual o emplasto de Brás Cubas, a fixação, a decisão eram evidentes e suavizadas pelo desejo de se fazer alguma coisa, de agitar-se com algo e era isso sim que ele faria. Pensou e repensou tudo milimetricamente. Como faria? Precisaria falar com Freitas. Será?

            Tão correto o Senhor Jonas Matos Silva, tão cumpridor das estéticas, da moral e dos respeitos. Agora sabia que se entregaria aos seus sonhos e desejos mais terrenos, mais despudorados e vergonhosos. E se quisessem julgá-lo por isso, ele estaria aos montes para todos, porque era hora de agitar-se na vida, para a vida.

            Remoeu o melhor jeito de conversar com Freitas, engatilhou os diálogos, na ordem precisa da argumentação afim de não deixar nenhuma brecha. No final da tarde chamou o amigo para a tal conversa séria. Explicou os detalhes, configurou as atitudes, implorou sua ajuda, articulou, usou de malícia, da experiência e ao final era pura melancolia e choro, pedinte criança.

– Jonas, amigo! Você tem certeza? Quer mesmo isso?

– Parece-lhe tão absurdo?

– Imagine! Um senhor de oitenta e cinco anos passar a noite em um bordel, covil, puteiro. Soa-lhe bem?

– Sim muito bem! Inda mais quando esse é seu derradeiro desejo, sua última vontade, seu emplasto curativo, chame como quiser... Se não me ajudar irei sozinho. Está decidido. Quero passar a noite com várias mulheres, quero os seios em minha face, os perfumes...

– Acredita nesse lirismo todo?

– Farei que seja: lírico, romântico, pagarei por isso.

– Meu Deus!

– Ah! Tem mais!

– Preciso de uns remédios, aquele que faz levantar defuntos!

– Aí já é demais. Não me peça isso!

– É um sonho apenas...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO OITAVO

Pela manhã acabou de reler o seu livro preferido Memórias Póstumas de Brás Cubas. Que coisa! Quando leu esse livro ainda moço parece-lhe outra coisa. Como podia o mesmo livro, as mesmas palavras soarem-lhe tão diferentes agora? Sentia-se tão próximo da personagem. Talvez fosse isso: era velho. Todas aquelas frases que antes despercebidas, agora, iam formando imagem para ele mesmo, como num espelho.

Assim como Cubas, estava tão perto da morte; o outro era a própria, escancarava sua vida aos leitores sem medo da rejeição, do julgamento e da vergonha. Assim como o autor defunto, ele havia relembrado sua vida, boa e monótona vida. Percebeu que eram opostos. Mas há quem diga que é na oposição que se chega à síntese. A velha e boa dialética da vida. O velho Jonas sabia que aquela nova leitura o havia deixado diferente e pensativo.

Ficou segurando o livro, agora fechado e sentiu que embora a leitura tivesse chegado ao fim, sua imaginação, seus pensamentos e ideias, não. Todo o sentimento estava aflorado e não eram mais tão confusos como inicialmente. Algumas certezas configuravam-se em sua mente, brevemente rascunhadas, ainda, porém tinham um esboço, e todo bom desenho começa sempre com um esboço.

O cochilo veio vindo por causa da tarde encalorada e também pela barriga cheia do almoço feito e deixado por Nicinha. Ele queria tanto sonhar. Sonhou. No sonho conversava com o defunto Brás Cubas, os dois discutiam seriamente sobre a conduta humana, discorriam sobre o mal e o bem, a falta ou não de caráter, a moral.

– Jonas, amigo!

– Meu Deus! Um pobre velho não pode cochilar mais nessa terra? Vou começar a passar a chave. O que faz aqui seu trancinha?

– Ora, é assim que recebe seu melhor amigo? Fiquei preocupado, foi somente isso, não quis fofocar.

– Mas fez, não é? Peço um favor e pimba! Todos sabem.

– Bem que eu disse ao João que você ia ficar bravo. Deixa de ser assim, você está estranho, não tem ido jogar dominó, vive enfurnado lendo sei lá o quê, e achei estranho mesmo querer ir a outro médico...

– Estranho nada.

– Está sim, eu o conheço o suficiente.

– Não conhece não. Nem eu mesmo me conheço mais!

domingo, 16 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO SÉTIMO

– Alô, João, é Freitas, como está?

– Tudo bem? Aconteceu...

– Calma, está tudo bem, é que seu pai me pediu um favor e achei melhor perguntar para você.

– Ele está bem? Está me escondendo algo?

– Não! Verdade. Juro. É que ele me pediu para levá-lo a outro médico, em outra cidade. Não quer ir ao Jaime.

– Ué, mas por quê?

– Sei lá, achei estranho também, mas ele pediu. Que você acha? Na realidade ele não tem ido jogar dominó com a gente, disse que as pernas doíam...

– Isso ele já havia dito antes, é não sei...

– Mas ele está bem, viu, foi só esse pedido mesmo.

– Está certo, então. No mais...

– Tudo bem João, fica calmo é só isso mesmo, garanto!

– Não sei, vou ligar de noite para ele e depois falo contigo.

– Está bem. Acho que ele vai ficar bravo comigo.

– Não esquenta Freitas, amigo é pra essas coisas...

 

 Naquela noite João ligou para o pai que enfurecido prometeu acabar com a alegria do trancinha do Freitas. “Amigo da onça”, dizia ele ferozmente ao telefone. Jurou ao filho que não era nada e que iria procurar o Dr. Jaime mesmo como de costume, e que aquilo tudo eram manias de velho, como as de qualquer velho que não tem mais o que fazer.

Falou com Pedro ao telefone e soube das novidades do seu neto primeiro e querido, ficou feliz. Prometeram uma visita logo que pudessem, porém, Jonas sabia que isso tudo era mentira, as visitas só viriam no final do ano, e ele já nem pensava mais nisso, seus pensamentos eram puro sonho e fantasias.

 

sábado, 15 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO SEXTO

            Os sonhos nem sempre são de fato aquilo que desejamos, mas muitas vezes, daquilo que precisamos. Naquele fim de manhã, o bom e correto Jonas decidiu que seus devaneios careciam de mais análise, a velhice nos dá a chance de gastar todo o tempo que ainda nos resta com o que queremos. Dá-nos também o crédito de não fazer nada, nada mesmo, aposentadoria de tudo. Se quisermos passar o dia a pensar, enfim.

            Lembrou-se, então, de seus grandes porres. Foram tão poucos que sabia descrevê-los com cuidado real. O primeiro quando entrou na faculdade de Direito, o segundo quando sua primeira mulher Laura morreu, tão precocemente, tão levada pelo acaso, enfim. Não bebia, não fumava, não tinha nenhum vício, exceto o mau humor exagerado e a arrogância de sempre, talvez até exigência da profissão.

            Rememorou sua paternidade. Nenhuma queixa dos filhos. Sabia que havia criado os dois para o mundo e foram. Disso ele bem sabia, e nada lhe aborrecia vê-los somente nas datas festivas ou funerais. Falava semanalmente por telefone com eles e isso bastava. Sentia falta, sim, mas nada que o matasse. Do pequeno Pedrinho, esse sim, seu primeiro neto, não tinha vergonha de admitir (apenas para si mesmo) que era o preferido, sentia muita falta.

            Recuperou seus amores. De fato amou duas vezes. A fogosa Jandira, sua primeira namorada e Laura, mãe de seus filhos. Adelina, coitadinha, essa não foi amor, pura conveniência; também não devia ter gostado tanto assim dele. Amores suaves como a brisa. Sempre respeitou suas mulheres, olhava para qualquer anca que se movesse, mas longe das esposas; trair nunca, sua retidão de caráter jamais lhe permitiria isso. Olhar valia.

            Depois desse apanhado rápido, que lhe custou á tarde inteira, na velhice até os pensamentos vão lentos e tricotados, Jonas pensou no sonho que tivera dia anterior. Não sentia mais incompreensão ou repulsa pelo ocorrido. Voltou a ler, e nesse parágrafo sua cabeça começou a cultivar muitos outros sonhos:

            “A terceira força que me chamava ao bulício era o gosto de luzir, e, sobretudo, a incapacidade de viver só. A multidão atraía-me, o aplauso namorava-me. Se a ideia do emplasto me tem aparecido nesse tempo, quem sabe? Não teria morrido logo e estaria célebre. Mas o emplasto não veio. Veio o desejo de agitar-me em alguma cousa, com alguma cousa e por alguma cousa.”

           

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


 
CAPÍTULO QUINTO
            Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência;”
            Não sabia ao certo se falaria com Freitas, seu melhor e grande amigo, sobre o sonho, seus pensamentos e tudo que tinha sentido na noite anterior. Ficou com uma dúvida imensa. Passava um pouco das dez quando o amigo chegou. Disfarçou até não caber mais na conversa sem rumo que saia de sua boca, tanto que foi deflagrado.
– O que há amigo?
– Não sei ao certo.
– Como assim, está doente, está sentindo algo?
– Não.
– Aconteceu alguma coisa que não me disse?
– É mais ou menos.
– Desembucha homem, estou ficando nervoso.
– Quero ir ao médico, mas não no Dr. Jaime, em outro.
– Ué, como assim? Você sempre vai nele, é o melhor daqui.
– Eu sei, mas... Quero ir a outro geriatra, de outra cidade; isso, de outra cidade, você me leva?
– Sim, mas por quê? O que está sentindo o Jaime não pode resolver?
– Estou pedindo um favor, amigo, não pergunte o motivo.
– Não estou gostando dessa conversa, quer que eu ligue para o João, ou...
– Por favor... Arranje um médico qualquer e marque a consulta, é só isso!
– Está bem, vou fazer. Agora vamos então até a praça, eu ajudo.
– Hoje não, amanhã. Juro que amanhã eu vou. Quero descansar e terminar o livro.
– Certeza?
– Sim.
 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


            CAPÍTULO QUARTO

            O problema de quando se faz uma retrospectiva de tudo que se viveu, não é recordar bons ou maus momentos, é justamente pensar naquilo que não foi feito. As lembranças de menino eram mais fortes agora do que há vinte anos. Lembrou-se do dia em que os garotos foram matar aula para nadar no riachinho e viram a Dona Cândida nua. Ele não foi e não viu. Quantas situações deixou de ver e sentir por ser assim? O bom velho agora remoía os sentimentos em nós, encruzilhados, atados pela angústia que nunca havia um dia sentido.

            A imagem dos peitos em seu rosto causou novo calafrio, o cheiro da moça que rumava em sua direção parecia estar ali, ao seu lado. Começou a suar frio, sentado esticou as pernas e sentiu uma dor absurda. Os músculos, gastos pelos tantos andares e caminhares de mais de oitenta anos, estavam agora tesos e doloridos. Fechou os olhos e respirou fundo. “Que sonho foi esse?”     

– O troco é meu?

– Será que é possível avisar quando estiver entrando?

– Sempre entrei assim, o senhor é que mandou.

– Me assustou, guri.

– Ah! Estava dormindo e sonhando de novo...

– Ponha as coisas lá na mesa da cozinha e obrigado.

– Quer que venha a Nicinha para fazer o café e os pães?

– Não obrigado, eu mesmo me arranjo hoje, quero estar sozinho.

– Está se sentindo bem, Seu Jonas?

– Estou garoto, vá, ande, e obrigado. Amanhã lhe chamo...

– Está bem...

– Garoto!

– Sim senhor.

– Pede ao Freitas para passar aqui amanhã cedo, mas só amanhã, está certo?

 

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO TERCEIRO

– Que foi, que foi, que foi

– O senhor mandou me chamar.

– Moleque porque me acordou, que raiva!

– Ué o seu Freitas que mandou vir aqui!

– Sabe há quantos anos não sonho com isso?

– Com o quê?

– Ah! Deixa para lá. Não acredito. Pega minha bengala.

– Conta.

– O que menino?

– O sonho. Era bom? O senhor estava parecendo morto.

– Já estou quase lá.

– Desculpe não quis dizer isso. É que o senhor estava meio branco.

– Traz aqui a bengala.

– Seu livro, doutor.

– Coloque ali na mesinha. Pegue no pote o dinheiro e me traga uns quatro pães e meio de café. O troco é seu.

– Machado, isso é nome de gente?

– O maior de todos os tempos, essa geração não lê nada. Vai logo antes que feche a padaria.

 

Sentou-se novamente e tentou lembrar-se do sonho. Ficou ofegante e irritadiço. Não conseguia entender o porquê.  Tinha pensado muito na sua vida e nada lhe parecia permitir esses tipos de pensamentos. Ficou confuso. Era tão lúcido que a confusão deixou-lhe assustado e hostil. Quanto tempo ainda à vida lhe daria? O que fazer com esses últimos momentos? A tarde foi comida por todos esses pensares.

 

 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


 CAPÍTULO SEGUNDO

“Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte. Não obstante, se eu não compusesse este capítulo, padeceria o leitor um forte abalo, assaz danoso ao efeito do livro. Saltar de um retrato a um epitáfio, pode ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro, senão para escapar à vida.”

            Jonas fechou o livro sobre o regaço. Relia Brás Cubas. A frase o havia irritado, incomodado, não pelo fato de nas últimas duas semanas ter lido e relido seus romances favoritos, mas certamente pela veracidade dela. Imaginou o que escreveriam em seu epitáfio e riu. “Oremos pelo velho e bom Jonas Matos Silva, bom pai, bom homem, trabalhador digno, fiel cidadão boraense, deixa saudosos filhos, netos e bisnetos”. Riu. “Muito longo, ia ficar caro.”

            Se pudermos dizer que a vida dele foi a mais comum, é verdade. Casou-se duas vezes. A primeira quando ainda morava em Tupã, sua cidade natal. Lá criou e educou os filhos, trabalhando como delegado. Sua remoção para a cidade de Borá deu-se nos anos noventa. Sua mulher havia falecido e seus filhos já tinham ido para São Paulo. A ideia da remoção para outra cidade pareceu-lhe boa. Uma semana depois de instalado, diante da morosidade da cidade, casou-se com Adelina.

            Adelina foi uma boa companheira, mesmo diante da rapidez do encontro, arranjado e acordado pelos dois, ambos queriam por fim á solidão. Ficaram apenas sete anos juntos- tempo também suficiente para que o Senhor Jonas fincasse raízes de fato naquela cidade. De lá não sairia mais, disso ele mesmo sabia. O que se pode dizer é que tinha boas lembranças da sua vida. Nada tinha dado errado, umas ou outras coisinhas, nenhuma tragédia, nenhum grande sofrimento. Uma boa vida.

            Talvez tenha sido tudo isso que tivesse parado os pensamentos do velho homem naquela tarde. A retomada de lembranças e a percepção de que aquela pessoa nunca havia ousado nada. Tudo, absolutamente tudo tinha sido perfeitamente normal. Sua profissão, seus casamentos, sua conduta moral e até religiosa, simples e tradicional.

            Com o livro ainda sobre o colo, ele cochilou. Sonhou que estava num bordel. Duas mulheres peitudas acariciavam seus cabelos. A música era um jazz arrastado, o cheiro de bebida era forte. Em sua direção vinha outra mulher. O perfume dela era delicioso, mas ele não via seu rosto. As duas outras se afastaram ao sinal daquela que vinha. Ele não via seu rosto. A mulher sentou-se em seu colo e o beijou.

– Seu Jonas acorda, acorda...

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO PRIMEIRO

A velhice é o fim. Ela é o término de tudo, é o olhar para trás e saudosamente abanar os braços dando adeus a tudo que você tem a tudo que fez e principalmente ao que foi. Além dos guardados empoeirados valores, guarda-se a lembrança, os desvios, os prazeres, as maldades e claro os amores se os tivemos.

Senhor Jonas tem oitenta e cinco anos, viúvo de duas mulheres, vista muito boa para a idade; pernas fracas e emperradas; pai de dois filhos, quatro netos, e um bisneto. Mora só, na pacata cidade de Borá. Filhos foram todos para capital, fugidos da vida comum e banal. Atualmente apenas o telefone une essa família.

Na última semana, Senhor Jonas não conseguiu mais ir para a praceta jogar dominó. O fato inusitado deixou seu amigo mais próximo Freitas, preocupado. Foi ter com ele satisfações do por quê.

– Homem o que aconteceu?

– Emperraram as malditas.

– Quem?

– Minhas pernas ora.

– Quer ver o doutor?

– Nem pensar, logo voltam, é só esperar. Vou ler um pouco, isso ainda posso!

– Está certo disso?

– Pode ir sossegado, só me faz o favor de pedir ao moleque para vir aqui, preciso de uns pães e café.

– Eu trago.

– Não quero ser estorvo, e, além disso, o menino me ajuda, também há interesse nos trocados que lhe dou.

– Sentimos falta do companheiro de jogo.

– Nem tanta, sempre há um para ocupar nosso lugar.

– Está ranzinza, que mau humor.

– Estou velho! Não entenderia, tem quase doze anos a menos que eu, e nessa fase isso faz muita diferença.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

SEM TÍTULO É O TÍTULO


Hoje estava tão, mas tão sem inspiração para escrever...

Por um momento pensei até em republicar algo antigo que os leitores tivessem afundado no esquecimento. Depois, pensei em me obrigar a escrever qualquer coisinha mais simples mesmo. Por fim uma paródia de mim, quem sabe. Já irritada, lembrei-me daquele recurso dadaísta e corri para o dicionário. Uma palavra poria fim à minha angústia, quem sabe.

Veja lá a ironia: imaginativo s.m. 1 que(m) tem muita imaginação; adj. 2 que devaneia; sonhador.

Veja lá a “porrada” do acaso! Minha irritação ficou completa. Merecia mesmo essa brincadeirinha “non-sense” do destino ou da minha própria falta de inspiração, de imaginação, de devaneio... Se era justamente lá que eu estava procurando a tal.

Fechei a droga do dicionário e então pensei nesse recurso pseudo-metalinguístico de falar da própria desgraça poética. Tentei esboçar uns versinhos sobre a palavra em questão, veja só:

Imaginativo

Nativo

Da imagem

Pura visão!

Achei ridículos. Estão aqui apenas para compor a argumentação desta crônica.

Abri novamente o dicionário, quem sabe assim não consigo tema melhor. Minha mão oscilava entre o fim ou o começo. Não sabia se queria para os as, ou zês da vida. Arrisquei o meio e pimba!

Escafeder-se!

Juro.

Escafeder-se: fugir apressadamente; safar-se.

Depois dessa, caro leitor...

Isso.

 

 

domingo, 2 de setembro de 2012

CALOTE POLAR


CALOTE NO PAÍS

ESTÁ COMUM DE VER

CALOTE NA POESIA

É VERSO SEM PRAZER

CALOTE NA NATUREZA

É ÁGUA DERRETER!

 

CALOTE NA POESIA

É ÁGUA DERRETER

CALOTE NA NATUREZA

ESTÁ COMUM DE VER

CALOTE NO PAÍS

É VERSO SEM PRAZER!

 

CALOTE NA NATUREZA

É VERSO SEM PRAZER

CALOTE NO PAÍS

É AGUA DERRETER

CALOTE NA POESIA

ESTÁ COMUM DE VER!

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!