terça-feira, 31 de maio de 2011

DESATINO


Amanheço e não me reconheço,
quem foi o eu que dormiu comigo?

Será que posso dizer meu nome?
me abraça de frente ao espelho
corre!
me olha do lado esquerdo.

Quem sabe não desatino...

domingo, 29 de maio de 2011

CONTO DE UM AMOR SÓ

Segundo episódio
Não entendia a disposição das pessoas em sempre querer o ruim, o desagradável e o triste. Enxergar o fim de algo muitas vezes é doloroso, mas inevitável e necessário. O amor quando acaba, leva junto na maioria dos casos o respeito e quando se torna obsessivo leva junto á lucidez.
Naquela manhã decidiu resolver o caso. Falar, argumentar, dissuadir, persuadir, enfim, usaria de todos os recursos para fazê-la entender que era o fim. Que juntos não seriam mais felizes. Resolveu telefonar logo agora cedo e assim teria chance de marcar um lugar adequado para essa outra conversa. Teria também tempo para pensar em como dizer tudo àquilo que precisava.
Respirou profundamente e telefonou. O número tocou, tocou até cair na caixa postal. Desligou. Ligou novamente e idem, não teve coragem de deixar mensagem. “Por que não atendia?” Pensou irritado, e insistiu ligando para casa dela. Nada. Nem sequer pegou a secretária eletrônica. Ficou preocupado e olhou pela janela. Interfonou para o porteiro que lhe garantiu que suas ordens foram seguidas e que a mulher desistiu depois de algum tempo, indo embora num táxi.
Fez tudo que precisava pela manhã e ligava em intervalos de hora para o celular que não respondia. Não sabia se iria até a casa dela. Alguma coisa tinha acontecido. Enquanto terminava um trabalho no computador seu celular tocou. Ficou nervoso e atendeu.
– Alô.
– Você ligou?
– Sim e você não atendeu.
– Fez o mesmo comigo ontem, anteontem, trasanteontem, estamos quites. O que quer?
– Falar com você.
– Não quero mais falar contigo.
– Como não? Ficou me perseguindo, ligou diversas vezes e agora diz que não quer. Parecia uma louca na frente do prédio... Alô... Alô... Que idiota, desligou na minha cara!!!

sábado, 28 de maio de 2011

SEM COMENTÁRIOS

Sem comentários mesmo!
O blog continua não adicionando os comentários deixados por vocês leitores
Causa: desconhecida por mim
Carece: de investigação

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CONTO DE UM AMOR SÓ

Primeiro episódio
O homem caminhava a passos largos e olhava para trás constantemente, não sabia se tinha sido seguido por aquela louca daquela mulher. Apertou o passo o mais que pode e entrou numa ruazinha desconhecida. Respirou até recuperar o fôlego sem conseguir e sentou, escorrendo pelas paredes sujas até encostar-se à guia.
Ficou ali por quase meia-hora. Mais aliviado tomou o ônibus para casa. Na guarita, falou ao porteiro e proibiu a entrada de qualquer pessoa. Perguntou se o rapaz havia entendido. Não queria que ninguém subisse e nem avisasse que estava em casa.
O celular tocou ainda no hall de entrada e ele se assustou. Olhou o número e desligou o aparelho. Tomou o elevador e entrou no apartamento. Antes mesmo de abrir a porta ouviu o telefone tocar insistentemente e deixou pegar a secretária eletrônica. Depois do bip não ouviu senão o “clik” do desligar.
Sentou no sofá e sentiu um calor absurdo. Tirou a malha e o telefone tocou novamente. Pode sentir a respiração da mulher do outro lado da linha. Nada foi dito, só escutava o arfar, alto e sonoro. Tirou o telefone do gancho e foi tomar um banho.
No quarto, enrolado na toalha escutou o interfone e ficou teso com medo do que poderia ser. Abriu uma estreita fresta da cortina e olhou para baixo, viu que ela estava lá embaixo falando com o porteiro. Fechou bruscamente a cortina e deitou na cama.
Ligou o celular e escutou a mensagem que dizia que ela queria falar com ele ainda hoje. Teve vontade de descer e acabar logo com aquilo, porém sabia que a história não teria um final. Sentiu medo, medo comum como o medo de ladrão, real, da morte. Buscou nova abertura, minúscula e viu a mulher gesticulando.
O interfone tocava e seu ouvido agora surdo não o deixou atender. Deitou e ficou imóvel esperando apenas que tudo ficasse em silêncio. Depois de muitas horas, percebeu a quietude da madrugada e tentou dormir. Não se atreveu a olhar novamente pela janela.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO FINAL
(PARTICIPAÇÃO ESPECIAL DE LEANDRO HENRIQUE)

Depois de três anos, a vida naquela casa e daquelas pessoas havia se transformado por completo. Paula tinha se casado naquele ano e mantinha certa distância da família; vinha nos Natais e aniversários e mais nada. O filho mais velho do casal teve dois filhinhos que enchiam os avós de alegria. Senhor José adorava os netos e Dona Maura cuidava deles pelas manhãs.
Quanto a Ana Luzia sua vida agora parecia ter tomado o rumo mais inesperado. A menina prestou o vestibular e cursava o primeiro ano da Escola de Artes Dramática na Universidade de São Paulo. Era o orgulho de Dona Maura e José, este, que nesses anos passou a olhar para a moça como uma nova filha.
Luzia trazia sempre consigo um olhar no infinito. Não era de todo triste, mas carregado de melancolias. Como se algo dentro dela não tivesse colado nunca. As personagens que agora interpretava iam aos poucos compondo sua nova personalidade. Entregava-se aos textos, aos jeitos e trejeitos e caminhava para tornar-se uma ótima atriz.
         No dia da apresentação de seu primeiro espetáculo, todos da sua família foram convidados. No camarim Luzia preparava o retoque final da maquiagem e sentia uma enorme dor na barriga e um desconforto absurdo. Pensava em tudo que a vida lhe propusera, simultaneamente relembrava as falas do espetáculo, em rajadas confusas que turbinavam sua mente. Lembrou-se de sua mãe, das florezinhas junto ao terço...
As roupas pareciam pontas lacerantes sobre a pele dormente. Olhava seu rosto no espelho e viu o suor que escorria alterando a maquiagem. Respirou fundo e colocou uma flor nos cabelos, ajeitando-os suavemente. Sorriu.
Então ela se viu no espelho e pensou: Luzia escrito em avesso lê-se aizul. E riu-se da coincidência enquanto as saltitantes veiazinhas se espalhavam pelo rosto como ervas daninhas, até cobrirem-no por completo. A face, agora toda azul, como um neon estonteantemente aceso, cujo letreiro anunciava coisa alguma. Luzia apenas repetia o gesto azul da mãe. Mas como reluzia!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 8
        
Paula sentia a mãe distante e fria. Num primeiro momento achou que era pelo fato de sua partida se aproximar de sábado, depois percebeu que Maura não estava nem um pouco preocupada com isso e ficou dessa vez com ciúmes da garota. Passou a fazer pequenas agressões e humilhações que logo foram percebidas por todos. Coisas que sempre fazemos quando as situações passionais nos cobrem a razão.
No quarto, enquanto Paula arrumava suas coisas, Maura resolveu ter com a filha uma conversa, daquelas bem desnecessárias, aquelas que sabemos que não servem para absolutamente nada, mas insistimos em tê-las.
– Já guardou tudo?
– Quase.
– Por que foi tão grossa com Luzia?
– Não fui; ela que se intrometeu na conversa.
– Não. Triste sua atitude Paula. A menina não tem ninguém e passou por apertos. Perdeu a mãe, não sabe quem é o pai, e quando conhece a prima é tratada mal.
– Tem você, mãezinha. Saiu uma filha e já ganhou outra. Viu só como Deus foi generoso com a senhora.
– Que ridícula!
– O que disse?
– Que sua atitude é ridícula e infantil.
– Só você não percebe como mudou depois que essa menina chegou.
– Será mesmo?
Naquele dia levou parte das coisas e foi dormir com o namorado. Dona Maura não esboçou nenhuma reação e decidiu que não se abalaria com as infantilidades da filha, que já era adulta o suficiente para decidir o queria da sua própria vida. Ainda naquela noite, alugou um filme e assistiu com Luzia. Fizeram pipoca e se divertiram. Na cama, pensava se havia mudado e a única coisa que percebia é que estava mais feliz.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 7

– No velório, minha mãe estava linda, seu rosto estava azul.
– Luzia, não pense mais nisso. Esquece essa história para você não sofrer.
– Mas eu não sofro com isso, aliás, é o que me conforta, não tive medo e sonho com a imagem dela toda azul. Só quis contar.
– Obrigada por dividir comigo essa imagem. Só não quero que sofra, pois tudo foi demais para uma garota da sua idade. O que fez para chegar aqui sozinha, não acredito nessa história, quando me lembro.
– Adorei ter viajado sozinha, mas tive muito medo.
– Claro, falei para a Neidinha, lembra? Aquela senhora que encontramos no mercado; contei que você colocou o dinheiro nas calcinhas.
– Poxa tia Maura, que vergonha!
– Vergonha nada; achei lindo isso. Bem coisa da Miriam mesmo. Sua mãe fez algo parecido quando éramos garotas. Queríamos ir para a festa da quermesse com dinheiro e papai não deixava, ele controlava o que comprávamos. Então pegamos dinheiro escondido e sua mãe colocou nas calcinhas, lá na festa escapamos e gastamos apenas com besteiras.
– Nossa...
– Ah... Que saudades!
– Dona Maura...
– O que é Luzia?
– Não vai me deixar sozinha não é?
         Dona Maura parou de falar e olhou para aquele ser antes estranho. Pensou na Miriam e viu o mesmo olhar perdido da infância. Levantou e abraçou a menina, tão forte e intensamente que não careceu de dizer uma só palavra. As duas começaram a chorar. Luzia chorou. Chorou tanto que dona Maura pensou ter que levá-la em algum lugar, era um choro guardado e sufocado pelas vicissitudes da vida. Um choro que agora lavava sua alma.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 6

Em algumas semanas as coisas eram bem diferentes naquela casa. Maura matriculou a menina em uma escola pública perto dali; Paula estava com a mudança quase pronta, havia alugado um apartamento perto do local em que trabalhava, e depois de várias discussões com a mãe, a questão chegara ao fim. Não emprestou suas roupas, tampouco levou Luzia para conhecer seus amigos e a cidade, mas isso todos já sabiam que aconteceria.
José percebeu que a chegada da menina nada tinha mexido no orçamento familiar. Mal comia, mal falava. Sua chegada trouxe um novo sentido para a vida de sua mulher e isso ele notara. Para ele, alguns pensamentos controversos também apareceram. Olhou com certo desejo para o corpo novo da garota, as pernas frescas nos shorts ou saias, o abaixar e levantar. Isso tudo transformou a rotina do casal, já que provocava nele necessidades reais e Dona Maura era sua válvula de escape.
Embora Maura soubesse de cada passo do marido, sabia que não lhe faltaria caráter, suficientes para cometer alguma insanidade nesse aspecto e aproveitou-se dos rompantes do esposo para se entregar em noites, como há tempos não tinha. Ela sabia que tudo isso fazia parte de uma vida carregada da rotina grossa e tentava entender. Porém, não esboçava nenhuma conversa e jamais tocaria no assunto. Pensamentos são suportáveis. Apenas, observaria.
Ana Luzia só conversava pelas manhãs com a tia. Em meio ás arrumações diárias (Maura não podia negar que o serviço dividido entre as duas, tinha lhe ajudado por demais) paravam para conversar. Era o único momento em que falava.
– Dona Maura?
– Já falei para não me chamar de Dona, o que é isso Luzia.
– Desculpe tia Maura.
– Está precisando de algo?
– Não. Mamãe...
– O que tem sua mãe?
– Mamãe estava azul quando morreu.
– O que disse?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

E NÃO SE FALA MAIS NISSO...

              Não me lembro de quando decidi ser professora. Talvez o destino tenha me empurrado e dito “vai que você leva jeito”. Porém, mais do que ter jeito para a coisa, descobri que um professor precisa de absolutamente tudo o que cabe num ser, pois é alguém inolvidável. Dos ruins, carregamos os traumas, dos bons as lembranças, mas o que não se pode negar é que aprendemos com um professor.
                Nessas quase duas décadas que leciono, passei por acertos, erros, tentativas, enganos e a cada dia que passa, sinto que estamos por um fio, eu estou. Tanta gente já esmiuçou o problema da educação, o desprestígio do professorado, as metodologias ultrapassadas e as novas que não dão certo; os distúrbios que dificultam o aprendiz e também o mestre evidentemente; novos nomes para velhos problemas. Enfim, acho muito relevante que alguns estudiosos tentem achar o cerne da questão, principalmente daqueles que o fizeram de forma séria e comprometida, merecem meu respeito.
                Longe de discutir a salvação dos problemas da Educação brasileira minha intenção é saber o porquê alguns de nós não desiste. Por que eu não desisto? O que nos move? Diante disso, passo algumas horas do meu dia, em meio ás aulas, provas, preparações, estudos, diários e afins, pensando o que faria para não desistir e abrir uma lojinha no fim da esquina.  O que de fato, no entanto me fomenta, por incrível que pareça não é um bônus por merecimento, ou uma provinha por mérito, ou ainda, a participação nos lucros da escola, são os alunos.
                O que move verdadeiramente uma professora- porque eu ainda vejo isso no rosto de alguns colegas de trabalho- o que me motiva é a pessoa, ali, entregue, o sorriso do aluno, seu interesse pelo desconhecido e a possibilidade de ser conduzido, mesmo que tortuosamente, ao caminho da descoberta; é aquela carinha de entendimento, aquele texto bem escrito por ele e muito melhor até do que nós mestres faríamos, as homenagens, os bilhetinhos de amor, o respeito pelo meu conhecimento, a entrega e a confiança dos pais em mim e no meu, no nosso trabalho, porque para eles o que resta é apostar na gente.
                Sem apologia, sem levantar bandeiras, é simples assim. E não se fala mais nisso...
               
               


terça-feira, 17 de maio de 2011

RECEITINHA II

( Para um professor)

Em dias de conselho: pipocas.
Para uma reunião: chá.
Se for fazer diários: balas.
Se pensa em corrigir provas: café.
Para preparar aulas: chocolates.
E para todos os dias: paciência!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

VICISSITUDES

O bolo encruou
A fila empacou
O ônibus passou
O gás acabou
O sono chegou
O amor acostumou
A comida exagerou
A grana encurtou
O sol escondeu
A chuva alagou
A vida cessou!

domingo, 15 de maio de 2011

sábado, 14 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 5

Dona Maura tinha afeto suficiente para abraçar a menina desconhecida, com o mesmo amor, ressentido sim, que abraçaria a sua irmã Miriam, agora, com a face azul só existente na lembrança das duas. O instante foi duradouro e carregado de sentimentos inexplicáveis e confusos.
Levou a moça para dentro e guardou seus pertences no quarto do filho que já não morava mais lá. Fez um bom café para Luzia e trataram de conversar sobre tudo que havia acontecido. Encheu a menina de perguntas, a vida no interior, a ausência de Miriam nesses anos todos, o pai desconhecido, as dificuldades financeiras e a perdas.
Maura contou também sua história, de seus filhos, de seu marido, da sua rotina diária. Disse coisas do passado também,  a vida das duas irmãs,  a proximidade e de como tinham se afastado. A garota ouvia  com olhares de dúvida. Não imaginava o que seria tudo de agora em diante, com essa senhora desconhecida, em uma casa e um lugar que não lhe pertenciam.
Enquanto a mulher, mergulhada nas reminiscências, falava e falava, Luzia pensava que não era ninguém,  não tinha mais nada a perder e em como a vida lhe propusera esse mar de indefinições e tristezas. Lembrou que não chorava faz tempo e que também não sentia vontade nenhuma de chorar.
A tia conversou tanto em seu monólogo, que não percebeu que a hora do almoço se aproximava e que não havia feito nada. Ficou tão atordoada, que passou a descascar as cebolas numa rapidez doentia. Luzia começou a ajudar e seguia as ordens de Maura, que notou na sobrinha um expediente enorme. Em cerca de meia-hora haviam feito quase todo o almoço.
Seu José chegou antes de Paula. Soube da história toda em apenas dez minutos. Olhava para a menina, olhava para a esposa e não dizia uma palavra. Paula chegou em seguida para almoçar. Ouviu a mesma narrativa. Abraçou a prima, disse que era muito bem vinda, mostrou a casa, seu quarto, emprestaria suas roupas, sairiam juntas, conheceria seus amigos, a cidade. Tudo soava falso e exagerado, mas Ana Luzia não percebeu nada. Maura colocou o almoço na mesa e tratou de falar.
Todos ouviam uma mulher diferente. Cada um pensava consigo o que a chegada dessa criatura nova mudaria em suas vidas. Paula na alforria, José nas despesas e Luzia na incerteza. Uma coisa era certa... As mudanças seriam tantas na vida daquelas pessoas que talvez elas nem imaginassem isso agora.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

MAIS VALE UM PROVÉRBIO NA MÃO...

(Para Mário Prata)

Já que estamos aqui
pro que der e vier,
com uma imensa batata quente nas mãos
e já sabemos, que isso
tudo é para inglês ver...
Que tal então matar
a cobra e mostrar o pau?
Parar de meter os pés pelas mãos
 e tirar o cavalinho da chuva, porque
para nossa vida
melhorar, é preciso
ver uma luz no fim do túnel,
entender que um dia é da caça
e outro do caçador, e mais...
Saber que é preciso
abafar a banca e
afogar o ganso!

quinta-feira, 12 de maio de 2011

VERSEJAR

Ao meu leitor
informo que
sem o ócio diário,
tão necessário,
não consigo
sequer
versejar!

Deixo a pena
em esperança,
até que a muda
poética, venha
regressa ...
finalmente rejubilar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 4
        
– Dona Maura?
– Sim, quem é?
– Meu nome é Ana Luzia, sou filha da Miriam.
– Como é que é?
– Olhe meus documentos e do minha mãe, ou melhor, da sua irmã.
– Meu Deus! Não acredito.
– Ela é sua irmã, não é? Você é a tia Maura, não é?
– Sim, sim... Mas é que a Miriam nunca me falou de você.
– Eu imaginei. Pelas conversas dela eu percebi que ninguém da família sabia de mim.
– Desculpe-me, entre.
– Obrigada.
– Você veio sozinha, sua mãe é louca, onde ela está? Aposto que está escondida e veio me fazer uma surpresa.
– Dona Maura...
– Miriam pode aparecer. Sabia que um dia você viria para cá...
– Ela não veio, vim sozinha.
– E por quê? Nossa! Você é a cara dela quando menina. Por que sua mãe não ligou avisando que você vinha, falei com ela há dois meses. Sempre era ela que ligava, não tinha o número, era de orelhão. Por que não me contou que tinha uma filha? Vou tirar satisfação agora, liga para sua mãe. A Miriam vai ouvir poucas e boas. Onde já se viu esconder isso da própria irmã. Pergunta se sou eu que faço isso! Pergunta? Sumia, ligava de vez em quando. E a tonta aqui preocupada. Quantos anos de segredo, você já é uma moça... Ai, a Miriam me paga.
– A mamãe morreu.

sábado, 7 de maio de 2011

A FACE AZUL


CAPÍTULO 3

         Dona Maura era uma mulher de quase cinquenta anos, casada a longos vinte e quatro com o Senhor José, tinham dois filhos, o rapaz, casado, a moça Paula, morava com eles. Viviam aparentemente bem como qualquer família de classe média embebida na rotina redundante do dia-a-dia. Maura era uma legítima dona-de-casa. Cumpridora de todos os protocolos caseiros. Tudo por ali era impecável e no lugar. O marido saia cedo comparecia na hora do almoço e voltava tarde.
         Quando todos saiam pela manhã e via-se sozinha, ligava o rádio e começava suas tarefas matinais; na ordem de sempre, quartos, banheiro, roupas, depois o almoço que atualmente era o mais difícil de todos os trabalhos. Não sabia mais o que variar e o que fazer. Na carne moída já havia introduzido todos os legumes e verduras, com purê, de batatas e mandioquinha, que por sinal tinha sido um fracasso. Assistia pela manhã a programas televisivos de culinária para roubar alguma ideia e tomá-la como sua.
         A filha mais nova fazia o terceiro ano da faculdade e já trabalhava em uma firma de computação. Era independente, fechada e tinha planos de sair de casa ainda esse ano, ter seu próprio apartamento, sua vida. Esse era o mote para as discussões nas horas das refeições entre Maura e a filha. Normalmente, como todo mal-entendido, acabava sem solução, com ambas achando que cada uma detinha toda a verdade.
         O casamento de José e Dona Maura era o mais convencional possível. Depois de tantos anos de convivência, a normalidade apresentava-se tamanha, que nenhum dos dois se atrevia a discutir a relação. Eram frios, metódicos nas manias, nos costumes sociais, amarrados nas tradições. Se havia amor ainda, era um amor disfarçado no respeito, claro, mas um amor desgastado e sem chances de renovação, pois, tanto um como outro, não tinham mais disposição para isso.
         Dona Maura não pensava em sua vida. Deixava que tudo acontecesse. Quando percebia em si mesma um movimento de revolução interna, de pensamentos abusados, de desejos e vontades, fazia um brigadeiro, comia a panela toda e depois se punha a faxinar em dobro, a cada poeirinha dava cabo e limpava, limpava, limpava... E os pensamentos iam junto.
        

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 2
Na rodoviária, ia comprar a passagem quando o velho vendedor perguntou se a garota ia viajar sozinha para São Paulo e garantiu que sem autorização não ia não. Luzia disse ao homem que era para sua mãe; “eu só vim comprar”, repetiu firmemente. Pensou em como faria para embarcar. Foi até o banheiro, trocou as calças por saias e meias, uma blusa de renda e xale. Prendeu os cabelos e passou o que tinha de batom nas bochechas. Olhou para a foto do RG da mãe e sentiu-se igual.
         O dinheiro enfiado nas calcinhas incomodava até na hora de dormir. Na primeira parada do ônibus decidiu descer, tinha medo, mas tudo aquilo era tão automático como se ela já tivesse feito. Não olhava para ninguém, não falava com pessoa nenhuma, agradeceu várias vezes por ter ao lado da poltrona uma mulher esquisita e quieta. Arrumou o dinheiro todo e colocou outra calcinha por cima, para firmar as notas.
         Tinha medo de dormir. Olhava para a escuridão sem fim da janela e da estrada, sabia que estavam perto de alguma cidade quando as luzes se aproximavam. Cochilava e acordava assustada. Comeu todas as balas de leite do saco na tentativa de permanecer acordada. Sonhou com o rosto da mãe que lhe sorria e abanava dizendo adeus. Luzia corria de encontro á mãe e ela repetia que estava bem e que sua vida daria certo. No sonho, tentava pegar na mão da mulher de faces azuis e não conseguia...
         O solavanco do ônibus parando acordou a moça. Luzia olhou para a janela e viu uma cidade cheia de carros e cinza. Apalpou sua saia e viu que sua bolsa estava no chão. Verificou que tudo estava em ordem. Imaginou que tudo aquilo era São Paulo. A mulher do lado ainda estava de olhos fechados. Ana pensou que ela tinha morrido e esbarrou no cotovelo, a senhora olhou feio e virou o braço para junto do corpo.
         Nunca havia visto tanta gente junta. Ficou com as duas malas, encostada no canto da grade da rodoviária. Precisava pensar. Olhou o endereço e tentou memorizá-lo. O que faria? Sentiu que a insegurança dos seus quinze anos não permitiria que fosse até o fim. Pegou o metrô e achou tudo muito interessante. Fazia uma cara de paulistana de volta á terra natal. Não olhava para ninguém, já pertencia á cidade.
         Desceu na Barra Funda como dizia o bilhete de sua mãe. Pegou um táxi e falou o nome da rua como se já o soubesse de outros tempos. O taxista puxou assunto e não obteve resposta, apenas um meneio da cabeça. O carro parou de frente a uma casa bem bonita. Luzia conferiu o número e o nome da rua, e viu que estava certo. Pagou o homem e desceu.
         Ficou ali por quase meia-hora sem coragem de tocar a campainha. Quando tocou, uma mulher de meia idade muito parecida com sua mãe abriu uma parte do portãozinho, com a cara para fora perguntou o que era.
– Dona Maura?
– Sim, quem é?

domingo, 1 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 1


A garota olhava para o corpo da mãe no caixão e não derramava nenhuma lágrima. Ajeitava o cabelo da senhora deitada e inerte, arrumava as florezinhas na mão junto ao terço. Olhava profundamente para a mulher que tinha lhe dado á vida. Uma vizinha, estilo choradeiras, exageradamente debruçava-se sobre o caixão e gritava frases desconexas e inúteis. Luzia empurrou a velha beata e pediu que se afastasse do corpo de sua mãe, iria machucá-la. Alguém falou de lá que a mulher estava morta.
 Ana Luzia colocou todos para fora da sala e gritou que ninguém mais iria velar sua mãe. Empurrou as pessoas para fora da casinha e “sem chorumelas ouviram”, a menina repetia bem alto logo que trancou a porta, e viu-se sozinha com sua mãe. Parou novamente ao lado e reorganizou as flores miúdas. Rezou o terço baixinho e não chorou.
Lembrou-se da conversa de meses anteriores.
– Filha, o doutor disse que não estou bem.
– Sim, senta aqui mãe. Vai ficar boa.
– Olha, a mãe deixou o endereço de Tia Maura, em São Paulo. Você pega o dinheiro guardado e vai, entendeu?
– Por que não vamos agora? Para casa da tia? Eu nem a conheço.
– Não quero que ninguém saiba que estou doente.
– Escreve para ela.
– Não. Ela não sabe de nada. Não falo há anos.
– Você está diferente; Não sabe do quê?
– Vai para escola, anda, vai se atrasar. Não esquece o pão.
– Ah! Posso perguntar uma coisa?
– Não filha, não pergunta mais nada.
A face da mãe agora era azul, linda, emoldurada pelo sol fraco e pálido que entrava pela janela. Luzia acariciava o rosto da mulher que havia partido. A menina pensou em jurar e prometer algo, mas não sabia o que jurar. Sabia que estava sozinha. O padre chegou com um novo grupo de curiosos. O carro da prefeitura veio buscar o corpo.
Enterraram em vala comum sem plaquinha, mas Luzia não quis ir ao enterro. Pegou o dinheiro escondido, fez duas malas com tudo que cabia e catou o endereço guardado. Era solerte nas ações, não hesitou em trancar tudo e partir, sem olhar para trás. Lembrava apenas do rosto azul e lindo.

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!