terça-feira, 24 de janeiro de 2017

URDIDURAS-Um conto inacabado

Capítulo 7
Passou a manhã lembrando-se da cena que imaginara e sentiu-se muito mal. Era homem de matar formigas, mas quem diria matar a sua mulher, inda mais com folhas secas. Ficou por ali entre uma cancela aberta e outra, comanda preenchida com letra e número, pensando em tudo. Pensou no filho, se estaria ainda por lá, pensou também no jardim de pequenas árvores arredondadas por ele com uma imensa tesoura de poda. Eram tantos pensares que olhou certa hora para o cão bege que roía um graveto de pau e tentou concentrar-se apenas no olhar, no som do ranger de dentes do cão.
Teve a fiel companhia canina na volta para casa. A fidelidade de um cão é inexplicável, gratuita, dava-lhe comida isso é verdade, mas eram restos do que lhe sobrava de jantar, e isso não tinha juízo para um cão, nem questionava se era resto, era algo dado, assim dividido, e um cão não pensa nessas coisas, cão aceitava a dádiva e balançava o rabo feliz. Vinham os dois no mesmo andar cadenciado que levantava apenas uma pequenina poeira. De longe viu o filho na varanda da casa ao lado da mãe. Tinham rostos parecidos até mais por sentimentos mútuos que guardavam, do que pelo parentesco que os unia. Ao perceberem que o homem Antônio chegava, entraram.
Sentou-se na escada e montou um cigarro de palha. Picou o fumo em pequenos pedaços e enrolou devagar. Ouviu o rapaz se despedir da mãe e dizer que depositava dinheiro para ela, que recusou e disse que estava bem, havia ganhado muito nas faxinas e que não carecia. Parou em frente ao pai, despediu-se com um abano de cabeça fraco e frouxo. O cão bege não latia porque já se sabe que não late a quem parte, pois sabe o cão que quem parte já se vai tarde.

A mulher na cozinha trazia um misto de tristeza e alegria estampado no rosto. Antônio perguntou se o rapaz estava bem e a mulher respondeu que graças a deus estava sim. Não havia puxado ao homem, era moço de opiniões claras e definidas e sabia bem o que queria da vida, que não era um ser que abria e fechava cancelas, a esperar da vida sabe-se lá o quê. A imagem da mulher cheia de folhas secas na boca veio á mente do homem, que tratou de pegar uma banana e descascá-la para depois enfiar bocados em sua própria boca.

Nenhum comentário:

DOIS AXIOMAS RALÉS

  AXIOMA AMOROSO Entender o outro É respeito Aceitar o outro: amor.   AXIOMA REVOLTO Ahhhhhhhhh! Ignorância É a matriz da acei...