sábado, 7 de maio de 2011

A FACE AZUL


CAPÍTULO 3

         Dona Maura era uma mulher de quase cinquenta anos, casada a longos vinte e quatro com o Senhor José, tinham dois filhos, o rapaz, casado, a moça Paula, morava com eles. Viviam aparentemente bem como qualquer família de classe média embebida na rotina redundante do dia-a-dia. Maura era uma legítima dona-de-casa. Cumpridora de todos os protocolos caseiros. Tudo por ali era impecável e no lugar. O marido saia cedo comparecia na hora do almoço e voltava tarde.
         Quando todos saiam pela manhã e via-se sozinha, ligava o rádio e começava suas tarefas matinais; na ordem de sempre, quartos, banheiro, roupas, depois o almoço que atualmente era o mais difícil de todos os trabalhos. Não sabia mais o que variar e o que fazer. Na carne moída já havia introduzido todos os legumes e verduras, com purê, de batatas e mandioquinha, que por sinal tinha sido um fracasso. Assistia pela manhã a programas televisivos de culinária para roubar alguma ideia e tomá-la como sua.
         A filha mais nova fazia o terceiro ano da faculdade e já trabalhava em uma firma de computação. Era independente, fechada e tinha planos de sair de casa ainda esse ano, ter seu próprio apartamento, sua vida. Esse era o mote para as discussões nas horas das refeições entre Maura e a filha. Normalmente, como todo mal-entendido, acabava sem solução, com ambas achando que cada uma detinha toda a verdade.
         O casamento de José e Dona Maura era o mais convencional possível. Depois de tantos anos de convivência, a normalidade apresentava-se tamanha, que nenhum dos dois se atrevia a discutir a relação. Eram frios, metódicos nas manias, nos costumes sociais, amarrados nas tradições. Se havia amor ainda, era um amor disfarçado no respeito, claro, mas um amor desgastado e sem chances de renovação, pois, tanto um como outro, não tinham mais disposição para isso.
         Dona Maura não pensava em sua vida. Deixava que tudo acontecesse. Quando percebia em si mesma um movimento de revolução interna, de pensamentos abusados, de desejos e vontades, fazia um brigadeiro, comia a panela toda e depois se punha a faxinar em dobro, a cada poeirinha dava cabo e limpava, limpava, limpava... E os pensamentos iam junto.
        

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