quarta-feira, 31 de agosto de 2011

OBSESSÃO ( Parte 5)


Eleonora ficou no bar até muito tarde, pensando e bebendo. Queria entender o problema mais relevante de toda essa história, que era de fato, a omissão de Ricardo do que havia acontecido. Omissão gerada pelo medo, pela falta de confiança nela, ou ainda, por outro motivo qualquer despercebido.  Lembrou-se do antigo relacionamento, dos erros, do azar, da falta de confiança. A questão agora era processar esses dados e resolver o que ela faria com isso tudo.

Ricardo chegou muito irritado em seu apartamento. Não entendia o ciúme de um passado tão distante. Não compreendia a atitude de nenhuma das duas, e desconjurou a mulherada de uma forma genérica. Praguejava o tempo todo e resolveu ir trabalhar, pois de nada adiantaria desvendar a natureza feminina, ela existe por si só, na sua complexidade contraditória. Começou a separar as fotos que tinha tirado durante o dia, analisando os melhores ângulos, focos e cores.

Maria Cristina resolveu naquela noite escrever mais uma vez para Ricardo. Estava solitária e triste. Desistiu de escrever carta e pensou num e-mail. Repensou e passou-lhe a ideia de telefonar. Não sabia o telefone, mas tinha o endereço e seria fácil de achar. Depois sentiu um medo enorme de não ser atendida e outra rejeição seria muito cruel. Revisitou a carta enviada por ele e destacou o seguinte trecho: “desejei você imensamente, absurdamente mais do que imagina, como mulher, e como falou você fez a sua escolha.”

Maria Cristina pensava em sua escolha de agora.

Ricardo pensava na fotografia certa para compor o catálogo.

Eleonora pensava na omissão e no azar que tinha em relacionamentos.

Trilogia, tricromia, trifásico. Tricordianos, talvez, não pela cidade de origem, apenas pela situação. Naquela noite ninguém conseguiu fazer mais nada. Eleonora dormiu na casa de uma amiga. Ricardo não separou nenhuma foto em definitivo e Maria Cristina tomou um comprimido para dormir.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

OBSESSÃO ( Parte 4)


Por favor, não vamos entrar nessas neuras. A ideia é essa...

Deixe-me ver a carta que ela mandou para você.

– Promete não surtar?

– Dá logo.

– Promete, então!

– Tá... Olha isso! Não acredito nessa frase: “O que sei é que senti uma vontade, como a de comer um doce, e pensei que talvez recebesse bem essa carta com notícias minhas.” Que absurdo!

– Você jurou.

– Como é que eu não vou surtar. Veja isso, então: “a angústia da incerteza da sua resposta e assim será muito mais fácil e compreensível caso sua carta não chegue. Poderei pensar no extravio dos correios, na morosidade dos serviços...” Você respondeu?

– Ah! Eleonora deixe isso para lá.

– Eu não acredito que você respondeu uma carta para essa louca. Não acredito. O que respondeu? Eu quero ver.

– Nem lembro o que respondi e não tenho cópia. Já surtou, sabia que não ia durar três minutos. Isso está enchendo, você queria que eu fotografasse a carta, fizesse duas vias com firma reconhecida...

Nada disso MEU BEM, só queria ter sabido antes.

Vamos para casa.

– É uma ordem?

– Não, mas vejo que você entrou em cheio na obsessão da Cristina, está fazendo exatamente o que ela gostaria de ter provocado na gente, e isso me aborrece demais. Vamos pensar numa solução...

– Ela está sozinha. Quem sabe você não queira satisfazer sua...

Agora foi demais... Estou indo, vai ficar?

– Vou.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

OBSESSÃO ( Parte 3)


No fim da tarde Eleonora foi encontrar-se com Laura em um café onde haviam marcado. Estava aflita e confusa e não sabia se a atitude tomada tinha sido a melhor de todas. Quando entrou no bar procurou e ficou vermelha ao ver Laura e Ricardo em uma mesa de canto.

O que está acontecendo aqui?

Fui eu que liguei para ele, desculpe, achei melhor ele saber.

– Por que não me disse amor?

– Amor? Você que nunca me falou nada dessa louca e eu é que tinha que contar que recebi um bilhete de uma antiga “ex” sua?

– Calma gente. Senta aí, Eleonora e mostra para gente a carta.

– Tá aqui, vejam o absurdo.

– Ricardo ela pirou, o que é isso!

– Preciso resolver, ela não vai deixar a gente em paz. Ela também me escreveu faz uns meses, a carta está aqui eu trouxe para você ver. Não mostrei antes porque achei que não seria legal, afinal é um passado morto para mim.

– Você devia ter me contado antes...

– Escuta, vou deixar vocês dois conversarem; mais uma vez Eleonora me desculpe, mas achei que esse assunto deveria ser resolvido por vocês dois, depois nos falamos.

– Tudo bem Laura, não devia ter metido você nisso. Obrigada. Tchau... Quem é a Maria Cristina? Deixe-me ler a carta que ela escreveu para você; Por que não me contou? Que coisa, e a confiança, onde fica?

– Não contei porque não queria que acontecesse o que está acontecendo. Ver você assim, desconfiando, pensando besteira, duvidando de mim e do meu amor. Maria Cristina foi uma amiga lá de São José do Rio Preto da época do colegial. Eu era muito amigo dela e bem apaixonado. Na faculdade consegui me declarar, mas ela disse que iria estragar nossa amizade. Depois, quando comecei a namorar outra garota ela disse que queria ficar comigo, desisti da moça, começamos a namorar e para encurtar a história ela ficou com meu melhor amigo, casaram e eu sofri feito burro. Vim para São Paulo no fim do ano para terminar o curso aqui. E o resto da história você já conhece.

– Você devia ter me contado antes...


domingo, 28 de agosto de 2011

ERRATA Obsessão (Parte 2)

 
– Está certo, vamos, MAS quem foi ela?

OBSESSÃO ( Parte 2)


O dia transcorreu nos disfarces. Eleonora exagerava nos gestos e sorrisos para que Ricardo não percebesse. E de fato ele não notou nada, os homens em geral não enxergam nada além do bojador. Comeram os vários pedaços de abacaxis, doces e suculentos e foram trabalhar. No entanto a cabeça dela girava, matutava, não estava certa quanto ao que faria; poderia ver o endereço e ir até o local, descobrir o telefone da dita cuja e ligar dando um esporro.

Abriu o bilhete na hora do almoço e começou a analisá-lo. Só uma pessoa doente escreveria um negócio desses. O sentimento de raiva logo se transformou em pena. “Peço que não conte nada para ele dessa carta, apenas responda se sentir vontade. Se não quiser fazer nada, entenderei.” Não contaria, pois o desejo era de fato abalar as estruturas, doente, obsessiva, pensava Eleonora, clareando as ideias e pondo-as no lugar certo.

Ligou para uma amiga em comum.

– Laura?

Sim, quem é?

– Eleonora.

– Nossa! Quanto tempo, tudo bem? E o Ricardo?

– Tudo joia, estamos bem, na correria, trabalhando, mas na verdade eu liguei para perguntar uma coisa.

– O quê? Está tudo bem? Você ficou estranha!

– Quem é Maria Cristina?

– Ai,ai,ai... Olha, Eleonora esquece isso, já faz tempo...

– Laura, por favor, essa louca me mandou uma carta e eu nem sei que ela é; imagino quem seja; mas porque não soube nada dela; se não soube é porque a coisa foi quente, não sou idiota.

– Como é que é, carta? Preciso ver isso. Vamos marcar um café e conversamos com calma.

– Está certo, vamos, nas quem foi ela?

– Um antigo caso de Ricardo...


sábado, 27 de agosto de 2011

OBSESSÃO ( Parte 1)


            Eleonora desceu as escadas e decidiu que ia comprar frutas. Estava com uma vontade incrível de comer abacaxi. Além do mais haviam dito que essa fruta limpava o organismo e dessa maneira aceleravam o metabolismo. Isso era tudo que ela queria acelerar seu metabolismo. Cumprimentou dois vizinhos e o porteiro entregou-lhe as correspondências. Viu que havia uma carta, daquela com selo e tudo, pensou que não via uma carta desse tipo há muito tempo, o selo era lindo, uma réplica do Museu do Ipiranga.

            O destinatário era ela, porém, o remetente desconhecido, uma tal de Maria Cristina. Curiosa, desistiu do abacaxi, e voltou para o apartamento. Sentou-se na mesa da sala e abriu o envelope.

           

            Eleonora,

            Poderá achar estranha essa carta, mais ainda o que vou lhe pedir. Sei que não me conhece e tenho informações que nunca soube de mim. O que vou lhe pedir é muito importante, chega a ser meio absurdo, mas necessário. Gostaria de saber como é seu relacionamento com Ricardo, se vocês estão bem... Peço que não conte nada para ele dessa carta, apenas responda se sentir vontade. Se não quiser fazer nada, entenderei.

Abraços

Maria Cristina

            Eleonora dobrou a carta-bilhete e não sabia com exatidão o que fazer. Uma confusão de ideias tomou-lhe os pensamentos. Sua mão tremia e estava aparentemente suada. Ricardo dormia ainda. Pensou em acordá-lo e tirar satisfações, mas não era nada do seu feitio ter essa atitude. Quem era essa fulana? Que situação mais absurda era aquela? Como conhecia os dois? Precisava tirar essa história a limpo de qualquer maneira. Angustiada guardou a carta na bolsa e decidiu que pensaria no que fazer depois.

            Na volta, afinal comprou dois abacaxis, resolveu descascá-los na mesma hora e recordou a ironia da frase “descascar abacaxis”. Tirou olhinho por olhinho do corpo amarelado e aguado e certificou-se que iria responder para aquela maluca. Sim escreveria a resposta, contaria como era sua vida com Ricardo nos mínimos detalhes e aguardaria a resposta, depois disso saberia o que fazer...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SINIMBU


ARRASTO ASSIM

A VIDA MEIO REVÉS

CAMALEOA, LEOA

LOUCA, ASSUSTADA

MUITAS DAS VEZES

DESVAIRADA PRESA

AO CONVÉS DO DIA

LARGO E FRÁGIL

QUE ME CAMUFLA

DAQUILO QUE TENTO

VERDADEIRAMENTE

SER!

domingo, 21 de agosto de 2011

ALUMIAR


Coitado do negrinho

distraído, baio sumiu;

toquinho de vela aceso

 e o corpo no chão.



Coitado do negrinho

não dança Nhô-chico,

não escolhe mais as

moças, pela feição.



Coitado do negrinho

vive agora atribulado

só acha coisa perdida

em troca de alumiado.





Coitado do negrinho

ensanguentado no vão

nem Nossa Senhora

veio lhe dar a mão!




sábado, 20 de agosto de 2011

A ESCRITORA ( Para o Neto)


Nunca me senti uma escritora de verdade. Digo de verdade, pois acredito que um escritor que vive da matéria de suas publicações, ganha por isso, pode ser considerado como tal. Demorei muito tempo para começar a escrever, ou melhor, para ter coragem de mostrar publicamente algo que havia escrito. Sabia que escrevia “bem”, dentro da gramática, -e olha que leio e ainda encontro desvios da norma culta- mas ainda sentia que aquilo que escrevia não era digno de ser lido e sentido, porque é assim que creio, na verdadeira literatura boa, aquela que nós lemos e sentimos tudo.

Longe do teor demagógico, esse texto é realmente um agradecimento. Na semana que passou um amigo, disse para o meu filho que lia as publicações do meu Blog; e mais, falou que eu era sua escritora favorita. Não sei dizer o que respondi na hora, acho que nada. Meu filho olhou para mim e sorriu abertamente “Viu!”.

No dia seguinte pela manhã depois de um café e um cigarro pensei na frase e acredito que ali, naquele instante tenha me tornado uma escritora. Havia introjetado em mim todo aquele mundo do ser lido por alguém e esse alguém gostar do que leu. Minha escritura tinha ganhado forma e textura, corpo, graça e sentido.

Sentido. Eis o cerne de tudo. Há que se ter sentido. Vejo agora que escrever é de fato, tentar deixar algo, uma marca, nas pessoas, no mundo. Registar os instantes e compartilhar, com todos, essa profusão de palavras que giram em minha cabeça o tempo inteiro, loucas para sair, para se juntarem num sistema literário, que agora sinto ser digno de ser lido. Aos que leem, meu muito obrigada.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

HAICAIS DA INFÂNCIA


I

“Pé-de-lata”

No pé do menino

Saltitando pro infinito.



II

Boneca de pano

Com cabelos de lã

Jogados no chão.



III

De um estilingue,

Sai um tiro...

Assustando o passarinho!

sábado, 13 de agosto de 2011

São Paulo, 15 de abril de 2009.


Maria Cristina,



Demorei muito para escrever a resposta da sua carta porque não queria de fato respondê-la. Depois, achei que talvez fosse necessário esclarecer alguns fatos dessa nossa confusa relação e dessa maneira, “colocar um ponto final” nessa nossa história, que nunca começou.

Eu não sei se entendi bem, mas soou muito mal dizer que a vontade de me ver e escrever depois de tudo que aconteceu era comparável a comer um doce. Senti-me uma bomba de chocolate. O fato é que como você mesmo disse, estou muito bem. Trabalhando bastante, feliz, amando e sendo amado.

Cristina, infelizmente nosso tempo passou. Sei o quanto é difícil para eu dizer isso, pois desejei você imensamente, absurdamente mais do que imagina, como mulher, e como falou você fez a sua escolha.

Sua carta é dramática, estranha e confusa. Não demonstra em nenhum momento afetividade ou saudade de mim, apenas solidão, a solidão da mulher ressentida e amarga. Não quero parecer grosseiro, embora saiba que o esteja sendo, mas gostaria que não me procurasse mais.





Ricardo












quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Quark


Divido-me em partes

combinadas no infinito,

cada pedaço exportado ou

importado de mim

é um fractal que se

despedaça.



Minha ínfima matéria

quer ser um quasar ,

 quase líquido e embebido

que quando pulsado,

 jorra uma luz colorida

no universo.



Quantum de mim está

aqui,  ali ou acolá ?

Se o que resta desse

fragmento de energia é

simplesmente a pura

magia do meu quark!


terça-feira, 9 de agosto de 2011

ALENTO


Outro dia desses, num dos Saraus na casa de um grande amigo, conversávamos sobre o que era ser professor, a diferença de professor e educador, do peso de cada uma dessas funções e a prosa prosseguiu nessa temática e não me recordo agora se chegamos a uma conclusão, se é que deveríamos chegar, mesmo porque, aquela altura, estávamos bêbados e felizes.

O fato é que depois desse dia, tenho pensado muito sobre isso e de como toda a discussão tinha refletido na minha prática diária como professora. Observei se minhas aulas eram as mesmas de antes, com o mesmo vigor e talvez com o mesmo “tesão” de outrora. Achei que não. Fiquei um tanto decepcionada de perceber que creio não ser mais a mesma professora.

No entanto, talvez, esse calo metafísico tenha produzido em mim algum alerta. E na semana que passou tentei trazer á tona um pouco daquela professora apaixonada que sempre fui e que por certo estava adormecida dentro de mim. Mudei um pouco a rotina das aulas, empenhei-me mais nas explicações, representei personagens, engracei-me, e abusei das malícias e artífices.

Hoje, no final da aula, recebi um bilhetinho de uma aluna, de dez anos, Brunna. Via de regra recebo bilhetinhos de amor, das alunas, principalmente, é meio de praxe, todos são comuns, afetivos, dizendo que me amam, mas esse mexeu demais comigo, não apenas pelo conteúdo demasiadamente delicado e amoroso, mas, sobretudo pelo que provocou em minha alma. Ei-lo:

Marili

Olhe, para as estrelas...

E verá algo tão lindo quanto eu sinto por você.

Brunna

terça-feira, 2 de agosto de 2011

SOVIETE


Queria promover

Um conselho dentro

De mim mesma

Fechar um olho

Apenas para a tristeza

Apaziguar o trato e

Discutir, abertamente

E descobrir o que

Aflige mais hoje

Juntar minhas partes

Numa soviete solitária

Da minha alma comunista

Provocando a derrocada

Definitiva, da minha

Imensa agonia.


REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!