– Olha garoto, eu não posso ser sua mãe.
– Que pena, vou ter que achar uma, né.
– Quantos anos você tem?
– Nove.
– Parece menos, é tão magrinho.
– Deve ser a cola, agora parei, quero ir para escola.
– Você fugiu da sua casa?
– Não sei. Valeu pelo lanche.
– Ei! Espera...
O menino já tinha corrido rua afora e Clarisse acompanhou da entrada que ele corria rápido, em curvas e deu três saltinhos. Parecia mais feliz alimentado, e a moça sentiu uma sensação muito estranha, alimentar alguém com fome... Depois ao contar em casa foi seriamente repreendida pela sua mãe, que mencionou o golpe perfeito na “trouxa”. A avó achou certa a atitude e aprovou, mesmo que tenha sido pura armação do guri com fome.
Demorou muito para dormir naquela noite. O rosto do menino aparecia em sua memória como se já fosse conhecido; a sensação era confusa, nunca havia sentido algo assim, mesmo que tivesse sido levianamente enganada, o motivo era bom e real, a fome é sempre real, pagaria quanto lanches pudesse pagar.
Sonhou que estava de mão dadas com o garoto e levavam uma cesta enorme, sentaram-se num gramado verde e grosso, arrumavam uma mesa no chão repleta de coisas boas. Queijos, frutas, um bolo cheio de confetes, eles comiam e riam, depois o garoto saia correndo e ziguezague, saltitante e feliz. Enquanto ela recolhia a cesta de vime um homem feio aproximava-se dela e chutava com violência as coisas, ela gritava com ele, o homem batia em sua cara com força... Acordou suada e foi tomar um pouco de água na cozinha. Encontrou a avó comendo escondida deliciosas bolachas doces recheadas:
– Vovó!!! Não acredito.
– Ai quase me mata! “Shiii” fique quieta.
– Você não pode, tem diabetes, sabe que não pode...
– Não quero nem saber, estou muito velha para não fazer o que tenho vontade... Jura que não conta para sua mãe?
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