O portão era cinza, e beirava os dois metros, ocupando toda a extensão da casa da Rua Dom Bosco. As grades largas do portão eram propositais, o olhar entrecortado podia desvendar um jardim bem cuidado e prepotente. Cada planta ocupava seu lugar; do canteiro das bromélias raras até o despudor das marias-sem-vergonha permitiam ao transeunte vislumbrar-se com tamanha beleza.
Em meio às jabuticabeiras, ainda verdes e grudadinhas, uma garotinha, cacheadamente loira, nos seus dois anos, se sujava! Recolhia sei lá o que, daqui para lá, e compunha, a quem passava pelo portão, parte da paisagem colorida. Para alguns imagem desapercebida atrás do jasmim-manga escondida nas florezinhas brancas e perfumadas, porém, para outros não.
A certa altura da tarde, um bêbado enquadrou sua face vermelha pela embriaguez nas grades acinzentadas do vergel e passou a admirar a menina. Contemplativo, seguro de seu olhar, o pobre homem, resmungava alto, contudo, como que para si: É um anjinho! Que linda!
A pequena mocinha, contrariando todas as normas cerimoniais, num gesto egrégio, encostou as mãozinhas na grade, rosto quase colado ao ébrio, (que por um segundo se afastou, incrédulo), e pôs-se a sorrir. Ambos sorriram.
O instante durou o suficiente para eternizá-lo em minha memória. O instante, suficiente para que o pai delicadamente arrancasse a garotinha cacheada das grades e carregasse-a, desculpando-se sei lá do que, sumindo casa à dentro.
O homem saiu devagarzinho, segurando grade a grade, esbandalhado; teve tempo ainda de balançar as mãos para cima, limpar os olhos, que julguei serem lágrimas e se foi. Acompanhei até que dobrou a esquina.
Voltei meu olhar para o verdor daquele jardim, daquela menina e de mim mesma.