segunda-feira, 7 de março de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE II

Dona Maria Amélia comentou em um bingo beneficente, com uma conhecida qualquer a senhora Zulmira Pontes, do desejo de ser uma grande personagem. Comentou também que havia conversado comigo e que tinha ganhado um poema, que intitulou de: Poema-insultos-da-escritora-chinfrim.  Acometidas, então, pelo desejo de vingança diante das minhas críticas acerbas, as duas senhoras bateram em minha porta.
Assustada perante algo tão inusitado – nunca nenhuma de minhas personagens havia se revoltado dessa maneira; lembro-me, apenas, do diálogo memorável em que o escritor Miguel de Unamuno conta para Augusto Pérez que o mesmo era simplesmente uma obra ficcional e estava destinado a morrer no final da história-insisti para que as duas voltassem aos seus destinos, antes que as matassem, em definitivo.
Após alguns minutos de silêncio, Maria olhou-me e perguntou-me o que poderia fazer para tornar-se uma grande protagonista. Reiterou ainda, que faria o que fosse necessário, uma dieta, novas leituras, um curso de datilografia, um “workshop” teatral, uma maquiagem definitiva e arriscaria uma tatuagem. Respondi olhando em seus olhos imóveis, apáticos e sem brilho: “Traga-me um enredo!”
Depois que saíram senti um frio enorme no peito. Como pude dizer isso? Que amadorismo pueril. Estava deixando-a transitar livremente em minha literatura e realmente a situação, agora, era perigosa. Isso caminharia para um motim, a Convenção das Personagens Secundárias, imaginem uma heroína com o nome de Zulmira Pontes, jogadora de bingos, meu Deus!
Dois meses depois minha angústia era mais que latente, pululava, não escrevia mais nada; lia o maldito epigrama feito para Maria Amélia, pensava em sua revolta, seu sumiço. Naquela noite, porém, a campainha havia tocado. Maria Amélia Canto e Melo estava diferente. Os olhos vivazes e brilhantes, o rosto menos transtornado e mais jovial, certo riso afeiçoado. Esticou o braço e entregou-me um pequeno folhetim: “Seu enredo”!

3 comentários:

P.s disse...

Que bom que Dona Amélia conseguiu o que tanto queria...

Valsa Literária disse...

Você ainda não viu nada, tem mais.

Selma disse...

Gostei da humildade de Dona Amélia!Rendeu-se a educação e finalmente entendeu o que a escritora aguardava!! Estou adorando!! No aguardo da parte III!!
bjs

DOIS AXIOMAS RALÉS

  AXIOMA AMOROSO Entender o outro É respeito Aceitar o outro: amor.   AXIOMA REVOLTO Ahhhhhhhhh! Ignorância É a matriz da acei...