domingo, 1 de maio de 2011

A FACE AZUL

CAPÍTULO 1


A garota olhava para o corpo da mãe no caixão e não derramava nenhuma lágrima. Ajeitava o cabelo da senhora deitada e inerte, arrumava as florezinhas na mão junto ao terço. Olhava profundamente para a mulher que tinha lhe dado á vida. Uma vizinha, estilo choradeiras, exageradamente debruçava-se sobre o caixão e gritava frases desconexas e inúteis. Luzia empurrou a velha beata e pediu que se afastasse do corpo de sua mãe, iria machucá-la. Alguém falou de lá que a mulher estava morta.
 Ana Luzia colocou todos para fora da sala e gritou que ninguém mais iria velar sua mãe. Empurrou as pessoas para fora da casinha e “sem chorumelas ouviram”, a menina repetia bem alto logo que trancou a porta, e viu-se sozinha com sua mãe. Parou novamente ao lado e reorganizou as flores miúdas. Rezou o terço baixinho e não chorou.
Lembrou-se da conversa de meses anteriores.
– Filha, o doutor disse que não estou bem.
– Sim, senta aqui mãe. Vai ficar boa.
– Olha, a mãe deixou o endereço de Tia Maura, em São Paulo. Você pega o dinheiro guardado e vai, entendeu?
– Por que não vamos agora? Para casa da tia? Eu nem a conheço.
– Não quero que ninguém saiba que estou doente.
– Escreve para ela.
– Não. Ela não sabe de nada. Não falo há anos.
– Você está diferente; Não sabe do quê?
– Vai para escola, anda, vai se atrasar. Não esquece o pão.
– Ah! Posso perguntar uma coisa?
– Não filha, não pergunta mais nada.
A face da mãe agora era azul, linda, emoldurada pelo sol fraco e pálido que entrava pela janela. Luzia acariciava o rosto da mulher que havia partido. A menina pensou em jurar e prometer algo, mas não sabia o que jurar. Sabia que estava sozinha. O padre chegou com um novo grupo de curiosos. O carro da prefeitura veio buscar o corpo.
Enterraram em vala comum sem plaquinha, mas Luzia não quis ir ao enterro. Pegou o dinheiro escondido, fez duas malas com tudo que cabia e catou o endereço guardado. Era solerte nas ações, não hesitou em trancar tudo e partir, sem olhar para trás. Lembrava apenas do rosto azul e lindo.

3 comentários:

disse...

Ahá! Literário bom é assim, tem sempre um na manga... Tira mel até de pedras. Eu sabia que havia mais pano naquela citação "aleatória" da escritora de Maria Amélia. Eu sabia! (Abriu-se a porteira!)

NCC 1701 disse...

Que triste... Que tudo siga bem.

Valsa Literária disse...

Sempre se tem um ás na manga.
Seguiremos bem, há tristeza, mas há também o bom.

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