Capitulo 3
O
dono do hotel veio ter com ele uma prosa. Disse a mesma coisa de sempre,
perguntou do filho e finalmente revelou o motivo da ida, além de abrir e fechar
as cancelas deveria agora anotar as placas dos carros que entravam e saiam, num
papel, que o dono chamou de comanda. O homem apenas concordou e aceitou. O que
um funcionário deve sempre fazer é aceitar e não perguntar, apenas fazer. O
dono perguntou se ele saberia fazer isso, e se precisava de algum auxílio e o
homem disse que sim e que não.
Despedidas
feitas, era somente isso mesmo, deixou os blocos de papel e uma caneta
esferográfica. Fazia tanto tempo que não escrevia que teve um tanto de receio
de não saber fazer os números e as letras. Um carro chegou e ele anotou a
placa. A mulher do dono disse que a placa dela não precisava ser anotada e ele
riu e amassou o primeiro papel. Ficou nervoso e aliviado, já que não sabia se
havia anotado certo, tanta letra e tanto número. Fechou a cancela e ficou
ansioso para ter outro carro. O dia passou assim sentado e pensando nos jardins
formados por letras e desenhos. Não veio carro.
No
fim de tarde ia voltando para casa pensando que tudo aquilo que tinha
acontecido podia mudar algo em sua vida. Pensou que a mulher podia sentir certo
orgulho dele em sua nova função. O homem se apegou na ideia e sentiu um pouco
de felicidade nisso tudo; o cão bege vinha mais feliz também como o de costume
e ambos pararam no bar da vila. Contou para o dono do bar a nova função e o
velho achou que era para o hotel ter mais controle e segurança. Devia ser. Nem
tinha pensado nisso.
A
mulher riu histericamente. Não acreditava no que tinha ouvido do homem. Acertou
que ele era mesmo um idiota, um velho idiota. Se fosse uma promoção, salário a
mais, até que ela não gargalharia, mas isso. Era de fato o fim dos tempos para
ela, chamou de inútil, de pau mandado e covarde. Disse que nada era mais
humilhante que abrir e fechar cancelas, que ela sim era alguém de valor, limpava
a casa das madames, ganhava um mundo a mais que ele, ela sim punha a comida
ali, a casa era dela, a televisão fora comprada por ela, a vida dele era paga
por ela.
O
homem foi caminhar e pensou em quem era. Não conseguiu elaborar pensamentos, ia
triste e tinha raiva. Sempre foi um tolo, apanhava de todos, apanhou tanto do
pai, dos irmãos e depois ia matar formigas, porque era o que podia ser feito
para espantar o ódio. Não era de bater em nada. Tinha o mesmo tino de sua mãe.
Era bom o homem, e não conseguia sentir vontade de fazer nada do que parecia
errado; não tinha fé, não tinha crença, era tão mole e bobo que ninguém o
tirava de seu autismo pessoal. Era bom o homem, era como o cão bege, que ia
feliz quando recebia um toque de chega para lá ou um cafuné na orelha. Tanto
fazia.
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