terça-feira, 10 de outubro de 2023

CRÔNICA ANDARILHO

 

Há que se ter um mote para vida. É aquela coisa que não tem nome, mas que nos faz levantar e ir. Andar, caminhar, sem olhar para trás. Chavão ou não, o homem sabia disso. O homem tinha tido na vida várias motivações, porém, essa era além do óbvio porque perpassava pelo orgulho, por sua honra, determinação e necessidade, e claro, por amor.  

Pausa.                                                                                                                                

Quando o menino nasceu, ainda bebê, o homem viu que algo na criança era diferente. Talvez porque realmente era, mas, mais ainda, porque o olhar deles nunca havia se encontrado. Assim, foram os dois crescendo como pai e filho, sem nunca terem se visto de verdade. A mulher achou por bem levar ao médico, e depois do diagnóstico, nada mudou. Também nem se deve o leitor achar que precisa saber do tal laudo, e do que o menino tinha. Todo mundo tem alguma coisa, e a nossa mente é um  abismo; o fato não é o laudo, a causa, a especialidade, o fato é a motivação.

Entende.

E conforme o tempo foi passando, o que para uns se torna deficiência, inabilidade, para outros é o brilho. E o filho cresceu fora do prumo, longe da escala do cotidiano, cresceu com outro olhar. Da boca nada saia, porque o menino não falava e não olhava. Na escola o problema menor era esse, pois, como o brilho das notas era muito, mas muito maior, ninguém ligava para o restante. O garoto-gênio ia crescendo longe dos seus.

Anda.

Num certo dia, o pai reconheceu que era preciso chegar mais perto. Assim, com menos de quinze anos, foram tentar uma vaga na faculdade de Química da Universidade de São Paulo. O menino foi aceito, e posteriormente, no curso avançado, passeava na análise e descrição dos mecanismos de reação e intermediários reacionais, nos estudos das reações de substituição e reações de adição e eliminação, e não menos importante, as reações concertadas e rearranjos moleculares. Sumidade.  Aos quinze anos, se comunicava pelo brilhantismo, pelo computador, por artigos e mais artigos, prêmios, pelo que descobria e por tudo que sua ausência produzia.

 

Suspiro.

Desse jeito, o homem, então, agora tantos anos depois, nada sabia do filho, e deixava-o ser; via aquele, agora doutor, rapazote, reconhecido, nos saberes de algo que o homem desconhecia, como pai, como pessoa; ignorante no assunto da vida do filho e até o que ele estudava, sem nem saber para que servia aquilo tudo. Mas quem se importa com isso? Todo santo dia, o homem sai de casa, acompanhado do filho, nessa ordem: o filho na frente, mochila nas costas, o pai atrás, guardando, andarilhos.

 

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REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!