segunda-feira, 17 de setembro de 2012

UM SONHO APENAS


CAPÍTULO OITAVO

Pela manhã acabou de reler o seu livro preferido Memórias Póstumas de Brás Cubas. Que coisa! Quando leu esse livro ainda moço parece-lhe outra coisa. Como podia o mesmo livro, as mesmas palavras soarem-lhe tão diferentes agora? Sentia-se tão próximo da personagem. Talvez fosse isso: era velho. Todas aquelas frases que antes despercebidas, agora, iam formando imagem para ele mesmo, como num espelho.

Assim como Cubas, estava tão perto da morte; o outro era a própria, escancarava sua vida aos leitores sem medo da rejeição, do julgamento e da vergonha. Assim como o autor defunto, ele havia relembrado sua vida, boa e monótona vida. Percebeu que eram opostos. Mas há quem diga que é na oposição que se chega à síntese. A velha e boa dialética da vida. O velho Jonas sabia que aquela nova leitura o havia deixado diferente e pensativo.

Ficou segurando o livro, agora fechado e sentiu que embora a leitura tivesse chegado ao fim, sua imaginação, seus pensamentos e ideias, não. Todo o sentimento estava aflorado e não eram mais tão confusos como inicialmente. Algumas certezas configuravam-se em sua mente, brevemente rascunhadas, ainda, porém tinham um esboço, e todo bom desenho começa sempre com um esboço.

O cochilo veio vindo por causa da tarde encalorada e também pela barriga cheia do almoço feito e deixado por Nicinha. Ele queria tanto sonhar. Sonhou. No sonho conversava com o defunto Brás Cubas, os dois discutiam seriamente sobre a conduta humana, discorriam sobre o mal e o bem, a falta ou não de caráter, a moral.

– Jonas, amigo!

– Meu Deus! Um pobre velho não pode cochilar mais nessa terra? Vou começar a passar a chave. O que faz aqui seu trancinha?

– Ora, é assim que recebe seu melhor amigo? Fiquei preocupado, foi somente isso, não quis fofocar.

– Mas fez, não é? Peço um favor e pimba! Todos sabem.

– Bem que eu disse ao João que você ia ficar bravo. Deixa de ser assim, você está estranho, não tem ido jogar dominó, vive enfurnado lendo sei lá o quê, e achei estranho mesmo querer ir a outro médico...

– Estranho nada.

– Está sim, eu o conheço o suficiente.

– Não conhece não. Nem eu mesmo me conheço mais!

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