quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A LENDA DA POETISA CEGA


Numa pequena aldeia, nasceu uma menina cega. Ninguém sabia da cegueira até que a criança completou seus três anos e passou a esbarrar em tudo. Para tristeza dos pais a pequena criatura recebeu todos os cuidados que alguém que não pode ver o mundo receberia.
Apesar do fato, a garota, agora mais velha, havia aprendido a enxergar o mundo com as mãos. Tocava nas coisas todas e sempre passava no rosto para senti-las. Dos bichos ás plantas, as sensações do universo eram absorvidas assim pelo contato, tato, olfato e paladar, eram absorvidos pelos sentimentos do olhar escurecido por Deus.
Mais adolescente e esperta, a mocinha cega passou a percorrer a aldeia sozinha. Era ágil e caminhava ouvindo seu andar pelos campos. Sentia o Sol durante o dia e a banhava-se com o Luar. Nunca aprendera a escrever, mas declamava versos o dia todo que eram compostos na sua mente criativa e poética. Declamava-os ao vento, aos bichos, aos homens, às crianças, aos mendigos, aos ricos. Eram versos de encantamento e calmaria.
Naquela manhã, a moça decidiu que era hora de sentir as águas do rio que corriam pela aldeia. O rio verde e profundo engoliu a garota cega para seu fundo em redemoinhos contínuos, não houve como gritar, apenas entregou-se à morte. A família nunca mais soube da moça, muito menos do que tinha acontecido com ela.
Porém, passados alguns meses, um velho pescador jurou ter lido nas águas do rio da sua aldeia, versos e poemas refletidos nas superfícies do rio. Ninguém acreditou nele. Novas pessoas também juravam ter lido pequenos poemas e toda a aldeia percebeu o que havia ocorrido. Muitos vinham de lugares distantes para ler as poesias do rio da poetisa cega. E a menina cega pôde descansar em paz.


2 comentários:

William Mendes disse...

Olá, minha amiga professora, poeta, cronista, escritora!

Que lenda triste, e não triste, pois que tudo é vida.

A "Pequena história" é a própria vida e suas veredas, pra cá um destino, pra lá outro... perde-se e ganha-se conforme o comportamento do caminhante... imagine hoje que ninguém olha pra frente... só para a tela de alguma máquina dominadora de gentes. Tá todo mundo se perdendo... e com isso, nos perdemos nós, a humanidade toda.

Do eu-lírico do poema "Entropia" fiquei pensando no verso "e tenho tantas incertezas quanto mais anos ganho"... estive pensando o contrário nos últimos dias. Estou com a impressão que encontrei respostas para várias incertezas que tinha. Isso não resolveu meu estado de ânimo, mas as respostas esclareceram as coisas.

Abraços para essa família linda que você construiu!

William Mendes

Valsa disse...

Wiliam, caro amigo.

É tão prazeroso ter seus comentários por aqui, sempre carregados de outras tantas informações e de muitos significados; e trocar esse tipo de conversa, mesmo que virtual, me deixa muito feliz e com esperança de que há ainda pessoas neste mundão que olham para o detalhe, muito obrigada por isso. Conquistar respostas não afaga o ânimo, concordo, mas sossega a mente. Seu poema, isto é, o poema ou sei lá o que vou escrever com aquela ideia roubada do seu blog, está em mim, ainda se formando, quando pronto, lerá.

Abraços nos seus

REGISTRO GERAL

Uma foto um número outro número uma mãe sem pai não declarado assinado com dedo de tinta. Agora é cidadão para valer!