quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ATENDENDO AOS PEDIDOS

PUBLICO AQUI CAPÍTULO DÉCIMO E CAPÍTULO FINAL DO CONTO UM SONHO APENAS, AGRADEÇO A TODOS QUE ACOMPANHARAM COM EXPECTATIVA AS PUBLICAÇÕES DIÁRIAS.


CAPÍTULO DÉCIMO

O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se estende para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.”

            Para o velho, bom e honesto Jonas sua ideia fixa de cumprir a risca o sonho não lhe parecia imoral, tampouco necessária de novos julgamentos. Não deixou que Freitas os fizesse e também lhe pediu o juramento do segredo. Na realidade, todos os julgamentos que fizera nesses dias todos o abonavam para tais atitudes. Iria sim.

            Freitas ficou de investigar o local e o remedinho. Senhor Jonas tratou de jogar a bengala fora e foi caminhar. O que é o estímulo senão a fruta mais no alto, bela e doce, pronta para ser colhida não importe sua altura? Assim com bengalas aposentadas o homem caminhou, jogou dominó pela tarde toda e sentia suas pernas doloridas e desemperradas.

            Durante a semana, os amigos iam acertando os detalhes da trama, Freitas havia achado o local em outra cidade. Precisou de algumas mentiras para enganar sua mulher e disse que levaria Jonas em um novo médico de outra cidade, pedido feito pelo João. O mais difícil foi comprar o remédio, mas o que não se faz por um amigo.

            Combinaram por telefone com a dona do bordel o preço e as condições de um cliente muito especial. Muito mesmo! Jonas descreveu duas das moças do sonho e disse que a terceira não tinha conseguido ver o rosto. Afirmou que confiava no gosto da senhora, mas a terceira havia de ser uma perfumada, muito perfumada. A mulher ria do outro lado da linha.

            Naquele final de tarde, o velho e bom Jonas arrumou-se num terno preto e bem alinhado. Usou a melhor colônia. Olhou-se no espelho, riu para si mesmo. Viu na imagem o moço, o homem de antes. Sentiu-se tão jovem, tão rebelado da alma como o mar em dia de arrebentação. Remorsos? Nenhum. Dúvidas? Nenhuma. Sensações: todas!

– Seja bem vindo!

– Amigo venho buscá-lo amanhã cedo! A senhora, por favor, me telefone se...

– Obrigado Freitas, pode ir, vá amigo, estou em ótimas mãos, não é mesmo!

– Fique tranquilo senhor Freitas, cuidaremos dele como a um bebê.

– Imagino...

CAPÍTULO FINAL

 

– Sr. Jonas acorde, acorde. Está na hora de ir...

– Nossa! Eu não morri...

            Senhor Jonas não só não morreu naquela noite deliciosamente vivida entre ele e suas amantes como viveu muitos anos ainda, precisamente mais nove. Não precisou repetir a façanha porque agora ele saberia que perderia todo o sentido. Preferiu ficar com lirismo e romantismos conseguidos naquela madrugada, inclusive porque agora a mulher do sonho tinha um rosto e um belo rosto. E sua vida um arremate incrível!

            Naquele final de ano, sua família veio para as festas de Natal. Ninguém notou nada, exceto Pedro seu neto que o achou diferente. As afinidades são únicas entre algumas pessoas, pode-se até amar de maneira igualitária a todos, porém a afinidade é o tempero mais sublime do amor. Decidiu que talvez um dia contasse o feito ao neto, mas receava algum julgamento. Não contou.

            Seu Jonas foi encontrado morto na sua cadeira de leitura. Tristemente quem o achou foi outro garoto (o anterior havia crescido) que o chamou sem resposta. O menino chorava feito louco, pelo velho, é claro, pelo corpo inerte e talvez pelos trocados agora perdidos. Nicinha aos prantos chamou Freitas.

            Morte linda! Ali recostado, com o livro aberto deitado no colo. Morreu de velhinho mesmo que estava. Freitas chegou e ficou ali parado por um tempo longo, segurando a mão do amigo. Seu semblante era doce e tranquilo. Sua amizade eterna. Não chorava, mas acariciava os dedos gélidos numa tentativa última de despedida.

O livro recolhido eram as Obras Completas de Machado de Assis. Freitas guardou consigo o livro e o segredo.

            Muita gente foi ao enterro. Na lápide os filhos e o amigo Freitas mandaram colocar um belo epitáfio, longo e digno do pai: “Saudades, amor e descanso em paz para Jonas Matos Silva, amado pai, bom homem, trabalhador digno, respeitável cidadão boraense, deixa saudosos filhos, netos e bisnetos, parentes e amigos”.

            Lá do céu o Senhor Jonas riu, riu muito!

 

 

 

 

 

 

 

NOTA

Os trechos em itálico foram retirados do livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis; Obras Completas; editora Nova Aguilar, 1962.

 

DEDICATÓRIA

 Dedico esse pequeno e modesto conto ao meu grande Mestre Machado de Assis, grande inspiração em todos os momentos de minha vida.

Marili de Carvalho Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

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