Caro
leitor não comece essa leitura se não estiver com ânimo, visto que a matéria é
longa e requer parte de seu tempo e talvez nada de grande te acrescente,
considere apenas um desabafo, se é que pretende seguir.
Hoje
comemoro quinhentas publicações nesse Blog Valsa Literária. Para mim mais que
um feito, é uma conquista. Comecei a escrever com exatos quarenta anos, isto é,
escrever algo de literatura, se é que posso chamar assim, escrever de verdade
tantas mentiras, publicamente e agora aos quarenta e três, olho para esses
poucos três anos com olhos de satisfação. Por que demorei tanto para começar a
escrever? Simples, não sei ainda dizer; não sei se quero escarafunchar a
temática, ou ainda, saiba lá no fundão e não queira ver; pouco importa agora. O
que sei é que por analogia, peço a vocês que imaginem uma banheira a se encher
e que de repente quase por transbordar, alguém venha e destampe, deixando que o
líquido escorra gradativamente, porque é da sua natureza fazê-lo. No início, um
grande amigo provocava-me com e-mails, solicitando mais do que respostas,
repentes literários, pequenas quadras, poemetos. Nessa troca inusitada, a água
estava por esvair-se ralo abaixo, e eu já não tinha mais o controle; gostei e
senti como algo escandalosamente bom e necessário, queria escrever,
timidamente, claro, no começo, mas depois a vazão aumentou, e a minha
necessidade era a pulso, de chofre, vital. Sofria diariamente com minhas duras
e próprias críticas, depois de feitas minhas escrituras, lia com olhos de
leitora e não gostava de grande parte, não achava o estilo, percebia a falta da
gramática normativa, errava nas vírgulas, construía subordinadas desconexas.
Como sofria. Bem pouco tempo, em conversa com esse meu essencial amigo, poeta,
escritor e compositor da melhor qualidade, debatíamos sobre a temática escrever
e ler, escritor e leitor, e fui vencida pelas suas palavras que tomo por empréstimo
aqui transcrito: “O escritor existe sem os leitores. Já que, desde que ele escreva e
seja portador de um ou mais globos oculares, terá fatalmente que ler o que
escreveu, então, será via de regra leitor também. Logo, existirá como leitor de
si, justificando a existência do escritor, que é. Já o leitor, sem o
escritor não pode ser leitor, a não ser que estejamos falando de um leitor de
código de barras, o que equivaleria a um carcerário de prisão de segurança
máxima despopulado. Marili existe porque existe. Jairo existe porque seu nariz.
André existe porque o nariz do Jairo existe apontando para a existência de
Marili. Fábio existe porque senão eu não existiria. E eu existo porque sim.”
Não sofro tanto mais, agonizo se não escrevo, porque tudo sai pela
culatra como se cuspido fosse e não me pertencesse agora, ontem e nunca; se
leio já não se parece comigo, não fui eu quem escreveu, tomou parte em universo
que hoje desconheço e que tento caminhar ao lado sem qualquer expectativa de
entendimento. Que delícia poder deixar o ralo destampado, sem a culpa do gasto.
Que bom poder desatarraxar os nós da literatura e dar uma banana ao estilo. Que
sensação única poder agora rasgar os tomos da gramática. Isso não mais pertence
a essa escritora. Que venha a eternidade!
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