quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM

Maria Amélia, 52 anos, solteira, sem filhos, habita um apartamento de dois quartos no centro de São Paulo. Dona Amélia levava uma vida tão comum e inóspita, que não conseguia encaixá-la em nenhuma história.
                Como em sua vida nada acontecia, nem acontece, ela não podia transformar-se em matéria para a escritora. Não havia um sequer enredo que conectasse sua corriqueira estada no mundo, em tema literário.
                Não era de nenhuma prosápia conhecida, o leitor não encontraria nada, nem uma identificação qualquer, não havia amor, amigos, feitos, nem um ato inescusável, não tinha tentado suicídio, enfim... Pedi que Amélia esperasse mais um pouco. Talvez surgisse uma ponta em um romance, ou ainda, uma participação especial em uma crônica como a amiga ou vizinha da personagem principal.
                Foi então que Dona Maria Amélia Canto e Melo irritou-se. Disse que eu era escritora de quinta categoria, prosaica, “boi com abóbora”, que exibia certo preciosismo travestido de falsa erudição, prosa caótica e...
                Ia continuar se eu não tivesse lhe avisado que já era suficiente tudo aquilo!  Sua espera havia acabado:
“Maria Amélia
Canto e Melo
Língua afiada
como um martelo”.

5 comentários:

disse...

Demais essa pequena crônica, intrigante, escrita a punho firme e precisão no manejar das palavras.
Quanto ao enredo, bastou escapar um fiozinho de raiva e paixão da roupa monótona de Amélia para a escritora desfiá-la toda e enfiá-la na sua sugestiva quadrinha, excelente. Não sei se era bem essa a personagem que ela sonhava ser, mas também quem mandou?

ps: aliás, "Boi com abóbora" daria uma ótima personagem, não?

Selma disse...

Muito boa!!!Cheguei a ficar com raiva de Amélia!! Quanto a língua, é afiada mesmo não??? É inconsequente, incoerente, imprudente e indecente!!!!Se a escritora não tinha o que, nem como escrever sobre ela, o jeito era aceitar e se fechar no próprio mundinho em que ela criara, sozinha, medíocre...sem ninguém!! Bem feito!! Nem essa crônica ela merecia ter!! rs

Alê Ferraz disse...

Ah... adoraria tomar um café com a Dona Maria Amélia.

Café sem açúcar, nem forte nem fraco. Longo. Cheio de segredos, desafetos. E todas as histórias que ela não protagonizou em 52 anos.

Marili, adorei dançar essa valsa.

Beijo!

Valsa Literária disse...

Valeu gente pelos comentários, acho que Dona Amélia merece outra crônica. Em preparo...

Selma disse...

Tá bom, tá bom Marili!!Vejo que sou a única do "contra" rsrsrs Talvez eu não entendesse pessoas do tipo digamos, "Dona Amélia" sem sal, nem açúcar! Mas vou me acostumando e quem sabe gostando!! vejamos o que preparou na Parte II!! Bjs Marili

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