Naquele dia o rapaz foi conversar com a velha senhora solitária, porque sabia que era preciso fazer com que ela falasse, era preciso deixar ela falar. E vejam só como a mulher vomitou toda sua retrospectiva da vida, com pormenores e também com direito aos detalhes sórdidos. E o rapaz ouviu-a; escutou cada centímetro da prosa, porque sabia que a solidão amargava o ser.
Naquela tarde a garota foi buscar a velha senhora, levou-a às compras, para a farmácia, deixou que a idosa combinasse como seria melhor o que seria feito na hora do jantar. Apenas levou-a, acompanhou-a e deixou que tudo fosse feito á maneira dela, da velha senhora, que escolhia as frutas e lamentava o dia, reclamando ao exagero de tudo, como quem nunca viu um céu azul, ou uma flor a abrir. A garota fez tudo sorrindo, porque sabia que a solidão cegava o ser.
Naquela noite a mulher foi ligar para o velho senhor. Deixou que ele falasse tudo que podia depois do alô, mas nada ouviu. Pensou que poderia fazer o velho dizer meia palavra, mas só ouvia a respiração ofegante do outro lado da linha. Tentou mais uma vez perguntar o aleatório, puxar a prosa, mas ouviu a mesma tosse de sempre e o pigarrear da garganta do velho, que nada de som maior emitia. Assim, decidiu dizer "boa noite", "durma bem" e "se cuide", como sempre dizia. A mulher ligou, e ligaria sempre, porque sabia que a solidão emudecia o ser.
Sorria: você está sendo humanizado!
3 comentários:
Triste e lindo. Lindo e triste.
Emocionante... saudoso e real!
Obrigada pelos comentários!
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