Na era do tanto-faz, quem tem afeto é Rei.
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
domingo, 29 de dezembro de 2024
CRÔNICA DO GESTO
O homem levanta os braços para o alto, com as mãos espalmadas,
trêmulas e pede “calma”. A massa de trabalhadores ruidosa e raivosa, olha para
ele. O burburinho continua de uma ponta a outra; no grupo de pessoas, umas
insatisfeitas e outras esperançosas, a falação é intensa. Ele grita novamente
pedindo muita calma, olho no olho, o homem sabe que precisa controlar a
situação; ele faz silêncio e olha novamente no olho de cada trabalhador que
veio até o sindicato para ouvi-lo.... Silêncio... agora o homem pode falar!
Na volta do trabalho a faxineira, cansada da labuta de
limpar, de secar o gelo diário, se depara com a sacola que se mexia num barulho
de choro. Sem hesitar, porque o pobre não tem tempo para isso, abre e vê a
ninhada de pequenos cachorros abandonados. Não sendo mulher de abandonar
ninguém, a senhora sai pela comunidade tentando achar novos donos, pois ela já
tem os seus vários bichos e pensa por um rápido momento “que essa gente é ruim
demais”.
O rapaz vem pensando que sua namorada estava muito triste,
triste mesmo de dar dó; sem conseguir mais uma vez entrar na tão sonhada
faculdade, ela teria mais um ano inteiro pela frente. Sem saber o que dizer, o
sofrimento dele no vagão do metrô também era de dar pena. “O que vou dizer para
ela”, repetidamente ele divagava. Uma menina para do lado dele e diz para ele
comprar um brigadeiro, “compra, por favor”, ela insiste que o brigadeiro que
ela faz, traz muita alegria para quem come. O rapaz compra os brigadeiros, ele
entrega o brigadeiro para sua namorada, e o dia segue mais feliz.
A escritora pensa em como pode escrever sobre os pequenos
gestos humanos, aqueles que nos trazem acalanto ou destruição, afáveis ou ignóbeis.
Lembrou de como cada gesto, acompanhado ou não de palavra, de ação, modifica a
história toda, numa avalanche sem volta. A mulher lembrou do livro que havia
ganhado quando ainda criança. Exatos seis anos; ganhou o livro com dedicatória
linda, mas lembrou que esse gesto ficara lá traz, junto com a criança que ainda
não entendia nada de gestos largos e lindos, porque só pensava em crescer.
A História dos Nossos Gestos, por Cascudo: “Os Gestos são
moedinhas de circulação indispensável e diária, mas ignoramos sua emissão no
Tempo. A crônica, segue para o amigo Mendes.
sábado, 28 de dezembro de 2024
QUADRINHA DE ANO NOVO
Sete bagos vou comer
Sete ondas vou pular
Peço sonhos infinitos
Para um deles vingar.
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
POEMA DO VAZIO
QUERIA PODER ESCREVER
ALGO QUE TE TROUXESSE DE VOLTA
COMO UMA ESPÉCIE DE ACALANTO
QUERIA PODER DIZER: PRUUUUU
QUERIA PODER ENTENDER
ESSE VAZIO QUE SINTO AGORA
QUEM SABE COMO O MEU PRANTO
ARREBENTA OS MUROS DO INFINITO
AS TANTAS FITAS DA SAUDADE
ESTÃO EM MIM
QUERIA MUITO UM POEMA
QUE TE ACHASSE POR AÍ, PERDIDA
COMO UMA ESPÉCIE DE SOPRO: PRUUUU
E TE FIZESSE PULAR DE NOVO
AS IMENSAS FITAS DA SAUDADE
FICARÃO EM MIM
QUERIA DEMAIS UM SONHO
QUERIA TANTO PODER ESCREVER
QUERIA MUITO UM POEMA, MIU ...
AS TANTAS, AS IMENSAS, AS COLORIDAS FITAS
TE LEVARAM PRO CÉU
EM MIM, O VAZIO.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
CRÔNICA TÃO PEQUENA QUE DÁ DÓ
Ia começar esta crônica com o título de "croniquinha" e lembrei na mesma hora que odeio diminutivos. E sem pestanejar, tentei puxar na minha memória o motivo pelo qual eu odiava palavras no diminutivo, porque bem sabemos que odiar, é algo muito forte, talvez eu não goste muito de usar. E nessas indas e vindas de pensamentos, parei de pensar neste motivo primeiro, para pensar que sempre tenho sentimentos muito fortes. Tudo em mim transita na esfera do exagero e da oposição, amo demais, odeio demais, trabalho muito ou procastino muito, escrevo exageradamente ou passo meses sem escrever, e por aí vai... E, ainda pensativa, nas coisas, matutei em qual seria o motivo de eu ser exagerada, e também lembrei que sou demasiadamente ansiosa, e não tenho equilíbrio algum e por aí vai também..., e quando dei por mim, a "croniquinha", aquela singela, pensada em ser escrita para hoje, aquela de dar dó, de desanuviar meus pensamentos, minhas angústias e meus cansaços.
Basta.
Numa manhã que não vem ao caso, a moça pensou que seu destino era conhecer alguém que lhe afagasse o coração. Ficar sozinha não era mais uma opção, chega um momento da vida que precisamos cuidar de alguém, é quase que instintivo, necessário mesmo. Assim, ela titubeou, porém, estava certa do ofício. Chegou ao lugar na hora combinada; o rapaz a recebeu com um enorme sorriso e perguntou se ela estava nervosa, e que era assim mesmo, que as pessoas ficavam desse jeito igual ao dela quando faziam isso, mas que a decisão dela era algo lindo de se ver "falta gentileza no mundo". Abriu a porta com cuidado. A moça parada na entrada da porta se esquivou, virou, deu meia volta, virou de novo. Olhou. "Posso abrir a portinhola?" Ela sorriu nervosamente. O rapaz abriu a portinhola e de lá vários gatinhos saíram. A moça riu, nervosa, sem se mexer, ali ficou. Dos vários, teve um que era o seu amor, é sempre assim. O gatinho rajado de laranja e branco deitou no seu pé. Olhou para moça e miou como quem diz "me leva". "Esse gostou de você", o rapaz pegou na mão o gato minúsculo e entregou para ela que ajeitou no colo o pequeno felino. A moça sorriu... o gato sorriu...
Em tempo...talvez eu não goste de diminuir as coisas, falta muita gentileza nesse mundo.
domingo, 6 de outubro de 2024
SÓ PARA CONSTAR
Entrego o papel
nele minha foto,
revela
minha identidade;
Entrego o outro papel
nele a zona, ela me olha
compara
com foto do papel;
Envelheci
ela olha de novo,
confirma
eu vou, confirmo...
E nessa entrega envelhecemos na esperança.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
domingo, 21 de julho de 2024
quinta-feira, 18 de julho de 2024
CRÔNICA DA PRAIA
Estamos sós, porém estamos juntos.
As inseguranças são sempre familiares e em cada história, de cada pessoa, os temas são distintos, mas as dores, as dores, são geralmente parecidas. Chove fraco aqui na praia, e também o mar é agitado. Das histórias dos transeuntes que caminham pela areia suja da praia, que um dia foi limpa, esses humanos que caminham, em meio as pombas, as gaivotas que passeiam com suas pernas lindamente longas e finas, isso tudo junto, eu observo e penso, somos sós, somos juntos e caminhamos.
Assim, parada em frente à barraca de bugigangas uma vendedora me seguia, em cada coisa que eu pegava, e olhava, e vacilava, e recolocava, percebi depois, que ela ia ao lugar que eu havia tirado aquilo, visto e não comprado, a moça "rearrumava", do jeito certo, o dela. O jeito certo. Na vida temos que ter o jeito certo. O seu jeito certo, não é o meu jeito certo que também não é o dele. E assim, estamos sós e somos juntos. Na última vista, “vou levar este”, a moça sorriu, e deve ter pensado que finalmente, depois do passeio pela loja a fulana compraria algo.
O mar é agitado, tem uma certa névoa e o dia está cinza. Para Camões, o dia deu em chuvoso. E depois de caminhar até a praia agora suja, que um dia foi limpa, ouvi o senhor da outra loja que estava me observando e pensando que eu não era dali, era uma forasteira, avisou “cuidado com o carro”, eu distraidamente, não havia visto, pensei que ele poderia não ter dito nada, e fiquei pensando como seria a vida dele, quando olhei, vi que ele estava sentado com uma senhora ao lado, que deveria ser a sua esposa ou não, e eu agradeci fraco, um obrigado como a chuva fina. Estamos sós, mas estamos juntos, vemos o outro, somos juntos e caminhamos.
Sentada em frente ao mar revolto, vi a garota corajosa que entrava onda a onda, com a água pelo joelho. Ela ia e voltava, sozinha, nem olhava para ver se estavam vendo como era um disparate o que ela fazia. Um dia frio, o mar bravo, a névoa quase garoa, e a garota-coragem ali, porque não era justo no seu único dia de praia, não ter vindo Sol. Talvez, ela pensasse isto, e eu digo isso, porque eu pensei nisso, nos reveses que a vida dá, não é justo, não é justo. Estamos tão sós, nos sentimos tão sós, contudo juntos, sobrevivemos.
E então, cada história de injustiça, de incompreensão, de divergência, percebo que no final de tudo isso, de todas as coisas, a moça da loja, o velho e sua sei lá esposa, as pombas, as gaivotas, a menina coragem, eu, você, eles; todos nós estamos aqui, com nossas histórias e casos,dores, manias, opiniões, pensativos, juntos, esperando o Sol.
sábado, 1 de junho de 2024
Duodécuplo
Aposto que são
Dize, dize, doze
Faces da mesma
Moeda.
Aposto que são
Dize, dize, doze
Ovos do pão de ló
Apostólico
Aposto que são
Dize, dize, doze
Constelações do
Zodíaco.
Cavaleiros,
De Faces cobertas, vendo estrelas...
Um aposto!
segunda-feira, 20 de maio de 2024
SONETO DAS SOMBRAS
Ontem meu sonho foi-se amanhã
Alguém vem e me olha aturdido
Somente rancor profunda gadanha
Profundo amargor do ser iludido.
Se a tristeza soubesse meu nome
Saberia como peito dói ora range
Como nem o luar é meu cognome
Finda rancor e nem som mais tange.
Essa magia dantes tão apensa
Agora morta sofre mor intensa
Mutilado meu enigma é fustigo.
Os feitiços padecem esperando
Os olhos compassam lembrando
Que a vida trouxe-me como castigo.
UM SONETO TRISTE
Se o dia abre em magia
fico bem triste em pensar
que o labor, qual o sentia
era difícil de se expressar.
Quanto mais há feitiçaria
mor penso em meu pesar,
meu sonhar é melancolia
como conseguir
ancorar?
Místico suave, um lampejo
Compêndio incauto, não vejo...
mistério a mim distante.
O brilho do olho, adiante
sutil e metódico instante
talismã em mim, desejo.
domingo, 12 de maio de 2024
DOIS AXIOMAS RALÉS
AXIOMA AMOROSO
Entender o outro
É respeito
Aceitar o outro: amor.
AXIOMA REVOLTO
Ahhhhhhhhh! Ignorância
É a matriz da aceitação
E a cegueira da escolha
ODE VULGAR
Ah! Quanta vontade de dizer
Tantas doces e suaves ironias
Proclamar em frases entrecortadas
Quanto á vida se torna vazia
Diminutas palavras deslizam da boca voraz
Ora dizem, ora dizem, ora dizem
Quem não as sente na cara, o vento
Natureza desumana, tocante
Tal qual cochonilhas em rosas
terça-feira, 7 de maio de 2024
REGISTRO GERAL
Uma foto
um número
outro número
uma mãe
sem pai
não declarado
assinado
com dedo
de tinta.
Agora é cidadão para valer!
quarta-feira, 17 de abril de 2024
POEMA MUITO FOFO
ASSIM COMO O VENTO
BEM AGITADO ESTAVA
A FLOR SE DESGARRROU
E BEM LEVE E SOLTA
PULANDO PELO CÉU
COM AS PÉTALAS CÁ
E BAILANDO PARA LÁ
A PEQUENA MARGARIDA
FOI VOANDO COM A
VENTANIA QUANDO ASSIM,
DE SUPETÃO, PLIM, PLIM
CAIU NA CABEÇA AVOADA
DA PEQUENA GAROTA
QUE SORRIU COM AQUELE
PRESENTE VINDO DO CÉU
INAÇÃO
Faz silêncio e olha, ali
pelo buraco da vida. Vê como as pessoas andam se acotovelando, querendo um
tanto de atenção daquela outra que é bem querida sabe-se lá por quê? Está na
berlinda, meu amigo? Que você faz com essa sua opinião imensa? Trate bem todas
elas, as pessoas, e ficarão por ali, na estante da sua vida! Onde é que estão
seus amigos? Ou você é um ser social que amontoa amigos do tipo meus amigos?
Olha agora ali do lado esquerdo, vê aquele outro grupo? Está vendo como são amistosos
e omissos? São tão tradicionais na vida, são tão solitários como aqueles que
riem sem parar e que olham de vez em quando pelo buraco de suas vidas rasgadas
e solitárias. Vê como se socializam? Agora escuta o que dizem. Tem bastante
opinião nisso tudo. Isso é bom, mostra que são humanos. Que pensam. Será que
sentem? Ou mentem? Faz silêncio, senão acordam!
quarta-feira, 10 de abril de 2024
SEM MOTE PARA HOJE
sem conseguir escrever alguma coisa de valor poético, metafísico, revolucionário, quântico, sem conseguir escrever algo que te faça se apaixonar ou que te faça sorrir, sem conseguir pensar em escrever um conto qualquer, ou uma crônica da esperança que te faça não se matar hoje, sem conseguir escrever sobre a paz mundial, sobre como as coisas são horrendas, e também sem conseguir ser otimista e feliz, sem conseguir o poeta, escrever um verso minúsculo sequer, versículo, sem conseguir um mote...qualquer...
Rendo-me.
quinta-feira, 4 de abril de 2024
VIDÃO...COM ADENDOS
Quero agradecer minha vida.
Sim, ela é carregada de vícios e prazeres,
de saúdes e possibilidades, "vidazarrona",
é emocionalmente intensa e macia,
tenra e macia.
Tem horas que não agradeço, por empréstimo, zero horas, aquela hora da tristeza, essa não agradeço não, mas é um...
Vidão.
Vida com tudo quanto é vida boa tem que ter,
com poesia,
com música,
com gente boa
gente fina, elegante e discreta
com arte,
com comida, acepipes variados e bebedeiras
com prazer,
amor e
“all inclusive”.
terça-feira, 5 de março de 2024
Crônica da vaidade ou Apólogo do amor-próprio (Mote por empréstimo do amigo: Wiliam Mendes)
“Vou refletir muito sobre algumas coisas nos próximos tempos. Sobre a
vaidade, e o sofrimento que esse sentimento nos traz, e sobre o amor-próprio
também. Se estou percebendo que querem apagar o passado, e avalio que de fato o
passado não é de meu domínio, por que sofrer com isso? O mundo humano está
assim.” (Wiliam Mendes)
A vaidade e o amor-próprio discutiam fervorosamente
na cabeça do homem, para ver quem era o mais importante na vida do pobre rapaz.
De fato, não era uma discussão, ou diálogo, porque na verdade, a vaidade falava
muito mais que o amor-próprio, que num determinado momento passou a só ouvi-la
e respondia apenas o necessário:
-
Acha que vou aceitar esse argumento de que você veio do inglês “self-love” e de
que, portanto, é mais importante do que eu? Também quer que eu acredite nesta
história de Narciso, e que me joguem na cara que não olho para mais nada além
da minha própria beleza? Balela!!!
- Não
foi isso que eu disse. Disse que você tenta me sobrepujar, todas às
vezes que tento deixar ele um pouco mais seguro de si mesmo.
-
Ahhhhhhh. Faz-me rir “self-love”. Então eu, a rainha da valorização pessoal,
aquela que tem os maiores desejos fundamentados nas qualidades físicas e
intelectuais do nosso Mestre, hahahahaha, euzinha, quero passar a perna em
você? Somente quero que os outros avaliem, apreciem as capacidades e qualidades
dele. E você? O que faz? Você o confunde. Todas às vezes que você exagera, é
confundido comigo. Entendeu?
- Quero
só que ele tenha segurança do que diz e faz.
-
Segurança? Você é mesmo muito passional. Isso é um grande paradoxo. Então você
está dizendo, que esse seu cuidado é amor? Ah! O amor-próprio, cuidadosamente
dosado, aliás, em doses homeopáticas, traz a segurança de que nosso Mestre
necessita? Bobagem. Você me vê como um mal? Imagino que sim. Hahahaha. Se me
olha como um mal, que seja o Mal de Epicuro que o impede de ser “omnitudo”! Ora
essa! Dessa forma, você, meu amor, é desnecessário. Eu, sim, a vaidade, sou absolutamente
importante e vital, porque faço com que ele se valorize, se vanglorie de suas
conquistas e que seja reconhecido pelos outros mortais.
-
Talvez tenha razão. Mas... Poderíamos coexistir?
-Nunca!
Chega de me confundirem com falha moral, com presunção, com egoísmo, e maldade,
chega! Chega dessa história de me confundirem com você. Sou lúcida! Você não é.
Sou consciente e necessária. Um pouco de mim basta.
Naquela noite o homem não conseguia dormir, seus
pensamentos oscilavam e refletiam sobre a vaidade, e o sofrimento que esse
sentimento lhe causava; pensava em suas conquistas e também avaliava se o seu
passado deveria ainda estar sob o seu domínio ou não; para quê?
E... Não chegando em conclusão alguma, sorriu, percebeu
o adiantado da noite e matutou que de nada adiantava pensar tanto e sofrer
sobre tudo isso. O mundo humano já está assim, muito sofrido, calejado, cheio
de preguiça e com muito sono.
segunda-feira, 4 de março de 2024
UM CONTO ESTRANHO
Bastos
era um senhor de sessenta e poucos anos que vivia sozinho em um pequeno
apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro
país e falavam-se poucas vezes durante o ano. Alguns parentes no interior, que
a ausência de contato havia guardado na última gaveta da memória qualquer
possibilidade de reencontros. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres
de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba,
alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para nada fazer.
Bastos
era homem comedido, falava pouco e durante toda a vida mediu bem aquilo que lhe
saía da boca; entre falar e dar sua opinião preferia calar-se; o que fez com
que escutasse a vida toda que era um pau mandado, um nada, um livro sem
receitas, um homem vazio... Nunca se importou com isso, não falava porque não
valia a pena dizer, somente o que era certo, era dito: “três pães, por favor,”,
não importava dizer algo sobre a coloração dos pães, “nossa, como estão tostados”,
já estavam tostados, de que valeria dizê-lo.
Mas...se olhou no espelho.
O
homem olhava assustado para a imagem do espelho, não pelo corte feito, que era
pequeno demais para alguém dar-lhe algum valor, mas seu estupefato olhar era da
frase que sua boca havia proferido; não era homem de dizer vilezas, não era
homem de falar mal por pouco, nem por muito havia perdido sua linha; nada disso
era o que lhe tinha causado o pavor, a voz que lhe saíra da boca não parecia
ser sua, aterrorizado não sabia o que fazer, baixou os olhos para tirá-los do
espelho e sussurrou baixinho o seu nome, queria escutar-se.
Se a voz dominara o homem ou se ambos haviam se fundido em um só não é coisa para se pensar nesse momento da narrativa porque nada de filosófico há na mudança e o que se é relevante dizer são os fatos, os fios condutores das ações; o caso é que o senhor Bastos estava mudado e nem mesmo sabia onde tudo isso tinha começado, acostumara-se com a nova maneira que a vida lhe impusera com a mesma brandura que se habituara á barbas; agora era ser que cuspia fogo, deixava marca por onde passasse, rasgava todos os verbos, espantava os bichos, encantava e desencantava.
Bastos
era um senhor que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade
de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se várias vezes
durante o ano. Alguns parentes no interior visitavam sempre o homem, que recebia
todos calorosamente em longos papos e risadas madrugada a fora, resgatando
sempre o que havia guardado na primeira gaveta da memória: lembranças. Da sua
rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua
sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros,
sobrava-lhe uma enorme parte do dia para conversar, cantar, aconselhar, jogar
conversa fora, discutir...
domingo, 3 de março de 2024
TERQUEDAD
Mira la
perseverancia y
com el
passo del tiempo
firme em
la constancia,
en la
base de la obstinación.
Mira,
para que tengas siempre
las
delicadezas...
Cambia
frenéticamente su
vida
estampida y puesta
al
principio del acaso
para que
tengas siempre
las
delicadezas...
que sin duda se traducirá
en palabras y acciones.
FOTOGRAFEI VOCÊ NA MINHA...
O famoso lambe-lambe e sua potente "rolleiflex" entram num recinto...
A luz não importa,
nem sequer é necessário um refletor para que seus dedos ágeis e duros apertem o
botão e um flash sorridente capture o instante.
No seu transtorno-maníaco-compulsivo-obsessivo,
obseda na imaginação o melhor ângulo da figura que se move em sua frente.
Atenção! Um corpo que chega, um algo que se movimenta, um rosto que lamenta,
uma boca que canta, um instrumento que toca, o rebolar dos quadris, a pose da
moça, um "fotofóbico" que balança e o cão que ri. Não há objeto para a objetiva
que retrata o indelével.
Como se não
bastasse, o impávido fotógrafo precisa também ser parte da sua sétima ou décima
arte, e num revés desesperado, em toda a loucura, procura uma regra-três que
com seu dedo substituto em riste, faça surgir num “click” a imagem congelada do
exímio-louco que lhe sorri.
E todos os instantes não revelados, nem coloridos tampouco pretos e brancos se avolumam nas páginas solitárias virtuais, a espera de outro olhar que saudoso relembre o momento e gargalhe ou chore ou... odeio ser fotografado. Já diziam que rouba minha alma.
Lá vai o famoso
lambe-lambe produzir suas fotos-legenda.
“E não é que você
ficou bem na foto”.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
A LENDA DA POETISA CEGA
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024
PEQUENA HISTÓRIA ou Historinha mesmo
ENTROPIA
o que eu penso sobre tudo
o que não posso pensar, o que não devo pensar
tenho medo de existir, tenho medo de morrer
e tenho certeza de que sou inseguro
Ah! Como incomoda minha existência
o que posso pensar e não posso dizer
para quê dizê-lo? por quê? não digo
tenho muito medo de viver, tenho mais medo ainda das coisas
e tenho tantas incertezas quanto mais anos ganho
Que cansada é minha existência
o que o tempo traz agora é tão tarde
tivesse vindo antes a esperteza do velho com a doçura da criança
tenho muito medo de ficar velho, tenho mais medo da criança
e tenho tantas omissões guardadas que não livro
Por que me incomoda a minha existência?
tenho medo de pensar em responder
soubesse dela como a seria teria pensado e dito mais
tenho bastante medo das pessoas, tenho mais ainda de mim
e tenho uma alma de velho na mente de uma criança...
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024
ELEGIA CONTRADITÓRIA
Era um dia para ser triste
contudo, a moça pensava
com muita alegria e imaginava,
que o seu amor chegaria.
Era um dia para ser triste
contudo, o rapaz matutava
com muito cuidado e analisava,
como dizer seu amor a guria.
Era um dia para ser triste
mas... na praça que encantava
a moça vinha cantando, e agora,
olhava assustada para o rapaz
que sorrindo a aguardava.
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
CRÔNICA DA FICÇÃO QUASE CIENTÍFICA, SÓ QUE NÃO
Galileu, pressionado, foi convidado pela santa
inquisição (em minúscula mesmo), a abandonar as suas convicções cientificamente comprovadas de que a
Terra se movia em torno do Sol. Assim, tal como Galileu, seguimos caminhando
lado a lado com a ficção, quase científica, tanto no gênero quanto na vida. A Terra
agora plana, tal como o chão que pisamos, acaba na linha tênue do absurdo, da
desinformação e da tentativa de plantar a ignorância. Na dúvida, pergunte. Escolha
entre qual a pílula irá tomar, a que permitirá que esqueçamos de algo que já
aconteceu na utopia virtual desse mundo moderno e que só enxerga o que se quer,
ou a outra, que nos levará ao mundo real. Não importa, na dúvida, estude. Chegamos
em um ponto tão crucial, que nem os gêneros se salvarão; os limites das grandes
histórias não terão mais enredos inspiradores, estaremos sujeitos aos que
querem a todo custo esconder a realidade. Nas narrativas inverossímeis que imitam o cotidiano,
o experimento caminha junto à descoberta, e a ciência caminha junto ao
negacionismo. Um ali tentando ir contra o outro, negando o óbvio, comprovado
por várias verdades. Cada um com sua verdade? Talvez? Não, só que não. Uma
verdade só pode ser derrubada ou substituída por outra verdade mais científica
ainda. Deixe para a ficção, quase científica, as elucubrações dos quase fatos
cientificamente comprovados; não se deixe levar pelo quase científico, pela
ficção, por pílulas azuis, fake das fakes, pesquise, conteste, grite, pergunte,
e assim como o astronauta Aldrin, dê um soco no queixo de quem duvidar da
Ciência.
sábado, 27 de janeiro de 2024
Crônica do abraço
As cinco senhoras sentadas perto da piscina discutiam fervorosamente sobre os aspectos da comida servida na pousada em que estavam. De férias da vida solitária, e ou, da vida monótona da cidade, aquelas mulheres com mais de sessenta anos estavam ali procurando o que viver.
Assim, na calorosa discussão sobre o café da manhã, almoço e jantar, argumentavam muito mais do que a própria filosofia possa dar conta. Entre teses e antíteses, chegaram na síntese de que, salvo exceções, a comida tinha caído de nível em relação às últimas temporadas. Eu escutava tudo aquilo com muita atenção, das frases mais hilárias, desde a qualidade da linguiça que fora servida três vezes na semana, sem mudar nada em seu aspecto que pudesse modificá-la em essência, até o fato de colocarem coco ralado em todas as sobremesas para aumentar o volume, todas as frases eram seguidas de fortes argumentos. E de fato, concluíram na queda de qualidade em relação aos anos anteriores: “no passado tinha batata frita de verdade, duas ou três proteínas a sua escolha e mousse de chocolate”
Assim, seguia apreciando as discussões, as justificativas, quando senti algo em minhas costas. A pequena garotinha, com sua mão minúscula, cujas unhas estavam pintadas de rosa, acariciava minhas costas em gestos largos. Olhei para ela e sorri, ela também sorriu do seu jeito; um jeito diferente do que chamamos de normal, mas isso não importa agora. Tentei travar uma conversa, mas ela não falava, apenas sorria, sua condição neste mundo era simplesmente sorrir e caminhar. Recebi este carinho, e retribui abraçando a magreza de suas costas.
Ficamos assim, por um longo período, sem dizer palavra, abraçadas, ora os olhos cruzavam, ora os sorrisos vinham. Interrompida pela mãe, que desculpou-se, dizendo que ela estava atrapalhando, e puxando a garotinha pela mão, levando-a embora, e, enquanto eu dizia a tradicional frase, “imagina, não estava atrapalhando nada”, as duas já haviam sumido da minha visão constrangida.
Assim. Assim é o átimo do que é viver. Ninguém estava me atrapalhando. Da conversa apaixonante das senhoras que tornavam aquele meu viver, um instante divertidamente inesquecível, até o abraço da menina que escolheu me acarinhar, seguimos vivendo na esperança, seguimos olhando para os detalhes, percebendo os pequenos gestos largos que vão acariciando a nossa vida, e assim, sim, destes instantes...caminhamos.
terça-feira, 23 de janeiro de 2024
O dia deu..
O dia deu em chuvoso, Camões disse isso lá atrás num soneto, dos mais lindos poemas que já vi. Assim, a chuva produz algum sentimento, nem sempre é apenas de tristeza, muitos devaneios , às vezes obviedades, também um tanto de amargura, e quase sempre melancolia; hoje diferentemente disso, ou daquilo, trouxe reflexão. Um pássaro aqui na minha frente está a banhar-se e assim, vendo o movimento tão feliz, de lá para cá, molhando as asas e sacudindo a poeira da poluição, parecia feliz. E assim, como o bicho, eu aqui vendo a chuva prazenteira, tentando escrever sobre o que não se pode escrever, pensando no revés que a chuva traz, no sim e no não, no alegre, ora triste, não consigo deixar de estar confusa. O dia deu em chuvoso.
terça-feira, 9 de janeiro de 2024
DENTE-DE-LEÃO ( Para o Guilherme)
Num gesto largo
o menino assopra
a planta que estava
pronta para voar;
em mil flocos
as sementes iam
vento acima
vigiadas pelo olhar
do garoto sorriso;
olhar curioso,
em devaneios
o que o faz pensar
que o floco é leve;
cheio de esperança
o menino vislumbra
a vida é leve
cheia de pompons
esvoaçantes
ele pensa
e é feliz!
QUADRINHA DA CIDADE ALAGADA
O POÇO DE VISITA SE ENTUPIU DE TANTA VERGONHA FALHOU DE TAMANHO DESCASO RUIU BUEIRO, SEU NOME É DINHEIRO!
-
sem conseguir escrever alguma coisa de valor poético, metafísico, revolucionário, quântico, sem conseguir escrever algo que te faça se apaix...
-
Na era do tanto-faz, quem tem afeto é Rei.
-
Mote: A história acabou, não haverá nada mais que contar. (Saramago, em Caim) No bar, o homem embriagado, narra a história da sua vida par...