segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

VERDOR ( PARA GABRIELA)

O portão era cinza, e beirava os dois metros, ocupando toda a extensão da casa da Rua Dom Bosco. As grades largas do portão eram propositais, o olhar entrecortado podia desvendar um jardim bem cuidado e prepotente. Cada planta ocupava seu lugar; do canteiro das bromélias raras até o despudor das marias-sem-vergonha permitiam ao transeunte  vislumbrar-se com tamanha beleza.
Em meio às jabuticabeiras, ainda verdes e grudadinhas, uma garotinha, cacheadamente loira, nos seus dois anos, se sujava! Recolhia sei lá o que, daqui para lá, e compunha, a quem passava pelo portão, parte da paisagem colorida. Para alguns imagem desapercebida atrás do jasmim-manga escondida nas florezinhas brancas e perfumadas, porém, para outros não.
A certa altura da tarde, um bêbado enquadrou sua face vermelha pela embriaguez nas grades acinzentadas do vergel e passou a admirar a menina. Contemplativo, seguro de seu olhar, o pobre homem, resmungava alto, contudo, como que para si: É um anjinho! Que linda!
A pequena mocinha, contrariando todas as normas cerimoniais, num gesto egrégio, encostou as mãozinhas na grade, rosto quase colado ao ébrio, (que por um segundo se afastou, incrédulo), e pôs-se a sorrir. Ambos sorriram.
O instante durou o suficiente para eternizá-lo em minha memória. O instante, suficiente para que o pai delicadamente arrancasse a garotinha cacheada das grades e carregasse-a, desculpando-se sei lá do que, sumindo casa à dentro.
O homem saiu devagarzinho, segurando grade a grade, esbandalhado; teve tempo ainda de balançar as mãos para cima, limpar os olhos, que julguei serem lágrimas e se foi. Acompanhei até que dobrou a esquina.
 Voltei meu olhar para o verdor daquele jardim, daquela menina e de mim mesma.  

sábado, 29 de janeiro de 2011

SURPRESA

A surpresa é efêmera,
dura apenas o tempo de não sabê-la.

A surpresa é um acaso,
sobrevive apenas da duração da conspiração.

A surpresa é a morte,
perdura na esperança remota da lembrança.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

INQUIETAÇÕES DO GUILHERME (PARA O GUI DA MAMÃE)

O que é quântico?
Nossa como esse lugar é sombrio!
O nome do Deus da morte é Anubis.
Isso que você disse é uma metáfora.
Qual é o nome mesmo daquele ser unicelular?
Você vem sempre aqui?
Os neutrinos existem na água.
Caim matou Abel, essa foi a primeira morte da história da humanidade.
Gabi, eu te amo.
Da onde vem a eletricidade do raio?
Nossa como você é mal-educada!
Isso é inércia.
Não, a vovó Inês morreu, ela não virou estrelinha,
estrelas são corpos celestes!
Aliás, uma estrela estava orbitando outra, e aí elas causaram um
efeito estilingue...

PUNDONOR

ACERTOU COM TIRO
DE CHUMBINHO
A VADIA E O GARANHÃO
E AINDA POR CIMA
FOI PARAR NA DELEGACIA.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

HAICAI DA DÚVIDA

O rio verde
talvez talvegue
pela tarde adormecida!

Olhos míopes

Cantina dos músicos, Leandro canta e não consigo entender a música, pois Enrique chora junto ao André um clarinete. Enquanto os dois continuam a clarinetear meu olhar cruza os olhos vivazes, serenos e doces de Márcia e meu corpo se lança num abraço saudoso e sincero.
Olho para o Fábio Roberto e começo a suar frio. A Kodak veio. Já haviam tomado algumas cervejas, tento beber logo para amenizar o sofrimento e a angústia da maquininha a minha frente.
Leandro sorri para mim e meu coração agradece. Ainda aflita não reconheci a melodia, mas isso não importa, sua voz me sorri e começamos a rir do todo. Volta Carlão. Numa tequila imaginária Carlos  e eu esguichamos limão nas lentes. Meu intuito era atingir as oculares da velha Kodak e oxidá-las para que meu pavor chegasse ao fim. Em vão limpo minhas lentes e decido ficar míope.
Finalmente, salva por um átimo, Márcia delineava-se no palco de mãos dadas com Leandro. Agradeci por estar ali, com aquela gente toda, entregue, simplesmente unida e tão diferente, mas urgente no querer sentir.
Jairo aponta e tenta sorrir; ofereço batata-frita e Jorge Bem Jor, porém ele recusa. Prefere ir com a Rô dormir. Ela me beija com uma ponta de ficar. Volta Rô! André passa. O garçom quase recolhe meus óculos e meu olho míope escuta Valsa Brasileira, quase chora. Sinto uns flashs brilharem e quebrarem meu silêncio. Maldita conspiração! Thaty me beija antes de capturar mais um retrato indesejável de minha alma e me entrego á doce Thaty.
Carlão pensa em sua consorte; Fábio borbulha Márcia e bêbada, beijo Enrique, certa de que já o conhecia mil anos antes de conhecê-lo.
Click! Que maçada! Entrego-me. Ufa, minha Sarah chega. Ensina-me como disfarçar uma foto. Acostumou-se. Ensina-me mais, ensina-me a querê-la cada vez mais e assim trocamos afetos eternos naquele bar.
Leandro Tem Fome. Márcia também. E entre uns cigarros e outros Celi lembra que alguém tem que trabalhar nessa casa e mesmo cansada samba, com promessas de replay.
Os olhos luzeiros de Fábio Roberto se perdem no ontem-amanhã. Meu olho divergente tenta captar seus sentimentos e o tempo pára para nós dois. Ele na busca da sua eternidade e eu no entendimento.

“Olha o passarinho!”
Nossa foto ficou boa. É um sofrimento acabar em foto. Temos que ir. Não quero que acabe. Meus olhos ganham óculos e sinto a dor da despedida. Porque ali não era eu, éramos nós.

domingo, 23 de janeiro de 2011

MINI-CRÔNICA

         O famoso lambe-lambe  e sua potente Kodak entram num recinto...
         A luz não importa, nem sequer é necessário um refletor para que seus dedos ágeis e duros apertem o botão e um flash sorridente capture o instante.
         No seu transtorno-maníaco-compulsivo-obsessivo, obseda na imaginação o melhor ângulo da figura que se move em sua frente. Atenção! Um corpo que chega, uma lingüiça que se movimenta, um rosto que lamenta, uma boca que canta, um instrumento que toca, o rebolar dos quadris, a pose da moça, um fotofóbico que balança e o cão que ri. Não há objeto para a objetiva que retrata o indelével.
         Como se não bastasse, o impávido fotógrafo precisa também ser parte da sua sétima ou décima arte, e num revés desesperado, em toda a loucura, procura um regra-três que com seu dedo substituto em riste, faça surgir num “click” a imagem congelada do exímio-louco que lhe sorri.
         E todos os instantes não revelados,  nem coloridos tampouco pretos e brancos se avolumam nas páginas solitárias virtuais, a espera de um outro olhar, que saudoso relembre o momento e gargalhe ou chore ou...
         Lá vai o famoso lambe-lambe produzir suas fotos-legenda.
         “E não é que você ficou bem na foto”.

sábado, 22 de janeiro de 2011

MAS É CARNAVAL

É sempre carnaval; só trocamos as fantasias.
Vai me dizer que não está agora em cima do carro alegórico, prestes a cair.
Ou ainda, está assistindo a escola passar antes ou depois do tempo estipulado por Deus.
Cuidado ou a bateria atropela-te.

PÉSSIMO CONSELHO

Sem Deus no meio.
Vou tentar ler suas imprecações sem tentar fazer papel de almaço ou de tia velha.
Quem sabe passo merda na minha cara.
Desculpe-me, não era para “desconvencer” tamanha sabedoria divina engessada.
Pensei que meu conselho se tratava de um estro na sua vida. Enganei-me.
E lá vou eu...                                                                                          

RENDA

O entremeio entre a vida e a morte não são as besteiras,  são sim as tentativas!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Olhar xadrez

    A criança olhava para mim tão profunda e estranhamente, que confesso tinha medo. Cabelos curtíssimos, nem gorda nem magra, toda castanha. Na aparência era a mais normal das crianças.
      - É sua vez Rafa. 
     O menino levantava e passava me olhando antes de entrar no consultório; Isso acontecia todas às quartas-feiras, as sete da noite, nesses últimos três meses. Nem uma palavra, nem para mim, nem para sua mãe, nem para Dr. Fonseca.
     A porta abria-se depois dos cinqüenta minutos cravados e... 
     - Até semana que vem Rafael. Espero você para conversarmos mais..._ dizia, Dr. Fonseca, sempre que o garoto emudecido saía da sala. 
     Sabemos todos, porém, que Rafael, não só não dizia nada, há exatos seis meses, como também, não falava na escola, nem em casa, nem com os pais, ou com a irmã. Não tinha motivo aparente para tal acontecimento: nada de traumas, sem doenças, nada, absolutamente nada. Apenas um transe, uma mudez calada, um sei-lá-o-quê inexplicável.
     Ninguém ouviu sua voz depois de um dia qualquer, que a mãe não mais se lembra, e que só botou reparo quando a coisa ficou mais séria e perceptível. O fato é que muitos doutores, professores, benzedeiras e amigos tentaram antes do Dr. Fonseca, dantes nova esperança, que hoje já estava velha, visto que o menino não balbuciou nem um a.
     De todos os pacientes que eu cadastrava, fazia ficha, nesses longos anos com Dr. Fonseca, nada me pareceu tão assustador e insólito.
     -O senhor tem certeza que ele não é autista, ou sofreu algum trauma e não quis contar.
     - Pelo que a mãe disse, trauma, nenhum, e claro, ele não é autista, ele interage comigo, olha no olho, como se eu tivesse culpa de algo. Semana passada jogamos xadrez, não lhe contei?
     - Não, incrível Dr., e ele disse...
     - Nadinha.
     -Nem xeque-mate?
     - Não terminamos, hoje ele não quis nem jogar. Estamos na mesma partida há um mês e creio que ele não quer terminá-la.
     _-Vai perder o paciente, a mãe trocou idéia com Dona Olga e disse que o Sr. não estava acertando. Dona Olga insistiu que esperasse, pois o doutor sempre resolvia, ela que gostava de uma terapiazinha mesmo e estava ali a anos e nem pretendia deixá-la; Mesmo com alta.
     - Não sei mais o que tentar... 
     E o pobre homem sumiu pelo corredor.
     Entrei em sua sala e vi a mesinha com o tabuleiro. Arrumei as coisas, recolhi o lixo e as fichas atendidas, fechei as cortinas. Quando voltava, retirei uma das peças brancas, um cavalo, que estava ao lado da cadeira, no chão. Escolhi uma das casas e coloquei a peça. Fechei o consultório silenciosamente.
     Minha quietude durou muitos dias, tentando entender a alma humana. Mantinha uma tristeza vaga e persistente. De todos os casos, esse ardia, porque era incomum, beirava a insolubilidade, num ser que nada tinha vivido ainda, tão pequeno, verdinho, verdinho das depressões cotidianas e dos desprazeres.
     Na quarta-feira que se seguiu, depois do garoto entrar, sua mãe se dirigiu a mim e perguntou quanto devia.
     -Acerte no final do mês.
     -Vou levá-lo a outro lugar, é que você sabe, não está  resolvendo. Estou enlouquecendo! Meu marido não quer mais saber, disse que a culpa é minha, estou desesperada e não sei o que mais fazer.
     - Entendo. A senhora é quem sabe. 
     Enquanto preenchia o cheque, ouvimos de dentro da sala: 
     - Eu disse que não é aí. O cavalo não estava aí. É  na casa h - 5. 
     Rafael gritava, aos berros, urrava, vomitava palavras, altas, sonoras, ecoantes...
     A mãe rasgou o cheque e trocamos um largo sorriso.

A menina com nome

( Para Lola)


Nem nome de música
Muito menos de revista
Eu leio e ouço, apenas
A menina; Lola.

Tantaliza a lente turva
Um olhar de brandura
Intensa e tamanha...
 A doçura; Lola.

Por que ganhar a poesia?
Apenas por um olhar?
É que é digno de maestria
Aquele olhar que sangria
Meu arrevessado dia-a-dia!

Marili de Carvalho Santos

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

INSTINTO DE PRESERVAÇÃO DA ALMA ALHEIA

Espero que goste e sirva.
Nossa, que linda você está hoje.
Não, eu juro, eu adorei, inclusive a cor.
Diz que saí e volto logo.
Não, obrigada, mas estava uma delícia.
Gozei.
A papelada está pronta, entretanto...
Desculpe, não pude ligar estava viajando.
Emagreceu, heim!
Sim, já enviei, não recebeu?
Enquanto juntos, sempre te amei.
Você não aparenta a idade que tem.
Li e achei incrível, principalmente aquela parte, qual é mesmo...

TANTALIZAR


ARRASTA O MAR
MASTRO CAÍDO
O SOL QUEIMA
UM CORPO QUE BOIA.

NENHUM TEMA É TÉTRICO PARA A POESIA PUTREFATA

A MENINA CRESCEU

A menina praguejava
Apertava uma espinha
Que preguiçosa teimava
Em marcar o semblante
Da adolescência.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Meu Deus, como responder a um intróito desses!
            Não sei se tento ficar nas alturas, ou se desço até os tojais. Enfim, essa nossa prosa é realmente benvinda (assim mesmo junto e com n já que esse hífen ficou  ínfimo) seja para agradar ou reclamar, contar ou ouvir, relatar ou regurgitar, caturrar ou socializar, enfim cabem todos os verbos nessa nossa verborragia.
De concha nada tenho; tens a pérola, aí em tuas mãos, já formada, de tanta areia que a arranhou. Portanto, sabes tudo, ou quase tudo; creio sim até que de tanto me-nos conhecermo-nos, sabes até o que está por vir.  Nesse exato momento em que terminei de ler o que me escreveu você, choro. Sua carta não é só bela pelo todo que traz em suas entrelinhas despidas, mas é bela pelo escritor que dela emerge. Obrigada.
            Agora depois de lê-la mais duas vezes insuficientes, talvez, posso dizer que nunca concordei tanto com algo, discordando, assim, tão concomitantemente assustador, antíteses de sensações. A saber: faz tempo que não vejo tamanha injustiça; leio tanta baboseira, tanto escritorzinho, minha emoção pelas tuas escrituras é real, cheia de crítica e senso, e de fato, você chegou a uma maturidade de vocabulário, de construções e imagens que me perturbam, são poemas-axiomas, pulsam sozinhos, invadem e nos confrangem.
Outro ponto é sua música, nessa mesma proporção, com uma perspectiva distinta, não menos intensa, apenas diferente, que incita e castiga, nos obriga à cultura que traz em si e pode ser por isso,   distante, tão distante dos ouvidos comuns.
Concordo com tudo que disse, vejo meu reflexo em você, tenho necessidade de ver, ouvir, falar com você, doença contagiosa, minha água, é isso: você é minha água.
Concordo com o vender-se, com o foda-se todo mundo, só confesso que tenho medo disso: o reconhecimento só vem depois de dormirmos com dois ou três, depois que cuspimos e fomos cuspidos, depois que nos vendemos um bocadinho. Não quero que o reconhecimento do teu trabalho venha de quem te ama. Calma escute-me: quero que o reconhecimento venha daquele idiota, o babaca mesmo, o mau-caráter que está dando o braço a torcer por te ler, ouvir tocar.
Sei lá, muitas vezes com um pouco de experiência que a gente acredita que tenha, eu não sei o que dizer para nós-você-eu-mim. Que coisa. Esse nosso desmedir-se. Preciso pensar um pouco, pensar em parar de te cobrar essas formalidades, não sei se vou conseguir, concordo-discordo. Preciso pensar...
  Você tem cabedal para qualquer neologismo. Você não precisa saber o antônimo de espontâneo, pois o é.
 E sua organização é mais aparente do que pensas.
 Embeba-me sempre. Meu amigo e poeta.







SINTO MUITO

O leitor entenderá  porque quero falar da tristeza hoje.

Ela está aí, nos olhos de uns, perambulando nas letras de sambas de

outros, passa rapidamente na vida de alguns, já dos menos afortunados,
 instala-se, como vírus nos computadores.

Sempre –a tal- aparece nos textos, mascarada, velada, ambiciosa por

crescer nas tramas, dentro das personagens, que a sentem compulsoriamente,

provocando nos leitores aquele sentimentozinho, (matéria- prima do escritor)
aquela coisa sem explicação.

 Isso sem falar nas novelas, soberana, ela fulgura em

todos os capítulos e via de regra é usada nas cenas dos próximos...

Mas, não é dessa tristeza litero-musical que gostaria de dizer, é àquela,
que sinto, sentimos, quando em vez.

Que tantas vezes nos revela em tragédias,

perdas, desassossegos, crises existenciais, notícias ruins, azares, mal-entendidos,
ou assim do nada.

Não conseguimos medir, apenas sentir. Vem e pronto.

Não se trata só de não se ter alegria, temos e muita. Porém é preciso ter
muita para se driblar a tristura.

Nos esforçamos dia-a-dia; sorrimos, partimos para

outra, afogamos as melancolias, compomos triolés-tristes, aparamos as lástimas.

De fato, o ser humano passa a vida tentando não senti-la.
Como?

Inevitável.
Então, seria aceitá-la, assim meio consternado, que ela, sim

é necessária, dona de si, veio para não pensarmos que tudo acabou, e que

precisamos de um dia melhor, alecrim, um sol acalento, café, uma idéia de mundo

melhor, comer, uma perspectiva, calor, um ângulo novo e claro, paz, como não

podia faltar, amor, a luz no fim do túnel, criar.

Ironia, já me sinto melhor...
Sinto muito.

DESAFIO

LÁ VAI O MANCO
COCHO- MORNO

SUAVE BOCHORNO
NA MANHÃ CHAGADA

NÃO DORMIU O BRONCO
CARREGA A CHAROLA

E CHORA.......
E CHORA.......
UM TREMENDO SANTARRÃO!!!


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Para um grande amor

TRASANTONTEM II (Para Enrique Gabriel)

O marujo atraca no terceiro navio e
a noite despenca no cais iluminado.
Limpo a areia da perna, enquanto
aproveito para me perfumar.

Ainda com o cheiro do fumo e óleo
nas barbas perfiladas e espessas
o velho pexote, náufrago, louco
me beija só com o olhar.

A madrugada move as turbinas
da nossa nau, em corpos que
naviformes seguem brandos
prá nunca mais voltar!

Marili 

PARNASO



(Para Leandro Henrique, enfim...).


Quantas escolas literárias
rompes-te?
Quantas palavras descobertas
escreves-te?
Quantos versos declamados
disseste?
Parnaso o menino cresceu...

O anjo-passarinho voou.
E pousou na melódica escala das letras
débil, bravateou, urrou
e vomitou todos os sapos.

A que escola literária pertences?
Qual classificação lhe propuseram?
Quantas virgens-santas você deturpou?

Um malandro que amealha versos,
 enlouquece a poesia,
 infanticídio e cruel, você a domina.

Qual conjugação você usou?
Que regras você recusou?
Amasio de todas você,
cospe, lambuza, gasta toda a poesia.

“Seu modernistazinho barato...”
Acha que convence com essa prosa clássica, barroca, ode cancioneira na louca paulicéia?

Não, não me usa mais,
palavra,
nem uma linha em si bemol, romântica.
Não pertence à classe nenhuma -seu merda-, és um parnaso na alma
e eu me dou por inteira!



Marili ,madrugada de 2010.

Trilogia grega


Ao semideus

Para um homem semi
Homem deus
Resta o deus
sobra o semi.
Para uma Helena
Ariadne Semele
Só o semi não basta
Há de vir um Deus
Que abra a concha
E faça surgir
à pérola.


Acordes


Acorda a Acrópole desnuda
Helena, acorda, acordes.
Há música e máscaras
O tempo chamou Lena.

Acorda, acordes, o par
O fio entrededos, desata
Helena, desnuda, a pérola
Cai entreventre Cronos.

O tempo chamou Lena
Há música, meu amor;
Vai-e-vem, balbucia
teu nome, cai a máscara.

Acorda, acordes, o semivéu
semiamor, o tempo sussurrou
Lena, anda, ata, nua, sua
Cai à pérola, a música há.

O tempo chamou... Vem.
Acordes, agora, nada
Há a máscara, pega, ata
a Pérola Helena.





Heras

Heras...
Que Tebas?
Qual Acrópole?
Que Semele desenganada
Coroa Helena de heras.

Bacantes embriagadas
Curvam-se, imundas
Inertes roubam as heras
as pérolas e as castas.

Que Semele enganada
Dera as Helenas, pétalas
As tebas arqueadas, guiam
Baco surdo até elas.

Que tempo?
Heras
Cronos perturbador
Traz um embrechado
E contempla, calado
O ventre de Helena.
Que Semele
Que Tebas
Que nada.
Helena acordou!




Carta ao amigo poeta



           Preferia mesmo, meu grande, velho-novo, amigo, olhar nos teus olhos e poder conversar, sem hora, sem paradas, até cansar a voz e esvaziar os pensamentos, MAS, (como eu odeio as adversativas) a vida emperra "nucotidiano" e só nos restam as letrinhas miúdas.
Não sei bem se gostei do que me perguntou, acho que definitivamente não, subi no ônibus. Além do que, não está perfeito; acho que você poderia fazer um palíndromo metalinguístico, eu explico, falar do próprio versoinverso, direitoesquerdo, frentetrás... É mais sua cara.
Pensei em você quase todo dia e não sabia o porquê. Talvez aquela coisa da sincronia, que sequiosamente procuramos na vida, você escrevendo e eu pensando em falar, escrever e tum, nos esbarramos, ainda bem.
Você me fez lembrar de um conto de Tchekhov, chamado a Primavera, leitura quase obrigatória, não tudo dele, alguns contos, esse em especial, depois entenderás. O grande amor está bem, é um grande amor mesmo, já que tenho determinadas vezes vontade de matá-lo, esganá-lo e não o faço. Digamos que estamos na fase do morde e assopra, há um certo desgaste, mas se a parede não descasca não vemos os afrescos, (Nossa! Que metáfora mais-ou-menos).
 Não vou conseguir relatar tudo que tínhamos para conversar, porém, a saúde voltou, e espero que a sua também. Estou um tanto cansada, de algumas questões muito sérias, relativas a caráteres, a modos de ver, a gentes, coisas que discordo, coisas inafiançáveis, e que, nada posso fazer ou mudar, pois estão pregadas no mundo: terríveis injustiças e enganos. Nada que uma carta possa explicar, era só para responder como está o coração: esfarrapado.
Paradoxal seu texto. Calo-me ou continuo. Não sei. Realmente agrada-me muito ser seu Redbull-literário, porém, ao ferir as palavras firo-me. Minha mãe tem uma história engraçada. Foi obrigada quando mocinha a aprender a costurar, pegou o diplominha. Sempre odiou costurar e até hoje quando caseia ou cerzi, reclama, "isso é autopunição". Comigo é algo parecido, peguei o diplominha e tudo que escrevo parece meio patético, torto, assim como as barras das calças que mamãe costura, umas mais longas que as outras. Então.
Fica complicado, porque percebi que escrevo para você talvez porque você não ligue para a tortuosidade da minha poesia, não há julgamentos e as respostas são acolhedoras. Essa nossa poesia díade (se é que me permite dizer assim) faz-me muito bem mesmo.
Não sei, se-já-consigo-parar-mais...
Você não é mais frio, é mais escritor que eu, nenhuma mágoa ou ressentimento há nisso, apenas inveja aliada ao desejo. E cá para nós estou nua diante de ti meu grande amigo. Deixo escorrer a verdade porque não sou boa nisso. O modo é peculiar, a personalidade transparece, contudo, nada é digno de boa literatura. Você escreve a boa e necessária literatura, não fria, mas casual, contida, com sentimentos da vida que verve, e não do homem que padece.
Não deixo barato e sou brava, não dou chance para o outro descobrir o que é, mas você é diferente: há em você uma simplicidade irritante que o transforma num verdadeiro poeta. Quando arrisco esse jeito de escrever, de provocá-lo, de perguntar e exigir, é só para me deliciar com tuas respostas que sempre me dão um prazer incrível, pois era justamente o que eu gostaria de escrever e não consigo.
Acho que definimos desejo.

Crônica meio por cento

 

       Noventa por cento das “cagadas” humanas são por conta da burrice ou da insegurança. A primeira deve-se a um estado doentio do ser, cuja cura é impossível, é o câncer da mente. A segunda, essa sim, é digna de estudo e observação, possui estágios patológicos, assume relações mercadológicas, estéticas, pueris, enfim...
A maldita associada à carência então, nem se fala, é digna de palhaçadas, entregas estúpidas, ostracismos, exageros; assumindo um antagonismo na alma humana que requer um estudo mais detalhado, do qual nenhum acadêmico consegue decifrar. Ela salga a comida, interrompe o namoro, suspende a pena ou branqueia o papel, atrapalha o trânsito, condena os inocentes e absolve os choldras, esconde os poetas e mentirosos, aniquila o corpo, aumenta os seios, alisa cabelos, provoca os abortos, suspende o chofre.
A perversa aliada à raiva é cruel, desencadeia ódio, fortalece os estragos físicos e emocionais, liberta a maldade e a loucura dos homens. A incompreensível insegurança, somada à personalidade permite que as pessoas convivam com este bem e/ou mal em escalas variáveis. Alinhando situações, bordando decisões e escolhas na tentativa estúpida de conseguir os apenas dez por cento de acertos felizes durante toda uma vida.
          Resta-nos, portanto, entre uma “cagada” e outra - inseguros destemidos ou não, conscientes ou não, intuitivos ou lúcidos - assumirmos que sem ela, certamente, a humanidade se descortinaria no caos das entregas, das verdades absolutas, dos pedantismos exacerbados, das mortes justificadas e muito provavelmente não saberíamos o que fazer com tudo isso!
  

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!