CAPÍTULO
OITAVO
Pela
manhã acabou de reler o seu livro preferido Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Que coisa! Quando leu esse livro ainda moço parece-lhe outra coisa. Como podia
o mesmo livro, as mesmas palavras soarem-lhe tão diferentes agora? Sentia-se
tão próximo da personagem. Talvez fosse isso: era velho. Todas aquelas frases
que antes despercebidas, agora, iam formando imagem para ele mesmo, como num
espelho.
Assim
como Cubas, estava tão perto da morte; o outro era a própria, escancarava sua
vida aos leitores sem medo da rejeição, do julgamento e da vergonha. Assim como
o autor defunto, ele havia relembrado sua vida, boa e monótona vida. Percebeu
que eram opostos. Mas há quem diga que é na oposição que se chega à síntese. A
velha e boa dialética da vida. O velho Jonas sabia que aquela nova leitura o
havia deixado diferente e pensativo.
Ficou
segurando o livro, agora fechado e sentiu que embora a leitura tivesse chegado
ao fim, sua imaginação, seus pensamentos e ideias, não. Todo o sentimento
estava aflorado e não eram mais tão confusos como inicialmente. Algumas
certezas configuravam-se em sua mente, brevemente rascunhadas, ainda, porém
tinham um esboço, e todo bom desenho começa sempre com um esboço.
O
cochilo veio vindo por causa da tarde encalorada e também pela barriga cheia do
almoço feito e deixado por Nicinha. Ele queria tanto sonhar. Sonhou. No sonho
conversava com o defunto Brás Cubas, os dois discutiam seriamente sobre a
conduta humana, discorriam sobre o mal e o bem, a falta ou não de caráter, a
moral.
– Jonas, amigo!
– Meu Deus! Um pobre velho
não pode cochilar mais nessa terra? Vou começar a passar a chave. O que faz
aqui seu trancinha?
– Ora, é assim que recebe
seu melhor amigo? Fiquei preocupado, foi somente isso, não quis fofocar.
– Mas fez, não é? Peço um
favor e pimba! Todos sabem.
– Bem que eu disse ao João
que você ia ficar bravo. Deixa de ser assim, você está estranho, não tem ido
jogar dominó, vive enfurnado lendo sei lá o quê, e achei estranho mesmo querer
ir a outro médico...
– Estranho nada.
– Está sim, eu o conheço o
suficiente.
– Não conhece não. Nem eu
mesmo me conheço mais!
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