quarta-feira, 9 de março de 2011

A ESPERA DA PERSONAGEM - PARTE III (Leia textos anteriores para melhor entendimento)

Maria Amélia saiu de um bingo beneficente ás quatro da tarde. Ganhou dois panos de prato, de fato incríveis, um com bordadinho em ponto cruz imitando frutas, outro mais simples, nem por isso menos belo, xadrez em azul-branco, combinaria com sua cozinha. Caminhava lentamente pela Avenida Santa Efigênia para demorar mais tempo para chegar a seu apartamento.
Aos 52 anos, solteira e sem filhos, tinha todo tempo do mundo, assim, decidiu parar na padaria, como de costume, e comprar dois pães e uma latinha pequena de manteiga Aviação. Pegou, pagou, olhou, voltou, pediu para trocar por dois mais branquinhos, todo esse movimento fez com que ganhasse mais tempo, que era largo e tedioso, era preciso gastá-lo.
A rua estava um tanto deserta aos domingos e alguns bêbados arrastavam seus cacarecos e seus cachorros, todos têm um. O bêbado alimentou o cachorro com o pouco que tinha e Amélia pensou na miséria e afetuosidade humanas. Imaginou ter um cão. Desistiu logo que viu o animal carinhosamente lamber a face enegrecida do homem-bicho. Não suportaria uma lambida aos 52 anos.
Entrou finalmente no prédio e resolveu ir de escada. Subia e parava... Subia e parava... Subia e parava. Abriu. Lavou os panos de prato e optou por engomá-los. Fez o café. Ferveu o leite. Guardou a nata. Arrumou o canto esquerdo da mesa. Pegou a xícara azul. Abriu a Aviação. Tirou os pães e arrumou-os cortando-os em duas canoas. Iniciou a dobra do saco vazio do pão, metodicamente, ao meio, em quatro e notou algo diferente. Na parte traseira do papel-marrom algo estava escrito. Vagarosa foi ao quarto buscar os óculos de perto. Lia-se “Gosto de você”.
Maria Amélia segurava o embrulho entre as mãos tremidas e lia repetidas vezes, chegou a balbuciar bem baixinho, afim de que ninguém a ouvisse, somente ela, “Gosto de você”. Naquela noite não tomou café, nem guardou nada. Deitou apenas e dormiu.

5 comentários:

disse...

Dona Maria Amélia virar personagem; agora é tarde, Amélia já é.
Isto está cheirando a pósteros capítulos (a la "M. P. de Brás Cubas) de um romance.

Valsa Literária disse...

Quem sabe....aguarde parteIV.

Alê Ferraz disse...

Ah, tenho certeza de que agora Amélia até deseja a lambida do cão... rsrsrs

Selma disse...

Nossa Marili, estou adorando!!!! estou viajando nessa história!! Acredita que estou começando a gostar da Maria Amélia?Espero que ela tenha um final feliz, com ou sem cachorro, com alguém ou ainda sozinha!!!
A parte da manteiga aviação foi demais!!! adoro essa manteiga antiguinha tadinha, mas muito saborosinha.... talvez tenha o mesmo ano de existência de Maria Amélia!! rsrs

Fábio Roberto disse...

Maria Amélia é que era mulher de verdade (comentário roubado de Ataulfo)

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