terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Carta ao amigo poeta



           Preferia mesmo, meu grande, velho-novo, amigo, olhar nos teus olhos e poder conversar, sem hora, sem paradas, até cansar a voz e esvaziar os pensamentos, MAS, (como eu odeio as adversativas) a vida emperra "nucotidiano" e só nos restam as letrinhas miúdas.
Não sei bem se gostei do que me perguntou, acho que definitivamente não, subi no ônibus. Além do que, não está perfeito; acho que você poderia fazer um palíndromo metalinguístico, eu explico, falar do próprio versoinverso, direitoesquerdo, frentetrás... É mais sua cara.
Pensei em você quase todo dia e não sabia o porquê. Talvez aquela coisa da sincronia, que sequiosamente procuramos na vida, você escrevendo e eu pensando em falar, escrever e tum, nos esbarramos, ainda bem.
Você me fez lembrar de um conto de Tchekhov, chamado a Primavera, leitura quase obrigatória, não tudo dele, alguns contos, esse em especial, depois entenderás. O grande amor está bem, é um grande amor mesmo, já que tenho determinadas vezes vontade de matá-lo, esganá-lo e não o faço. Digamos que estamos na fase do morde e assopra, há um certo desgaste, mas se a parede não descasca não vemos os afrescos, (Nossa! Que metáfora mais-ou-menos).
 Não vou conseguir relatar tudo que tínhamos para conversar, porém, a saúde voltou, e espero que a sua também. Estou um tanto cansada, de algumas questões muito sérias, relativas a caráteres, a modos de ver, a gentes, coisas que discordo, coisas inafiançáveis, e que, nada posso fazer ou mudar, pois estão pregadas no mundo: terríveis injustiças e enganos. Nada que uma carta possa explicar, era só para responder como está o coração: esfarrapado.
Paradoxal seu texto. Calo-me ou continuo. Não sei. Realmente agrada-me muito ser seu Redbull-literário, porém, ao ferir as palavras firo-me. Minha mãe tem uma história engraçada. Foi obrigada quando mocinha a aprender a costurar, pegou o diplominha. Sempre odiou costurar e até hoje quando caseia ou cerzi, reclama, "isso é autopunição". Comigo é algo parecido, peguei o diplominha e tudo que escrevo parece meio patético, torto, assim como as barras das calças que mamãe costura, umas mais longas que as outras. Então.
Fica complicado, porque percebi que escrevo para você talvez porque você não ligue para a tortuosidade da minha poesia, não há julgamentos e as respostas são acolhedoras. Essa nossa poesia díade (se é que me permite dizer assim) faz-me muito bem mesmo.
Não sei, se-já-consigo-parar-mais...
Você não é mais frio, é mais escritor que eu, nenhuma mágoa ou ressentimento há nisso, apenas inveja aliada ao desejo. E cá para nós estou nua diante de ti meu grande amigo. Deixo escorrer a verdade porque não sou boa nisso. O modo é peculiar, a personalidade transparece, contudo, nada é digno de boa literatura. Você escreve a boa e necessária literatura, não fria, mas casual, contida, com sentimentos da vida que verve, e não do homem que padece.
Não deixo barato e sou brava, não dou chance para o outro descobrir o que é, mas você é diferente: há em você uma simplicidade irritante que o transforma num verdadeiro poeta. Quando arrisco esse jeito de escrever, de provocá-lo, de perguntar e exigir, é só para me deliciar com tuas respostas que sempre me dão um prazer incrível, pois era justamente o que eu gostaria de escrever e não consigo.
Acho que definimos desejo.

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