quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

FIM DA LINHA

              Não tenho tido tanto tempo para você. De fato  é bem verdade isso. Há um tanto de desculpa nisso também, mas o que é  a desculpa senão uma mentira travestida de bem? Larguei mão da linha, da costura e da vontade de preencher essas linhas daqui tão virtuais. Não abandono porque há sempre uma necessidade de escrever algo torto, assim de repente, até de chofre. Começamos com mais ternura do que afinco. Eram tantas as postagens, tantos os dizeres, agora nem um nem outro, nem quase nada. Não me calo ainda; por hoje sei que é o fim da linha desse ano e não se avolumaram os tomos como dantes, nem os leitores, e como precisei deles... mas fiz algo de escrever por aqui. Meus pés andam cansados dessa Valsa Literária, e quem está a ligar para isto?
             Camões diria que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, sei bem o que é o tempo e mais ainda entendo das vontades. Não tenho alma de escritora, nem mão de escitora, não tenho nada além da palavra minha que sai em tropos defigurados e descosturados do que é dita a tal da Literatura. Sei tanto disso também. Porém, é a vontade que eu desejo da palavra, sinto cheiro dela em mim. Não a conheço lá na alma, conheço um pouco o normativo vocábulo que uso para ser a Marili que acho que tento ser diariamente, todavia aquela que escreve é tão outra desconhecida minha que ora vem, ora vai, ora não volta.
              Machado diria que há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. Que é o que escrevo se não o trivial? Crônico! Tão banal que não há interesse nisso, há tanto a ser lido, há mais para ser visto, quem há de querer passar a vista no óbvio. Crônico! Carnicão. Decerto isso é assim mesmo, quem chegar ao fim da linha disso tudo já é um vitorioso. Não há tentativa de ser maçada, é só a vontade mesmo da dita palavra.
              E assim Saramago diria que se os seres humanos não morressem tudo passaria a ser permitido, e não é isso que eu quero, nem ninguém quer. O bom da palavra é que ela é permitida, para todos e até para mim, posso dizer o que quero dela e ela de mim. Isso é tão democrático, tanto, que me assusta, é democrático demais, porque pode ela existir e ninguém querer ver, ler, ouvir, passar um olho sequer.
              Há tantas linhas ainda, por hora é o fim.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

DIALÉTICA DA VIDA

falta nessa vida
o tema
falta nesse tema
o assunto
assunto sem tema
é o vazio
tema com assunto
é tese
e a linguagem
é a síntese!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Facécias

Era amigo se dizia
e de pronto se fazia
não se sabe que fim houve
só não lhe tenho mais serventia!

Dois tostões pagou ao amor
sem entender o pregão
morreu de amor a morena
triste fim ao coração.

É preciso dedicação
para sustentar o quinhão
o que escrevo é palhinha
espaiáda nesse mundão.

Quem de mim gosta
de mim quer só ficar
se um dia poeira afasta
resta em mim arrancar.

Se não presto ao canto
tanto quanto espanto
só me sobra o encanto
do meu verso esperanto.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

EXQUADRILHA (providencial)

era o branco
que virou negro
que virou de esquerda
que deixou de ser negro
que era de direita
que gostava do pardo
que veio de lá
que gostava do índio
que não gostava e
que não torcia para ninguém
o branco virou
homofóbico
o negro foi fazer faculdade
o pardo está em cima do muro
não sabe se volta para lá
e o índio...
o indío, que maçada...
foi tratar de ser índio, oras!

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

RESSACA

tanto mar há
na minha palavra
de ressaca
vai e não vem
diz que tem
reflexo de mim
a poesia é salgada
há choro no mar
conturbado o poetar
vem e não vai
ondulatório verso
que não sai

terça-feira, 26 de agosto de 2014

POEIRA

                    A mulher passa o dedo sobre o piano fechado e mudo. A grossa poeira gruda em seu dedo indicador, há na poeira o indício do tempo, há no seu dedo fragmentos de passado. Com um pano limpo resolve retirar o tempo ali depositado em forma de fungos, bactérias e vestígios mortos. A música já não se ouve mais. Passa várias vezes o pano seco. Decide molhar com algo. Sem compasso. Lembra-se do óleo de peroba e volta a dar um brilho no tampo. Lustra. Acha que ficou embaçado e retoca com a flanela. Abre a tampa e vê as teclas amareladas, nada pode se fazer contra o amarelado da saudade.
          O piano continua em silêncio e a mulher também.

sábado, 16 de agosto de 2014

POR...VIR

                        Tenho visto pouca coisa, tenho escutado tão pouco, só tenho sentido o cheiro das fumaças dos carros, porque não tenho tido tempo de fechar os vidros, pois só há tempo para deixar que o dia termine e que venha logo o outro e tenho visto pouca gente, tenho escutado pouquíssima música e tenho achado pouca ou nenhuma graça nesse estado de deixar o tempo passar grosseiramente em minha vida, e acabo respirando o nada e minhas roseiras brotaram repentinamente e não estava a vê-las, e não tem nenhuma graça nesse arrastar-se pelos dias vãos, porque tenho o trabalho de trabalhar dia a dia, e só tenho comido as porcarias porque são as mais rápidas para se comer e fechei o livro porque a leitura estava arrastada e vazia, ou porque não era o tempo de ler nada, apenas é tempo e hora de vestir-se e levantar-se e deixar que o dia me leve o bom humor de ontem, amanhã é dia de descanso, há no fim de semana algo de metafísico e alguma coisa que não se pode se defender, há nos dias de descanso algo de mórbido, ou de mistério, há que se renovar para os dias que virão, que coisa, que coisa, tudo está porvir.

sábado, 26 de julho de 2014

BICHO-GRILO

papão
de grão
de não
de confusão
adepto ao vão
odeia ladrão
sonhos desvão
palavra versão
de não
senão gestão
queima o brasão
dorme em papelão
esconjura patrão
detona o refrão
demão
de não
de grão
vidão

segunda-feira, 21 de julho de 2014

NA DÚVIDA

...mantenha o charme. Vi essa frase há muito tempo, ainda criança, na porta do quarto de minha tia, creio era o Snoopy quem falava, com um sorriso irônico nas fuças caninas. Não sei porque tal imagem veio aflorar em minha mente agora, hoje, e pensando, já que existo, matutei que tenho tantas dúvidas, tantas, que não cabem em verso menos muito em prosa, e nem folha existe para relacioná-las em rol. Mas certo é que tento manter o charme, irônico idem, em todas elas, aliás vivo me requebrando em poses elegantes e nada. Há cheiro de dúvidas no olhar, sou toda uma interrogação e carregada de reticências...

segunda-feira, 14 de julho de 2014

TIPOLOGIA OU ESTUDO DA NATUREZA HUMANA

          Amarro meus sapatos. Se os amarro, ainda, curvando-me sobre a barriga que se encolhe e vou até os cadarços para entrelaçá-los por entrededos, sei que ainda manejo minha vida. Ora, então, espanto as pombinhas todas tantas quando sinto o pouso demasiado, assim como bebo do gole amargo e trago a fumaça vazia. Faço da minha mordaça quando necessito grito e julgo a mim o que é fato. Ora, pois, que vem de dar de ombros a vida em minha cara, põe a rir-se estúpida e estragada em dentes esburacados. Respondo à dita com o mesmo rancor, porque já não mostro os dentes á toa. Olho com olho esbugalhado, bem abertão mesmo, longe de ser tapeada, sou estúpida, não pulha, sou pudicícia, graças a deus. E com os peitos derrubo a derrocada, paulada nela, porque brava sempre fui e hei de ser até bem velha e sem dentes também. Pago meus impostos, pago meus pecados e tenho tido todos nesses tempos de carências tamanhas e também pago meus vícios, porque tenho tantos necessários prazeres viciados em vícios, já que os vicio, vicissitudes e pago bem, muito bem. Ora, mais, que por tanto tempo  temos esperado que a bosta seque antes mesmo de sujar meus sapatos nela ainda molhada, nesses dias em que há tanta bosta para ser pisada, amarro meus sapatos, estão limpos, bem sei que estão e dou gargalhadas para vida!

sábado, 12 de julho de 2014

Ocaso

O dia amanheceu em instantes, o Sol bateu com raio velho e fraco, pequenos frames do anteontem e as frágeis memórias são latentes, há uma dúvida no ar, sinto o passado agora e ele me aparece mais compreensível que dantes, porém não menos doloroso. Há cheiro de ontem. Queria poder derramar a mesma lágrima chorada, mas já soa tão entendido esse passado que não há verdade em chorar por ele novamente. Enterro hoje e vislumbro um bocado de amanhã.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

DE REPENTE É AQUELA CORRENTE PRA FRENTE

manifesto
intenção
grito greve:
de pipocas
rói a unha esquerda
e palpita o peito
a zaga relaxa
quase
VAI INFELIZ
o coro anuncia
uhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
de trivela
sai da banheira animal
rói a direita
aahhhhhhhhhhhhh
bebe mais um gole
arfa, arfa
sem firula
sem firula
vaiiiiiiiiiiiiiiiiii
chuta, chuta, chuta
na gaveta
GOLAÇOOOOOOOOOO!




domingo, 8 de junho de 2014

ROTINEIRA

o café que tomo
não tem o mesmo gosto de ontem
e por que cargas a vida
sempre me parece a mesma?

sábado, 31 de maio de 2014

SAUDOSISMO (Para Enrique)

Escrevo se posso
possuo palavra a ser escrita
que escorre tal qual
lagartixa
o tempo encurtado
obriga o poeta
a escrever o óbvio,  o doentio desejo
das paredes sujas de pó
retiro o passado
tenho saudade
da escrita volátil
que fora de mim se estende ao Sol

sábado, 3 de maio de 2014

NASCENTE ( Para mim de mim)

nasci outrora
sem fórceps
quase impulso
me expulsou
ao mundo
chorei porque era necessário ditar o tom da minha voz 
assim
sou brava
quase sempre choro
escondido
tenho medo
de todos e de tudo
sou briga
quase sempre arrepio
do incerto e do Sol
sou poesia
e rio porque é necessário ditar o percurso da minha vida
sem fórceps
me expulso
para vida
minha vida
de agora

sexta-feira, 2 de maio de 2014

O AMOR

Você sabe de mim
tanto que conhece
até os segredos
até os prazeres
que me fazem sorrir assim de repente

Você sabe tanto
em mim, cabe tanto
assim
os prazeres
tantos afazeres nos fazem suar

Você tanto em mim
até que dói
até que nunca
assim cabe
tanta saudade em nós

Sou santa sua
Você sabe tanto
os dizeres
que me faz medo assim de repente
o amor da gente


quarta-feira, 16 de abril de 2014

NOSSA-FOSSA-BOSSA-MOSSA

aceita e pronto
é mais fácil
assim o mundo
olha para o incrível
descaso
acaso
para a tragédia
pelo perdido
e achado também
olha a Lua
olha o planeta vermelho
que lindo!
é a mesma cara
que olha para o dia chuvoso
recebeu pancada
aguenta seu vadio
aceita que é menos doído
é crível
é possível
é justificável
vê aquele corpo caído
coitado dele
nossa que pena!
olha a rosa desabrochou
a casa caiu
a água acabou
alagou, afogou
o barco vai, aceita que o barco segue
que dó
aceita que é a vida
Deus está vendo
Deus está vendo nossa cara!

terça-feira, 8 de abril de 2014

FÁBULA DA CERTEZA


Dona Certeza era realmente a dona da verdade. Dava conselhos e dizia sempre o que era melhor para a vida dos outros. Há quem gostasse dela, e obviamente na grande maioria quem a odiasse. Não se sabe ao certo se o malquerer era porque os conselhos e supostas verdades eram mesmo verdades para quem os ouvia, ou pura balela. O que se sabe era que a Dona Certeza ganhou fama no vilarejo.

Certo dia, qualquer, um dia de primavera se preferir, são mais adocicados para se criar o clima desta fábula, um viajante chegou á cidade e fincou pé na hospedaria. Logo ficou sabendo da fama da mulher e resolveu que teria com ela algo de prosa. Contou o caso rapidamente que não era homem de falar ao vento, e aguardou que a mulher lhe desse os conselhos.

Dona Certeza meneou a cabeça e disse que não poderia ajudá-lo e o viajante titubeou, mas perguntou o motivo. Certeza respondeu que o tema era profundo demais e que embora ela soubesse de toda a verdade, nesse caso específico lhe faltavam dados. Não sabia quem ele era, nem lhe tinha afeto, não saberia dizer de onde tinha vindo sua cara e para donde ela iria, portanto não lhe servia de nada, dizer-lhe a sua verdade.

O homem calou-se, concordou, e rumou sua partida para outro canto. A cidade amanheceu intrigada e estupefata quando soube do causo, e há quem diga que Dona Certeza ficou mais popular, porém sempre dava conselhos e dizia toda a verdade para os seus apenas para os seus.

Moral: Quase sempre todas as verdades não são para quaisquer ouvidos.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

GLOSA PARA CHIQUINHO

MOTE DO CHIQUINHO
Descida ribanceira percebi, não havia beira
Se revés olhasse, melhor seria havia ladeira

GLOSA PARA CHIQUINHO

A vida, claro, nem sempre me apadrinhou
Aprendi às duras penas, bem eu já tinha...
Que para acertar o buraco, com fina linha
Dependia somente de minha esquadrinha
Pela caminhada em tão longa passadeira
Cruzei sem ver por várias alfarrobeiras
Tivesse visto, eram tantas as goiabeiras
Não contava apenas, com a abençoadeira
Descida ribanceira percebi, não havia beira
Se revés olhasse, melhor seria havia ladeira.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

DESVÃO

Escondo-me em palhas
de forma mimética
desapareço do alvo
rastejo e emudeço, pois o preço é alto
tenho medo não
do vento mas da ventania
tenho medo não
do homem, porém da primazia
delicada palha
que me envolta tampando meus sóis
silencio
silencio
quem me conhece
espanta com as palhas todas
tenho medo não
do amigo, do castigo
o preço é alto, já disse, não falo
quem não me conhece compra
quem conhece, aceita
espreita
espreita
sumo do que é óbvio
não sigo as retas, vislumbro curvas
são tão retorcidas, e assim
desapareço
desapareço
quem me aceita, precisa e ajeita as palhas todas
quem acha que conhece, tolera
tenho medo não
do conhecido, contudo do fanfarrão
o preço é alto, meu amigo
eu te disse, não disse?



terça-feira, 1 de abril de 2014

RETROVISOR

tenho visto vocês por aí, é sempre bom ver gente por todos os lados sendo apenas gentes, e quanta humanidade há nisso tudo, devem estar todos bem porque os sorrisos são de felicidade, esperemos que sim, tenho andado ocupado, caros amigos, meu time tem ganhado e nem pudemos comentar o assunto, lembram-se daquele nosso amigo, o de pernas tortas, separou da mulher, está a ver demônios, saiu com mão na traseira porque a dá frente nem existe, tenho visto vocês todos, quanta humanidade há em toda essa gente, coitado dele não é mesmo, mas nem amor havia mais naquele casal, tenho andado ocupado, tenho trabalhado muito, tem faltado muita humanidade em mim, mas se os sorrisos são de felicidade deve ser por causa dela mesmo, coitado dele, nem seu time ganhou...nos vemos por aí

sábado, 29 de março de 2014

SEM ESTILO


A cada dia que transita meu escrever diário fico com mais raiva da linguagem; não sei por que tive que estudá-la antes de descobrir a poesia e a literatura. Demorei a perceber que se não soubesse parte da sintaxe, ou da morfologia seria bem mais feliz. Não tenho estilo literário, não quero ter um estilo literário, nem sei se o que escrevo tem algo de literatura. E o meu conflito parte justamente pelo fato de que como professora de Língua Portuguesa eu analiso o que a escritora escreve, e essa simbiose doentia enlouquece.

Em uma das leituras dessa semana, por mero acaso, ou talvez porque nossos olhos busquem sempre solução para aquietar a alma em angústia, li trecho de Jorge Luis Borges que me fez não digo pensar, mas repensar algumas coisas. O capítulo intitulado: La supersticiosa ética del lector, dizia em seu início “ La condición indigente de nuestras letras, su incapacidade de atraer, han producido uma superstición del estilo, uma distraída lectura de atenciones parciales. Los que adolecen de esa superstición entienden por estilo no la eficácia o la ineficácia de uma página, sino las habilidades aparentes del escritor: sus comparaciones, su acústica, los episódios de su puntuación y de su sintaxis.”

            Fiquei a pensar na minha exigência em relação ao que escrevo, sou leitora de mim, e dessa forma busco o tempo todo o cuidado excessivo nas regras, na pontuação e na linguagem que uso. Tenho imenso cuidado para não produzir neologismos exagerados e mais ainda, pavor da licença poética, como justificativa para a bobagem, para o sei que lá poético. Diante disso há espaço para a escritora em mim? Não sei. Bem sei que há penúria e sofrimento, as escrituras saem sempre tortas e fracas. Ainda citando Borges: “Son indiferentes a la propia convicción o propia emoción, buscan tecniquerias que les informarán si lo escrito tiene el derecho o no de agradarles.

            Nessa singular relação entre os meus dois “eus” fica a tentativa do entendimento daquilo que escrevo livremente, quando consigo soltar as amarras e não faço alterações de estilo ou de ordem fonética, e as palavras saem saltitantes como música, porque têm nelas a necessidade de plantar-se nas linhas e existirem por si mesmas, sem o jugo da carroça atrelada e presa.

            Bom foi ter lido isso, e talvez todas essas reflexões amenizem a minha questão e faça com que eu consiga escrever o que for para eu escrever, o que minhas histórias quiserem contar e o que as minhas poesias quiserem sentir. Não poderia terminar sem citar Borges novamente, já que metade desse texto é com sua parceria; para se pensar sobre tudo: “...la literatura es uma arte que sabe profetizar aquel tiempo en que habrá enmudecido, y encarnizarse com la propia virtude y enamorarse de la propia disolución y cortejar su fin.”

sexta-feira, 28 de março de 2014

INDISCIPLINA

Não querer fazer, não arrumar, nem pensar em ajeitar
faço da minha rotina uma
indisciplina diária
e sou mais feliz
por isso!

domingo, 23 de março de 2014

TEMPORÃO

eu antigamente era
bem mais velha
tinha tantos mais
cabelos amarelados pelo tempo
e tantas ideias turvas
e meus olhos cataratas
tenho tamanha urgência no viver que dói
a tal artrose da vida
tenho


tinha não antes
por isso era tão velha
quando jovem
era tão secular e frágil e quebradiça nos atos
entendo tanto o eu de ontem
que pena,
tivesse eu entendido dantes
não teria tanto peso
na alma

terça-feira, 18 de março de 2014

MENTIRA DE DEUS (Por empréstimo o título: de Suassuna)



Desde criança
quem sabia que era apologia
para a poesia, fantasia de mim?

Ganhava relho e grito
nas glosas que intentava e
nas histórias que inventava.

Só Deus ouvia a prosa
e dava baita risada
demorei para ouvir o riso!

sexta-feira, 14 de março de 2014

SOLITAS SERÁ?

Li artigo recente dizendo que a palavra saudade, existente apenas em Língua Portuguesa, é a sétima mais difícil do mundo de ser traduzida. Ora, pensando nisso, observei o porquê de tantos poetas, escritores, músicos, afins e loucos adorarem tanto seu uso. Eu adoro. E tentei pensar no que o vocábulo para mim significava, em contextos denotativos e claro, conotativos. Segundo Aulete (meu dicionário preferido) é um sentimento provocado pela lembrança de algo bom vivido ou ainda, pela ausência de pessoas ou coisas.
Veja então que imenso paradoxo: lembrança boa versus ausência ruim. Eu sabia que algo me incomodava tanto, quando pensava em sentir saudades e não sabia que era a tal da linguagem, o tal do significado das coisas. Esse sentimento sem nexo na minha cabeça, agora se aquieta em pequeno entendimento, eu acho! Pura nostalgia é feliz; outrora vazio, um buracão enorme no peito sem explicação a ser preenchido pela memória, por uma fotografia, pela pessoa que chega, era triste, de repente fica alegre. Ai.
É isso? Sei não. Confusa.
Porque se as definições e traduções não dão conta de suprir a palavra, quem sou eu para tentar abalizá-la. Eu sinto e pronto; aliás, sou cheia de saudades, de cheiros, de lugares, de pessoas, de tudo. O licor de figos da minha avó sei que jamais beberei o dela novamente, e fico tristonha à beça, e vem a “saudadela”, e a reminiscência e toda a carga sentimental do mundo.
Ai, ai, ai.
Uma coisa é unânime, talvez para mim e para você que está lendo agora. Sentimos, não é mesmo? E a palavra em si é uma belezura, SAUDADES, seus derivados também, saudoso, saudosismos. Os escritores, poetas e apaixonados agradecem, ainda bem que nasceu por aqui, em solos brasileiros, seria maçada tê-la em traduções, apenas.


domingo, 9 de março de 2014

DIEDRO

entendo pouco
da vida
quase nada
das gentes todas
essa dialética
da despedida me entristece
tanto
tanto
cansei de quase todas as metáforas
foras
desforras
arrumo quase sempre os quadros tortos nas paredes
e sempre vejo ironia nisso
preciso desarranjar
é meu sorriso
ele sim
anda medonho


quinta-feira, 6 de março de 2014

PELADA de REPENTE

que faço eu com essa pendenga
arrasando meu pensamento
gosto tantão de futebol
chegando a passar bem-mal,
dependendo da ocasião,
sempre com sofreguidão
sonhava com a copa
bem aqui na minha mão
guardei dinheiro no banco
para devida ocasião
mas...
de nada serve a paixão
no país da corrupção, meu vintém
compra ingresso não
nem apazigua meu coração
só me resta protestar
bem alto e com razão
essa copa não é minha,
tão pouco de nossa nação
e lá no fundo, de repente
bem baixinho, torço calada
diante de um telão!

quarta-feira, 5 de março de 2014

SORRISO CAPIXABA


Senhor Domingos ia de um canto para outro da barraca, com o facão em punho, pronto para abrir vários cocos. De imediato o rosto era sisudo, mas quando dissemos que a banana da terra frita estava espetacular, seu sorriso capixaba abriu-se em flor e daí por diante ficamos velhos conhecidos. Isso tudo, o homem, sua família, a sua barraca de sobreviver, montada ali, diante da praia linda, me fizeram pensar no Brasil, na sua gente, na boa gente que ainda resta, que devolve um sorriso diante de um elogio banal, do esforço que se faz para ainda ter prazer em viver.

Se eu fiquei melancólica? Muito. Demais.

Fizemos tudo de mais simples, construímos castelos de areia, caminhamos, tomamos picolés por um real, queijo de coalho assado por outros trabalhadores que iam de lá para cá na areia quente, água- de- coco, pegamos ondas, ralamos os joelhos e engolimos água salgada, muito Sol, quase insolação;  íamos na barraca do Senhor Domingos e aproveitamos tudo que era possível fazer de bom e de simples. E foi tão maravilhoso.

Se eu fiquei pensativa? Muito. Bastante.

 Agradecida? Por demais.

Eu estava por ali, de férias, pequenas férias, um privilégio, para poucos, hotel de primeira, com vista escandalosa de uma praia brasileira; dinheiro bem juntado e muito bem gasto, claro, mas o bom mesmo foi comer mandioca, banana da terra e ganhar o sorriso generoso do Senhor Domingos.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

PASTAGEM

                Há quem diga que como o vento porque nele respiro e tenho tamanha certeza de estar vivo que contemplo o amanhecer; e as pastagens que ali aparecem como num quadro, pintado, com tinta que dissolve em água, para um dia desmanchar e agora se mostram por um instante vivas também. E assim é o contemplar dos meus olhos nas coisas, que mudam tão rapidamente que não há fôlego.
            E tem o vento, ora brisa, e respiro, e estou novamente vivo. Bebo os alísios que sopram regularmente vindos sabe lá de onde, e pouco me importa de onde vem, porque não há necessidade da origem e da compreensão, há sim carência de senti-los, nas caras, no peito e nos cabelos. Buscar significado nas coisas é uma perda de tempo tamanha, e não tenho tempo para isso; não se pode perder hora com análises das birutas e que rumo elas indicarão, de que me serve isso?
            Hoje as pastagens amanheceram mais amareladas e esse é o meu tempo.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

LIMBO

ninguém gosta do nublado
preferem os sóis
há quem exija a chuva
de modo melancólico
hoje amanheceu nublado e fiquei tal como o hoje
indefinida
cinza
em rabiscos
apenas os meus contornos na sombra que não há

domingo, 16 de fevereiro de 2014

HUMOR AQUOSO

Olho vivo
é claro
observo
soslaio
é incessante
o acaso
descaso
pisca
lágrima
pisca
vês?
Está claro!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

...

...é na tentativa, que contemplo o mesmo Sol com outros olhares, porque acredito que hoje ele tenha amanhecido diferente; e eu sei que tudo é tão frágil quando olhei para o vaso e achei o restolho da cola que antes juntara os cacos, e bem sei, não é mais perfeito, mas é vaso ainda, e serve bem para descanso das rosas ainda vivas e rosas; é na espera que imito os outros dias que foram tão bons e felizes, porque creio nos outros que viverão nas minhas fuças felizes e risonhas; choveu pela manhã e tinha cara de bolo o dia, e fiz o bolo para brindar a chuva, porque é preciso acalentar o espírito nos dias chuvosos; e tento mais que nunca, mais que quase, porque entendo as adversativas e as perdoo por isso, ser muito feliz...

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

COMÍCIO INTERNO

odeio gente babaca
gente que baba sempre por qualquer merda
e não vê nada a não ser
a baba e o babaca que produz a merda
odeio o novo acordo ortográfico
odeio as regras todas, incluindo as minhas
odeio dirigir, mas odeio mesmo
odeio laços em sapatos
odeio mentira e desculpas
e mais, odeio ser enganada
odeio diminutivos, esses eu odeio muito
odeio legião urbana e funk
odeio gente egoísta e altruísta
odeio ovo com sal
odeio o cara largado na rua
odeio muito toda a sacanagem que fazem com o nosso dinheiro
odeio calça apertando os bagos dos homens
odeio não saber tocar um instrumento...

e muitas vezes odeio ter que odiar.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

VOLUME ÚNICO

escrevo o instante
se sinto passa
tempo e resmungo
já senti o atrasado
e a linha é muda
rogo ao futuro
que o momento pulse
como dantes, vivo
pululante


escrevo o passado
passou e o sinto
resmungo ao tempo
não volta o momento
peço o antes
revivo


imagino o futuro
num único



domingo, 9 de fevereiro de 2014

A MENINA DA ERA AQUÁRIO


Antes mesmo de nascer já estava escrito, porque Urano e Saturno definiram isso, que a menina seria do signo de aquário. Ao nascer seu mapa astral traçava um destino certo e suas características já eram bem definidas, seria ela excêntrica muito introspectiva, e estaria anos-luz de qualquer outro ser de signos inferiores, diria sua avó paterna. Ganhou patuá da tia, terço da bisa e santinho de batizado dos avós que faziam muita questão.

E a garotinha cresceu sob a influência dos astros, das cartas e cercada por todo misticismo que eram marcas, quase um brasão, da sua família. Do lado materno, as rezas constantes e seu anjo da guarda eram sempre evocados; foi levada na melhor benzedeira da região para curar sua asma crônica, e teve seu corpo esfregado por folhas de louro e arruda.

E assim com tanta proteção, a menina chegou aos dez anos, com sua asma quase curada, saudável, boa e seriamente muito introspectiva, como boa aquariana que era. Não era criança, porque os aquarianos são muito sérios para isso, era uma pensadora nata. Lia seu horóscopo todo dia, rezava pelas tardes porque era hábito e para garantir repetia com sua avó os pedidos ao anjo da guarda, na hora certa que era para não dar muito trabalho ao moço.

Contudo, ela pensava muito em tudo isso. E com o tempo veio a dúvida. 


Assim, aos doze anos a outrora menina, agora adolescente, nas bases de suas características de eloquência, de pensadora do mundo, pensou que talvez tudo aquilo já não lhe bastava, e que, seguindo seus raciocínios lógicos e previsíveis, toda aquela falação era uma grande bobagem. Quando soube que Newton estabeleceu, através dos estudos da mecânica celeste a regularidade e previsão dos movimentos dos planetas no céu, pensou que a astrologia era inaceitável.

No Natal daquele ano, para choque geral da família, a tia-avó quase desmaiou, ainda bem que a bisa já havia morrido para não escutar isso, a avó pensou em deserdá-la (o colar da Nossa Senhora iria para outra neta) a garota declarou que não acreditava em Deus, que astrologia era a maior babaquice, sem método científico algum, que anjos eram bonitinhos assim como duendes, fruto da nossa imaginação, e que agradecia toda a suposta proteção e orações desferidas a ela durante esse tempo todo, que bem ela sabia eram de coração, bem intencionadas pela fé, mas que a partir de agora ela dispensava tudo isso.

 No canto da sala, o tio quieto, bem quieto, ria baixinho...

 

 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MIM

tem dia que fico cansada
de mim
como se quisesse
sair desse lugar que eu habito
das mesmas
ladainhas que penso
meu jeito
ah... que jeito é esse?
discuti comigo e nada saiu agradável
eu queria mudança
no hábito
se as tenho hoje
foi porque, por algum motivo
desliguei de mim
sabotei meu eu
e se agora me vejo assim cansada
confusa
é que deixei para o ontem meu outro ser

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

ARROUBO

Em mais de tantos anos não tinha pegado em suas mãos para que andássemos lado a lado, e não precisássemos nos mirar, porque sabíamos que não era preciso...
o caminhar
teria sido mais fácil
de mãos dadas;
Eu não teria ficado tão triste, tão assustadoramente triste, quando você me olhou e não me reconheceu, e assim num fragmento do segundo da sua memória que já não mais existia, você sorriu com uma lagrimazinha que escorreu pelo canto do olho
teria sido mais fácil
falta em mim coragem
no caminhar.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

POEMA ELEMENTAR

não é simples
mas é como olhar
o seu olhar, que vê natural
ou não
vejamos, é óbvio
depende da harmonia
do nosso havia
se há cadência
no dia a dia
depende da melodia
e do meu humor
seu horror
se há analogia
fica complexo
ainda há amor?


elementar é a nossa vida

sábado, 11 de janeiro de 2014

sábado, 4 de janeiro de 2014

INATINGÍVEL


A claridade rompe minha

Retina e desloco o corpo

Para o lado do desconhecido

Um ranger de dentes assombra

E sinto uma vontade adocicada

De ter o inatingível

Meu ser agora desconfia

Do óbvio, do meu-daquilo

Quantas vezes respondo para aquelas indagações que me deixam com a maior dúvida do mundo?

Ignóbil meneio minha cabeça

Ao que não posso ter

A claridade é doentia

O corpo me assombra

O ranger das retinas é desconhecer-se!

 

 

 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

QUEBRA-MAR-DE-SONHO


O garoto estava sentado no quebra-mar do Porto de Barra dos Coqueiros. Os pés balançavam ao vento que soprava agora do mar para a terra. Atirava o olhar para as embarcações que reluziam seus contornos nas águas salgadas ora onduladas. Uma sensação de tranquilidade lhe vinha ao corpo toda a vez que ali sentava; quando tinha pensamentos ruins, quando eram bons e esperançosos, quando queriam escapar-lhes da mente, enfim, esse era o seu lugar no mundo.

Poucas vezes ganhava uns trocados por ali, dos marujos e fiscais da receita. Mas seu sonho mesmo era entrar num daqueles cargueiros e com olhar de pedinte ficava ali postado quando algum atracava. Sem coragem de pedir, apenas insinuava, mas na vida as pessoas fingem que não entendem as indiretas, porque para elas é mais cômodo assim o fazerem.

Naquela tarde de fim do dia, um imenso navio espanhol havia atracado por ali, o menino correu para ver a lindeza que era. Observava atento para os guindastes que iam e vinham, descendo os contêineres carregados de sei lá o quê. Muitas vezes era enxotado dali, porém dava um jeito de se esconder, sempre queria ver o capitão que trazia barbas, sim, quase todos tinham barbas espessas e uma cara de felicidade estampada.

Estava nessa espera quando o homem desceu; em seu olhar carregava o peso da responsabilidade e conferia se a carga estava sendo retirada corretamente. O moleque fixou o olhar no altivo sujeito que imediatamente virou e sorriu por estar sendo também vigiado. O guri arregalou os dentes e sorriu. O capitão acenou para que ele viesse.

O homem de barbas grisalhas não disse palavra. Pegou na mão do menino que a estendeu sem saber motivo e caminhando, calados, subiram as escadas do navio, percorreram convés, ponte e chegaram à torre, desceram ao porão, passaram pela casa das máquinas e culminaram na cabine.
Lá o menino recebeu o quepe na cabeça e ficou rindo com barbas imaginárias; depois foi devidamente autorizado a tocar o apito da embarcação que soou aos sete mares e aos ventos de Sergipe.

 

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!