domingo, 27 de novembro de 2016

URDIDURAS- Um conto inacabado

Capitulo 3
O dono do hotel veio ter com ele uma prosa. Disse a mesma coisa de sempre, perguntou do filho e finalmente revelou o motivo da ida, além de abrir e fechar as cancelas deveria agora anotar as placas dos carros que entravam e saiam, num papel, que o dono chamou de comanda. O homem apenas concordou e aceitou. O que um funcionário deve sempre fazer é aceitar e não perguntar, apenas fazer. O dono perguntou se ele saberia fazer isso, e se precisava de algum auxílio e o homem disse que sim e que não.
Despedidas feitas, era somente isso mesmo, deixou os blocos de papel e uma caneta esferográfica. Fazia tanto tempo que não escrevia que teve um tanto de receio de não saber fazer os números e as letras. Um carro chegou e ele anotou a placa. A mulher do dono disse que a placa dela não precisava ser anotada e ele riu e amassou o primeiro papel. Ficou nervoso e aliviado, já que não sabia se havia anotado certo, tanta letra e tanto número. Fechou a cancela e ficou ansioso para ter outro carro. O dia passou assim sentado e pensando nos jardins formados por letras e desenhos. Não veio carro.
No fim de tarde ia voltando para casa pensando que tudo aquilo que tinha acontecido podia mudar algo em sua vida. Pensou que a mulher podia sentir certo orgulho dele em sua nova função. O homem se apegou na ideia e sentiu um pouco de felicidade nisso tudo; o cão bege vinha mais feliz também como o de costume e ambos pararam no bar da vila. Contou para o dono do bar a nova função e o velho achou que era para o hotel ter mais controle e segurança. Devia ser. Nem tinha pensado nisso.
A mulher riu histericamente. Não acreditava no que tinha ouvido do homem. Acertou que ele era mesmo um idiota, um velho idiota. Se fosse uma promoção, salário a mais, até que ela não gargalharia, mas isso. Era de fato o fim dos tempos para ela, chamou de inútil, de pau mandado e covarde. Disse que nada era mais humilhante que abrir e fechar cancelas, que ela sim era alguém de valor, limpava a casa das madames, ganhava um mundo a mais que ele, ela sim punha a comida ali, a casa era dela, a televisão fora comprada por ela, a vida dele era paga por ela.

O homem foi caminhar e pensou em quem era. Não conseguiu elaborar pensamentos, ia triste e tinha raiva. Sempre foi um tolo, apanhava de todos, apanhou tanto do pai, dos irmãos e depois ia matar formigas, porque era o que podia ser feito para espantar o ódio. Não era de bater em nada. Tinha o mesmo tino de sua mãe. Era bom o homem, e não conseguia sentir vontade de fazer nada do que parecia errado; não tinha fé, não tinha crença, era tão mole e bobo que ninguém o tirava de seu autismo pessoal. Era bom o homem, era como o cão bege, que ia feliz quando recebia um toque de chega para lá ou um cafuné na orelha. Tanto fazia. 

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