Parte 2
Naquela
manhã aparava a barba como o costume lhe mandara fazer, com a pequena
tesourinha em punho, tirava pequenas lascas dos pelos grisalhos, que caiam
sobre o pano metodicamente aberto na pia. Olhava para o seu rosto envelhecido e
pensava no transcorrer da sua vida. Não era homem de se revoltar, sua alma era
a mãe da resignação, aceitava as coisas, as pessoas, a vida, como aceitava o
dia virar noite; os fios ora brancos ora pretos salpicavam o lenço branco junto
com uma pequena gota de sangue “que merda!”.
O
homem olhava assustado para a imagem do espelho, não pelo corte feito, que era
pequeno demais para alguém dar-lhe algum valor, mas seu estupefato olhar era da
frase que sua boca havia proferido; não era homem de dizer vilezas, não era
homem de falar mal por pouco, nem por muito havia perdido sua linha; nada disso
era o que lhe tinha causado o pavor, a voz que lhe saíra da boca não parecia
ser sua, aterrorizado não sabia o que fazer, baixou os olhos para tirá-los do
espelho e sussurrou baixinho o seu nome, queria escutar-se.
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