domingo, 29 de dezembro de 2024

CRÔNICA DO GESTO

 

O homem levanta os braços para o alto, com as mãos espalmadas, trêmulas e pede “calma”. A massa de trabalhadores ruidosa e raivosa, olha para ele. O burburinho continua de uma ponta a outra; no grupo de pessoas, umas insatisfeitas e outras esperançosas, a falação é intensa. Ele grita novamente pedindo muita calma, olho no olho, o homem sabe que precisa controlar a situação; ele faz silêncio e olha novamente no olho de cada trabalhador que veio até o sindicato para ouvi-lo.... Silêncio... agora o homem pode falar!

Na volta do trabalho a faxineira, cansada da labuta de limpar, de secar o gelo diário, se depara com a sacola que se mexia num barulho de choro. Sem hesitar, porque o pobre não tem tempo para isso, abre e vê a ninhada de pequenos cachorros abandonados. Não sendo mulher de abandonar ninguém, a senhora sai pela comunidade tentando achar novos donos, pois ela já tem os seus vários bichos e pensa por um rápido momento “que essa gente é ruim demais”.

O rapaz vem pensando que sua namorada estava muito triste, triste mesmo de dar dó; sem conseguir mais uma vez entrar na tão sonhada faculdade, ela teria mais um ano inteiro pela frente. Sem saber o que dizer, o sofrimento dele no vagão do metrô também era de dar pena. “O que vou dizer para ela”, repetidamente ele divagava. Uma menina para do lado dele e diz para ele comprar um brigadeiro, “compra, por favor”, ela insiste que o brigadeiro que ela faz, traz muita alegria para quem come. O rapaz compra os brigadeiros, ele entrega o brigadeiro para sua namorada, e o dia segue mais feliz.

A escritora pensa em como pode escrever sobre os pequenos gestos humanos, aqueles que nos trazem acalanto ou destruição, afáveis ou ignóbeis. Lembrou de como cada gesto, acompanhado ou não de palavra, de ação, modifica a história toda, numa avalanche sem volta. A mulher lembrou do livro que havia ganhado quando ainda criança. Exatos seis anos; ganhou o livro com dedicatória linda, mas lembrou que esse gesto ficara lá traz, junto com a criança que ainda não entendia nada de gestos largos e lindos, porque só pensava em crescer. 

A História dos Nossos Gestos, por Cascudo: “Os Gestos são moedinhas de circulação indispensável e diária, mas ignoramos sua emissão no Tempo.  A crônica, segue para o amigo Mendes.

 

 

 

 

sábado, 28 de dezembro de 2024

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

POEMA DO VAZIO

 

QUERIA PODER ESCREVER

ALGO QUE TE TROUXESSE DE VOLTA

COMO UMA ESPÉCIE DE ACALANTO

QUERIA PODER DIZER: PRUUUUU

 

QUERIA PODER ENTENDER

ESSE VAZIO QUE SINTO AGORA

QUEM SABE COMO O MEU PRANTO

ARREBENTA OS MUROS DO INFINITO

 

AS TANTAS FITAS DA SAUDADE

ESTÃO EM MIM

 

QUERIA MUITO UM POEMA

QUE TE ACHASSE POR AÍ, PERDIDA

COMO UMA ESPÉCIE DE SOPRO: PRUUUU

E TE FIZESSE PULAR DE NOVO

 

AS IMENSAS FITAS DA SAUDADE

FICARÃO EM MIM

 

QUERIA DEMAIS UM SONHO

QUERIA TANTO PODER ESCREVER

QUERIA MUITO UM POEMA, MIU ...

 

AS TANTAS, AS IMENSAS, AS COLORIDAS FITAS

TE LEVARAM PRO CÉU

EM MIM, O VAZIO.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

CRÔNICA TÃO PEQUENA QUE DÁ DÓ

                 Ia começar esta crônica com o título de "croniquinha" e lembrei na mesma hora que odeio diminutivos. E sem pestanejar, tentei puxar na minha memória o motivo pelo qual eu odiava palavras no diminutivo, porque bem sabemos que odiar, é algo muito forte, talvez eu não goste muito de usar. E nessas indas e vindas de pensamentos, parei de pensar neste motivo primeiro, para pensar que sempre tenho sentimentos muito fortes. Tudo em mim transita na esfera do exagero e da oposição, amo demais, odeio demais, trabalho muito ou procastino muito, escrevo exageradamente ou passo meses sem escrever, e por aí vai... E, ainda pensativa, nas coisas, matutei em qual seria o motivo de eu ser exagerada, e também lembrei que sou demasiadamente ansiosa, e não tenho equilíbrio algum e por aí vai também..., e quando dei por mim, a "croniquinha", aquela singela, pensada em ser escrita para hoje, aquela de dar dó, de desanuviar meus pensamentos, minhas angústias e meus cansaços. 

Basta. 

               Numa manhã que não vem ao caso, a moça pensou que seu destino era conhecer alguém que lhe afagasse o coração. Ficar sozinha não era mais uma opção, chega um momento da vida que precisamos cuidar de alguém, é quase que instintivo, necessário mesmo. Assim, ela titubeou, porém, estava certa do ofício. Chegou ao lugar na hora combinada; o rapaz a recebeu com um enorme sorriso e perguntou se ela estava nervosa, e que era assim mesmo, que as pessoas ficavam desse jeito igual ao dela quando faziam isso, mas que a decisão dela era algo lindo de se ver "falta gentileza no mundo". Abriu a porta com cuidado. A moça parada na entrada da porta se esquivou, virou, deu meia volta, virou de novo. Olhou. "Posso abrir a portinhola?" Ela sorriu nervosamente. O rapaz abriu a portinhola e de lá vários gatinhos saíram. A moça riu, nervosa, sem se mexer, ali ficou. Dos vários, teve um que era o seu amor, é sempre assim. O gatinho rajado de laranja e branco deitou no seu pé. Olhou para moça e miou como quem diz "me leva". "Esse gostou de você", o rapaz pegou na mão o gato minúsculo e entregou para ela que ajeitou no colo o pequeno felino. A moça sorriu... o gato sorriu... 

 

Em tempo...talvez eu não goste de diminuir as coisas, falta muita gentileza nesse mundo.

domingo, 6 de outubro de 2024

SÓ PARA CONSTAR

Entrego o papel

nele minha foto, 

revela

minha identidade;


Entrego o outro papel

nele a zona, ela me olha

compara 

com foto do papel;


Envelheci

ela olha de novo,

confirma

eu vou, confirmo...


E nessa entrega envelhecemos na esperança.



terça-feira, 1 de outubro de 2024

quinta-feira, 18 de julho de 2024

CRÔNICA DA PRAIA

Estamos sós, porém estamos juntos.

As inseguranças são sempre familiares e em cada história, de cada pessoa, os temas são distintos, mas as dores, as dores, são geralmente parecidas. Chove fraco aqui na praia, e também o mar é agitado. Das histórias dos transeuntes que caminham pela areia suja da praia, que um dia foi limpa, esses humanos que caminham, em meio as pombas, as gaivotas que passeiam com suas pernas lindamente longas e finas, isso tudo junto, eu observo e penso, somos sós, somos juntos e caminhamos.

Assim, parada em frente à barraca de bugigangas uma vendedora me seguia, em cada coisa que eu pegava, e olhava, e vacilava, e recolocava, percebi depois, que ela ia ao lugar que eu havia tirado aquilo, visto e não comprado, a moça "rearrumava", do jeito certo, o dela. O jeito certo. Na vida temos que ter o jeito certo. O seu jeito certo, não é o meu jeito certo que também não é o dele. E assim, estamos sós e somos juntos.  Na última vista, “vou levar este”, a moça sorriu, e deve ter pensado que finalmente, depois do passeio pela loja a fulana compraria algo.

O mar é agitado, tem uma certa névoa e o dia está cinza. Para Camões, o dia deu em chuvoso. E depois de caminhar até a praia agora suja, que um dia foi limpa, ouvi o senhor da outra loja que estava me observando e pensando que eu não era dali, era uma forasteira, avisou “cuidado com o carro”, eu distraidamente, não havia visto,  pensei que ele poderia não ter dito nada, e fiquei pensando como seria a vida dele,  quando olhei, vi que ele estava sentado com uma senhora ao lado, que deveria ser a sua esposa ou não, e eu agradeci fraco, um obrigado como a chuva fina. Estamos sós, mas estamos juntos, vemos o outro, somos juntos e caminhamos.

Sentada em frente ao mar revolto, vi a garota corajosa que entrava onda a onda, com a água pelo joelho. Ela ia e voltava, sozinha, nem olhava para ver se estavam vendo como era um disparate o que ela fazia. Um dia frio, o mar bravo, a névoa quase garoa, e a garota-coragem ali, porque não era justo no seu único dia de praia, não ter vindo Sol. Talvez, ela pensasse isto, e eu digo isso, porque eu pensei nisso, nos reveses que a vida dá, não é justo, não é justo. Estamos tão sós, nos sentimos tão sós, contudo juntos, sobrevivemos.

E então, cada história de injustiça, de incompreensão, de divergência, percebo que no final de tudo isso, de todas as coisas, a moça da loja, o velho e sua sei lá esposa, as pombas, as gaivotas, a menina coragem, eu, você, eles; todos nós estamos aqui, com nossas histórias e casos,dores, manias, opiniões, pensativos, juntos, esperando o Sol.

  

sábado, 1 de junho de 2024

Duodécuplo

Aposto que são 

Dize, dize,  doze 

Faces da mesma

Moeda. 


Aposto que são 

Dize, dize, doze 

Ovos do pão de ló 

Apostólico


Aposto que são 

Dize, dize, doze 

Constelações do 

Zodíaco.


Cavaleiros,    

De Faces cobertas, vendo estrelas...

Um aposto!



segunda-feira, 20 de maio de 2024

SONETO DAS SOMBRAS

 

 

Ontem meu sonho foi-se amanhã

Alguém vem e me olha aturdido

Somente rancor profunda gadanha

Profundo amargor do ser iludido.

 

Se a tristeza soubesse meu nome

Saberia como peito dói ora range

Como nem o luar é meu cognome

Finda rancor e nem som mais tange.

 

Essa magia dantes tão apensa

Agora morta sofre mor intensa

Mutilado meu enigma é fustigo.

 

Os feitiços padecem esperando

Os olhos compassam lembrando

Que a vida trouxe-me como castigo.

 

UM SONETO TRISTE

  

Se o dia abre em magia

fico bem triste em pensar

que o labor, qual o sentia

era difícil de se expressar.

 

Quanto mais há feitiçaria

mor penso em meu pesar,

meu sonhar é melancolia

como conseguir  ancorar?

 

Místico suave, um lampejo

Compêndio incauto, não vejo...

mistério a mim distante.

 

O brilho do olho, adiante

sutil e metódico instante

talismã em mim, desejo.

domingo, 12 de maio de 2024

DOIS AXIOMAS RALÉS

 

AXIOMA AMOROSO

Entender o outro

É respeito

Aceitar o outro: amor.

 

AXIOMA REVOLTO

Ahhhhhhhhh! Ignorância

É a matriz da aceitação

E a cegueira da escolha

ODE VULGAR

 


Ah! Quanta vontade de dizer

Tantas doces e suaves ironias

Proclamar em frases entrecortadas

Quanto á vida se torna vazia

Diminutas palavras deslizam da boca voraz

Ora dizem, ora dizem, ora dizem

Quem não as sente na cara, o vento

Natureza desumana, tocante

Tal qual cochonilhas em rosas

terça-feira, 7 de maio de 2024

REGISTRO GERAL

Uma foto

um número

outro número

uma mãe

sem pai

não declarado

assinado

com dedo

de tinta.

Agora é cidadão para valer!


quarta-feira, 17 de abril de 2024

POEMA MUITO FOFO

ASSIM COMO O VENTO

BEM AGITADO ESTAVA

A FLOR SE DESGARRROU

E BEM LEVE E SOLTA

PULANDO PELO CÉU

COM AS PÉTALAS CÁ

E BAILANDO PARA LÁ

A PEQUENA MARGARIDA

FOI VOANDO COM A 

VENTANIA QUANDO ASSIM, 

DE SUPETÃO, PLIM, PLIM 

CAIU NA CABEÇA AVOADA

DA PEQUENA GAROTA 

QUE SORRIU COM AQUELE

PRESENTE VINDO DO CÉU

INAÇÃO

 

Faz silêncio e olha, ali pelo buraco da vida. Vê como as pessoas andam se acotovelando, querendo um tanto de atenção daquela outra que é bem querida sabe-se lá por quê? Está na berlinda, meu amigo? Que você faz com essa sua opinião imensa? Trate bem todas elas, as pessoas, e ficarão por ali, na estante da sua vida! Onde é que estão seus amigos? Ou você é um ser social que amontoa amigos do tipo meus amigos? Olha agora ali do lado esquerdo, vê aquele outro grupo? Está vendo como são amistosos e omissos? São tão tradicionais na vida, são tão solitários como aqueles que riem sem parar e que olham de vez em quando pelo buraco de suas vidas rasgadas e solitárias. Vê como se socializam? Agora escuta o que dizem. Tem bastante opinião nisso tudo. Isso é bom, mostra que são humanos. Que pensam. Será que sentem? Ou mentem? Faz silêncio, senão acordam!

 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

SEM MOTE PARA HOJE

sem conseguir escrever alguma coisa de valor poético, metafísico, revolucionário, quântico, sem conseguir escrever algo que te faça se apaixonar ou que te faça sorrir, sem conseguir pensar em escrever um conto qualquer, ou uma crônica da esperança que te faça não se matar hoje, sem conseguir escrever sobre a paz mundial, sobre como as coisas são horrendas, e também sem conseguir ser otimista e feliz, sem conseguir o poeta, escrever um verso minúsculo sequer, versículo, sem conseguir um mote...qualquer...

Rendo-me.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

VIDÃO...COM ADENDOS

 

Quero agradecer minha vida.

Sim, ela é carregada de vícios e prazeres,

de saúdes e possibilidades, "vidazarrona", 

é emocionalmente intensa e macia,

tenra e macia.

Tem horas que não agradeço, por empréstimo, zero horas, aquela hora da tristeza, essa não agradeço não, mas é um...

Vidão.

Vida com tudo quanto é vida boa tem que ter,

com poesia,

com música,

com gente boa

gente fina, elegante e discreta

com arte,

com comida, acepipes variados e bebedeiras

com prazer,

amor e

“all inclusive”.

terça-feira, 5 de março de 2024

Crônica da vaidade ou Apólogo do amor-próprio (Mote por empréstimo do amigo: Wiliam Mendes)

 

Vou refletir muito sobre algumas coisas nos próximos tempos. Sobre a vaidade, e o sofrimento que esse sentimento nos traz, e sobre o amor-próprio também. Se estou percebendo que querem apagar o passado, e avalio que de fato o passado não é de meu domínio, por que sofrer com isso? O mundo humano está assim.” (Wiliam Mendes)


A vaidade e o amor-próprio discutiam fervorosamente na cabeça do homem, para ver quem era o mais importante na vida do pobre rapaz. De fato, não era uma discussão, ou diálogo, porque na verdade, a vaidade falava muito mais que o amor-próprio, que num determinado momento passou a só ouvi-la e respondia apenas o necessário:

- Acha que vou aceitar esse argumento de que você veio do inglês “self-love” e de que, portanto, é mais importante do que eu? Também quer que eu acredite nesta história de Narciso, e que me joguem na cara que não olho para mais nada além da minha própria beleza? Balela!!!

- Não foi isso que eu disse. Disse que você tenta me sobrepujar, todas às vezes que tento deixar ele um pouco mais seguro de si mesmo.

- Ahhhhhhh. Faz-me rir “self-love”. Então eu, a rainha da valorização pessoal, aquela que tem os maiores desejos fundamentados nas qualidades físicas e intelectuais do nosso Mestre, hahahahaha, euzinha, quero passar a perna em você? Somente quero que os outros avaliem, apreciem as capacidades e qualidades dele. E você? O que faz? Você o confunde. Todas às vezes que você exagera, é confundido comigo. Entendeu?

- Quero só que ele tenha segurança do que diz e faz.

- Segurança? Você é mesmo muito passional. Isso é um grande paradoxo. Então você está dizendo, que esse seu cuidado é amor? Ah! O amor-próprio, cuidadosamente dosado, aliás, em doses homeopáticas, traz a segurança de que nosso Mestre necessita? Bobagem. Você me vê como um mal? Imagino que sim. Hahahaha. Se me olha como um mal, que seja o Mal de Epicuro que o impede de ser “omnitudo”! Ora essa! Dessa forma, você, meu amor, é desnecessário. Eu, sim, a vaidade, sou absolutamente importante e vital, porque faço com que ele se valorize, se vanglorie de suas conquistas e que seja reconhecido pelos outros mortais.

- Talvez tenha razão. Mas... Poderíamos coexistir?

-Nunca! Chega de me confundirem com falha moral, com presunção, com egoísmo, e maldade, chega! Chega dessa história de me confundirem com você. Sou lúcida! Você não é. Sou consciente e necessária. Um pouco de mim basta.

Naquela noite o homem não conseguia dormir, seus pensamentos oscilavam e refletiam sobre a vaidade, e o sofrimento que esse sentimento lhe causava; pensava em suas conquistas e também avaliava se o seu passado deveria ainda estar sob o seu domínio ou não; para quê?

E... Não chegando em conclusão alguma, sorriu, percebeu o adiantado da noite e matutou que de nada adiantava pensar tanto e sofrer sobre tudo isso. O mundo humano já está assim, muito sofrido, calejado, cheio de preguiça e com muito sono.

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 4 de março de 2024

UM CONTO ESTRANHO

 

 

Bastos era um senhor de sessenta e poucos anos que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se poucas vezes durante o ano. Alguns parentes no interior, que a ausência de contato havia guardado na última gaveta da memória qualquer possibilidade de reencontros. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para nada fazer.

Bastos era homem comedido, falava pouco e durante toda a vida mediu bem aquilo que lhe saía da boca; entre falar e dar sua opinião preferia calar-se; o que fez com que escutasse a vida toda que era um pau mandado, um nada, um livro sem receitas, um homem vazio... Nunca se importou com isso, não falava porque não valia a pena dizer, somente o que era certo, era dito: “três pães, por favor,”, não importava dizer algo sobre a coloração dos pães, “nossa, como estão tostados”, já estavam tostados, de que valeria dizê-lo.

Mas...se olhou no espelho.

O homem olhava assustado para a imagem do espelho, não pelo corte feito, que era pequeno demais para alguém dar-lhe algum valor, mas seu estupefato olhar era da frase que sua boca havia proferido; não era homem de dizer vilezas, não era homem de falar mal por pouco, nem por muito havia perdido sua linha; nada disso era o que lhe tinha causado o pavor, a voz que lhe saíra da boca não parecia ser sua, aterrorizado não sabia o que fazer, baixou os olhos para tirá-los do espelho e sussurrou baixinho o seu nome, queria escutar-se.

Se a voz dominara o homem ou se ambos haviam se fundido em um só não é coisa para se pensar nesse momento da narrativa porque nada de filosófico há na mudança e o que se é relevante dizer são os fatos, os fios condutores das ações; o caso é que o senhor Bastos estava mudado e nem mesmo sabia onde tudo isso tinha começado, acostumara-se com a nova maneira que a vida lhe impusera com a mesma brandura que se habituara á barbas; agora era ser que cuspia fogo, deixava marca por onde passasse, rasgava todos os verbos, espantava os bichos, encantava e desencantava.

Bastos era um senhor que vivia sozinho em um pequeno apartamento do centro da cidade de São Paulo. O único filho morava em outro país e falavam-se várias vezes durante o ano. Alguns parentes no interior visitavam sempre o homem, que recebia todos calorosamente em longos papos e risadas madrugada a fora, resgatando sempre o que havia guardado na primeira gaveta da memória: lembranças. Da sua rotina diária, além dos pequenos afazeres de limpeza, manutenção da sua sobrevivência, cozinhar algo, aparar a barba, alimentar os pássaros, sobrava-lhe uma enorme parte do dia para conversar, cantar, aconselhar, jogar conversa fora, discutir...

domingo, 3 de março de 2024

TERQUEDAD

 

Mira la perseverancia y

 

com el passo del tiempo

 

firme em la constancia,

 

en la base de la obstinación.

 

Mira, para que tengas siempre

 

las delicadezas...

 

Cambia frenéticamente su

 

vida estampida y puesta

 

al principio del acaso

 

para que tengas siempre

 

las delicadezas...

 

que sin duda se traducirá

 

en palabras y acciones.

FOTOGRAFEI VOCÊ NA MINHA...

 


         O famoso lambe-lambe e sua potente "rolleiflex" entram num recinto...

         A luz não importa, nem sequer é necessário um refletor para que seus dedos ágeis e duros apertem o botão e um flash sorridente capture o instante.

         No seu transtorno-maníaco-compulsivo-obsessivo, obseda na imaginação o melhor ângulo da figura que se move em sua frente. Atenção! Um corpo que chega, um algo que se movimenta, um rosto que lamenta, uma boca que canta, um instrumento que toca, o rebolar dos quadris, a pose da moça, um "fotofóbico" que balança e o cão que ri. Não há objeto para a objetiva que retrata o indelével.

         Como se não bastasse, o impávido fotógrafo precisa também ser parte da sua sétima ou décima arte, e num revés desesperado, em toda a loucura, procura uma regra-três que com seu dedo substituto em riste, faça surgir num “click” a imagem congelada do exímio-louco que lhe sorri.

         E todos os instantes não revelados,  nem coloridos tampouco pretos e brancos se avolumam nas páginas solitárias virtuais, a espera de outro olhar que saudoso relembre o momento e gargalhe ou chore ou... odeio ser fotografado. Já diziam que rouba minha alma.

         Lá vai o famoso lambe-lambe produzir suas fotos-legenda.

         “E não é que você ficou bem na foto”.

 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A LENDA DA POETISA CEGA


Numa pequena aldeia, nasceu uma menina cega. Ninguém sabia da cegueira até que a criança completou seus três anos e passou a esbarrar em tudo. Para tristeza dos pais a pequena criatura recebeu todos os cuidados que alguém que não pode ver o mundo receberia.
Apesar do fato, a garota, agora mais velha, havia aprendido a enxergar o mundo com as mãos. Tocava nas coisas todas e sempre passava no rosto para senti-las. Dos bichos ás plantas, as sensações do universo eram absorvidas assim pelo contato, tato, olfato e paladar, eram absorvidos pelos sentimentos do olhar escurecido por Deus.
Mais adolescente e esperta, a mocinha cega passou a percorrer a aldeia sozinha. Era ágil e caminhava ouvindo seu andar pelos campos. Sentia o Sol durante o dia e a banhava-se com o Luar. Nunca aprendera a escrever, mas declamava versos o dia todo que eram compostos na sua mente criativa e poética. Declamava-os ao vento, aos bichos, aos homens, às crianças, aos mendigos, aos ricos. Eram versos de encantamento e calmaria.
Naquela manhã, a moça decidiu que era hora de sentir as águas do rio que corriam pela aldeia. O rio verde e profundo engoliu a garota cega para seu fundo em redemoinhos contínuos, não houve como gritar, apenas entregou-se à morte. A família nunca mais soube da moça, muito menos do que tinha acontecido com ela.
Porém, passados alguns meses, um velho pescador jurou ter lido nas águas do rio da sua aldeia, versos e poemas refletidos nas superfícies do rio. Ninguém acreditou nele. Novas pessoas também juravam ter lido pequenos poemas e toda a aldeia percebeu o que havia ocorrido. Muitos vinham de lugares distantes para ler as poesias do rio da poetisa cega. E a menina cega pôde descansar em paz.


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

PEQUENA HISTÓRIA ou Historinha mesmo


Vinha catando seus pensamentos enquanto caminhava até o ponto de ônibus distraidamente, nem viu que a moça lhe sorriu, perdeu o rumo e o amor.

ENTROPIA


Minha existência me incomoda
o que eu penso sobre tudo
o que não posso pensar, o que não devo pensar
tenho medo de existir, tenho medo de morrer
e tenho certeza de que sou inseguro

Ah! Como incomoda minha existência
o que posso pensar e não posso dizer
para quê dizê-lo? por quê? não digo
tenho muito medo de viver, tenho mais medo ainda das coisas
e tenho tantas incertezas quanto mais anos ganho

Que cansada é minha existência
o que o tempo traz agora é tão tarde
tivesse vindo antes a esperteza do velho com a doçura da criança
tenho muito medo de ficar velho, tenho mais medo da criança
e tenho tantas omissões guardadas que não livro

Por que me incomoda a minha existência?
tenho medo de pensar em responder
soubesse dela como a seria teria pensado e dito mais
tenho bastante medo das pessoas, tenho mais ainda de mim
e tenho uma alma de velho na mente de uma criança... 

todo resto é desordem.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

ELEGIA CONTRADITÓRIA

Era um dia para ser triste

contudo, a moça pensava

com muita alegria e imaginava,

que o seu amor chegaria.


Era um dia para ser triste

contudo, o rapaz matutava

com muito cuidado e analisava,

como dizer seu amor a guria.

 

Era um dia para ser triste

mas... na praça que encantava

a moça vinha cantando, e agora,

olhava assustada para o rapaz

que sorrindo a aguardava.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Valsa em voz...

 


CRÔNICA DA FICÇÃO QUASE CIENTÍFICA, SÓ QUE NÃO

 

Galileu, pressionado, foi convidado pela santa inquisição (em minúscula mesmo), a abandonar as suas convicções cientificamente comprovadas de que a Terra se movia em torno do Sol. Assim, tal como Galileu, seguimos caminhando lado a lado com a ficção, quase científica, tanto no gênero quanto na vida. A Terra agora plana, tal como o chão que pisamos, acaba na linha tênue do absurdo, da desinformação e da tentativa de plantar a ignorância. Na dúvida, pergunte. Escolha entre qual a pílula irá tomar, a que permitirá que esqueçamos de algo que já aconteceu na utopia virtual desse mundo moderno e que só enxerga o que se quer, ou a outra, que nos levará ao mundo real. Não importa, na dúvida, estude. Chegamos em um ponto tão crucial, que nem os gêneros se salvarão; os limites das grandes histórias não terão mais enredos inspiradores, estaremos sujeitos aos que querem a todo custo esconder a realidade.  Nas narrativas inverossímeis que imitam o cotidiano, o experimento caminha junto à descoberta, e a ciência caminha junto ao negacionismo. Um ali tentando ir contra o outro, negando o óbvio, comprovado por várias verdades. Cada um com sua verdade? Talvez? Não, só que não. Uma verdade só pode ser derrubada ou substituída por outra verdade mais científica ainda. Deixe para a ficção, quase científica, as elucubrações dos quase fatos cientificamente comprovados; não se deixe levar pelo quase científico, pela ficção, por pílulas azuis, fake das fakes, pesquise, conteste, grite, pergunte, e assim como o astronauta Aldrin, dê um soco no queixo de quem duvidar da Ciência.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Crônica do abraço

            

As cinco senhoras sentadas perto da piscina discutiam fervorosamente sobre os aspectos da comida servida na pousada em que estavam. De férias da vida solitária, e ou, da vida monótona da cidade, aquelas mulheres com mais de sessenta anos estavam ali procurando o que viver.

Assim, na calorosa discussão sobre o café da manhã, almoço e jantar, argumentavam muito mais do que a própria filosofia possa dar conta. Entre teses e antíteses, chegaram na síntese de que, salvo exceções, a comida tinha caído de nível em relação às últimas temporadas.  Eu escutava tudo aquilo com muita atenção, das frases mais hilárias, desde a qualidade da linguiça que fora servida três vezes na semana, sem mudar nada em seu aspecto que pudesse modificá-la em essência, até o fato de colocarem coco ralado em todas as sobremesas para aumentar o volume, todas as frases eram seguidas de fortes argumentos. E de fato, concluíram na queda de qualidade em relação aos anos anteriores: “no passado tinha batata frita de verdade, duas ou três proteínas a sua escolha e mousse de chocolate”

Assim, seguia apreciando as discussões, as justificativas, quando senti algo em minhas costas. A pequena garotinha, com sua mão minúscula, cujas unhas estavam pintadas de rosa, acariciava minhas costas em gestos largos. Olhei para ela e sorri, ela também sorriu do seu jeito; um jeito diferente do que chamamos de normal, mas isso não importa agora. Tentei travar uma conversa, mas ela não falava, apenas sorria, sua condição neste mundo era simplesmente sorrir e caminhar. Recebi este carinho, e retribui abraçando a magreza de suas costas.

Ficamos assim, por um longo período, sem dizer palavra, abraçadas, ora os olhos cruzavam, ora os sorrisos vinham. Interrompida pela mãe, que desculpou-se, dizendo que ela estava atrapalhando, e puxando a garotinha pela mão, levando-a embora, e, enquanto eu dizia a tradicional frase, “imagina, não estava atrapalhando nada”, as duas já haviam sumido da minha visão constrangida.

Assim. Assim é o átimo do que é viver. Ninguém estava me atrapalhando. Da conversa apaixonante das senhoras que tornavam aquele meu viver, um instante divertidamente inesquecível, até o abraço da menina que escolheu me acarinhar, seguimos vivendo na esperança, seguimos olhando para os detalhes, percebendo os pequenos gestos largos que vão acariciando a nossa vida, e assim, sim, destes instantes...caminhamos.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

O dia deu..

 O dia deu em chuvoso, Camões disse isso lá atrás num soneto, dos mais lindos poemas que já vi. Assim, a chuva produz algum sentimento, nem sempre é apenas de tristeza,  muitos devaneios ,  às vezes obviedades, também um tanto de amargura, e quase sempre melancolia; hoje diferentemente disso, ou daquilo, trouxe reflexão. Um pássaro aqui na minha frente está a banhar-se e assim, vendo o movimento tão feliz, de lá para cá, molhando as asas e sacudindo a poeira da poluição, parecia feliz. E assim, como o bicho, eu aqui vendo a chuva prazenteira, tentando escrever sobre o que não se pode escrever, pensando no revés que a chuva traz, no sim e no não, no alegre, ora triste,  não consigo deixar de estar confusa. O dia deu em chuvoso. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

DENTE-DE-LEÃO ( Para o Guilherme)

Num gesto largo

o menino assopra

a planta que estava 

pronta para voar;

em mil flocos 

as sementes iam 

vento acima

vigiadas pelo olhar 

do garoto sorriso;

olhar curioso, 

em devaneios

o que o faz pensar  

que o floco é leve;

cheio de esperança

o menino vislumbra

a vida é leve

cheia de pompons

esvoaçantes

ele pensa

e é feliz!

QUADRINHA DA CIDADE ALAGADA

O POÇO DE VISITA SE ENTUPIU DE TANTA VERGONHA FALHOU DE TAMANHO DESCASO RUIU BUEIRO, SEU NOME É DINHEIRO!