CAPÍTULO SEGUNDO
“Que há entre a vida e a morte? Uma
curta ponte. Não obstante, se eu não compusesse este capítulo, padeceria o leitor
um forte abalo, assaz danoso ao efeito do livro. Saltar de um retrato a um
epitáfio, pode ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro,
senão para escapar à vida.”
Jonas fechou o livro sobre o regaço. Relia Brás Cubas. A
frase o havia irritado, incomodado, não pelo fato de nas últimas duas semanas
ter lido e relido seus romances favoritos, mas certamente pela veracidade dela.
Imaginou o que escreveriam em seu epitáfio e riu. “Oremos pelo velho e bom
Jonas Matos Silva, bom pai, bom homem, trabalhador digno, fiel cidadão
boraense, deixa saudosos filhos, netos e bisnetos”. Riu. “Muito longo, ia ficar
caro.”
Se pudermos dizer que a vida dele foi a mais comum, é
verdade. Casou-se duas vezes. A primeira quando ainda morava em Tupã, sua
cidade natal. Lá criou e educou os filhos, trabalhando como delegado. Sua
remoção para a cidade de Borá deu-se nos anos noventa. Sua mulher havia
falecido e seus filhos já tinham ido para São Paulo. A ideia da remoção para
outra cidade pareceu-lhe boa. Uma semana depois de instalado, diante da
morosidade da cidade, casou-se com Adelina.
Adelina foi uma boa companheira, mesmo diante da rapidez
do encontro, arranjado e acordado pelos dois, ambos queriam por fim á solidão.
Ficaram apenas sete anos juntos- tempo também suficiente para que o Senhor
Jonas fincasse raízes de fato naquela cidade. De lá não sairia mais, disso ele
mesmo sabia. O que se pode dizer é que tinha boas lembranças da sua vida. Nada
tinha dado errado, umas ou outras coisinhas, nenhuma tragédia, nenhum grande
sofrimento. Uma boa vida.
Talvez tenha sido tudo isso que tivesse parado os
pensamentos do velho homem naquela tarde. A retomada de lembranças e a
percepção de que aquela pessoa nunca havia ousado nada. Tudo, absolutamente
tudo tinha sido perfeitamente normal. Sua profissão, seus casamentos, sua
conduta moral e até religiosa, simples e tradicional.
Com o livro ainda sobre o colo, ele cochilou. Sonhou que
estava num bordel. Duas mulheres peitudas acariciavam seus cabelos. A música
era um jazz arrastado, o cheiro de bebida era forte. Em sua direção vinha outra
mulher. O perfume dela era delicioso, mas ele não via seu rosto. As duas outras
se afastaram ao sinal daquela que vinha. Ele não via seu rosto. A mulher
sentou-se em seu colo e o beijou.
– Seu Jonas acorda,
acorda...
2 comentários:
marli, não dá para escrever tudo de uma vez?, é para deixar o leitor com mil pensamentos...será que ele tem um sonho que nunca se realizou? ai,,,só amanhã....o jeito é esperar.......my
HAHAHAHAHA ADOREI DIZEM QUE A PARTE MAIS DIFÍCIL PARA UM ESCRITOR É A CRIAÇÃO DA EXPECTATIVA: EI-LA!
BJS
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